Desgostos de Agosto

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Ter, 02/08/2016 - 09:55


Agosto ainda é celebrado como tempo das alegrias do retorno às origens de largos milhares de transmontanos. Há três, quatro décadas as aldeias, soturnas e já então cabisbaixas, enchiam-se de cor e som, as tascas iam passando a cafés manhosos e as festas foram sendo reprogramadas para o oitavo mês, originando uma fartura inaudita de todos os prazeres da mesa, dias a fio, quase até rebentar. Choviam francos e marcos.

Foi também o tempo da ascensão da música de gosto duvidoso, entre o brejeiro e o boçal que, pelos vistos, pegou de estaca e tomou conta das tardes de sábado e domingo nas televisões.
Deixemos essa reflexão para outras oportunidades. O que proponho hoje é que, a propósito de Agosto, falemos do que é, afinal, um profundo desgosto. Voltemos ao declinar de oitocentos, quando um jovem com origens em Vila Verde e Espinhosela rumou ao Porto, para integrar a Guarda Real. Veio a morrer cedo, depois de se casar com uma rapariga minhota, que também por lá procurara melhor vida.
Dos três filhos que tiveram, dois vieram a ser criados em Espinhosela. Um deles foi jovem para França, mas voltou, até decidir aventurar-se numa viagem para a Argentina. Uma tia pediu-lhe, no entanto, que voltasse, para a amparar nos dias do fim. Quando regressava, o irmão descia o Atlântico, para essa terra de promissão, onde sempre esperaram juntar-se. Nunca mais se viram.
O que voltou foi lavrador honrado, prestigiado, mas teve que criar os filhos suportado no trabalho árduo e nas letras do Banco de Portugal, ou da Casa dos Coelhos. Dos sete filhos que levou até à adultez, um viveu em Lisboa, três encontraram conforto material em Angola, ficando-se por cá os três restantes.
Quanto aos 11 netos, vivem em Bragança três. Bisnetos são 16 e não parece que por cá fiquem mais de três ou quatro. Talvez Lisboa, Porto, a Alemanha sejam o terreno da continuidade das gerações. Em Buenos Aires também continua descendência do guarda real de Vila Verde.
Falei, até agora, de um dos ramos da minha família, que não é senão mais uma expressão do que tem sido o êxodo das gentes. Por isso, apesar do famoso luar de Agosto, da memória empolgante das noite cálidas, das brisas que fazem falar os carvalhais, a alegria é cada vez mais contida, fruto da nostalgia sem promessas de amanhãs.
Perante isto é fundamental que recuperemos a vontade férrea de não deixar que o tempo nos leve simplesmente ao fim anunciado. Já sobram os lamentos. É preciso que haja a coragem de fazer os possíveis para reverter (palavra agora em moda) a abulia. Naturalmente, assumindo riscos penosos, mas identificando claramente objectivos estratégicos e procurando meios para os atingir, mesmo que isso possa significar a ruptura com o comodismo imediatista.
Teremos que ser mesmo nós, políticos e cidadãos desta terra, a encontrar as soluções e a propor ordeiramente que sejam atendidas. Não vale a pena continuarmos a colaborar na farsa que é a morte lenta mas inexorável, apesar das escolinhas reconvertidas em centros de dia, onde ninguém convive, dos caminhos asfaltados onde ninguém passa, das estradas repavimentadas onde não circulam transportes públicos, mas sobram ambulâncias e carros funerários.
Apelemos à força que nos resta para que, noutros Agostos, possamos partilhar com os nossos netos um outro lado da história do nordeste transmontano.

Por Teófilo Vaz