Segurança e democracia

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Ter, 04/07/2017 - 09:42


Vivem-se tempos paradoxais em que, apesar de todas as globalizações, festejadas ou sofridas, os indivíduos se deixam embalar em ilusões sobre redomas que os manteriam a salvo das agruras da história, mesmo quando os sinais de risco se repetem a ritmos avassaladores.
De tanta tragédia que lhes entra pelos ecrãs, vai crescendo uma resignada abulia, que convive com a esperança inglória de que mesmo que o mundo à volta esteja calcinado, há-de restar um éden onde tudo se manterá na tranquilidade que se imagina nas vidas eternas dos santos.
Desde que não rebente a bomba ao lado do nosso carro ou o tiro não nos trespasse a mioleira, celebra-se a sorte, esquecendo que a sanha assassina, quando não é atalhada com determinação e coragem, espalha a degradação até ao caos.
Não se entende, por isso, que neste país nos confrontemos com acontecimentos que seriam esperáveis no caldeirão da Ásia Central, potenciais ameaças de violência massiva e indiscriminada.
Sem segurança a democracia é uma miragem. Não era sequer pensável que uma estrutura militar vital, num país fundador da NATO, pudesse estar à mercê de bandoleiros, que poderão fazer um verdadeiro arraial de sangue nos próximos tempos, nesta Europa vergada e dividida, onde a cobardia videirinha de responsáveis políticos, mas também de milhões de cidadãos, espera mais da roleta da sorte do que da união e da solidariedade.
A gravidade do que se passou em Tancos não tem termo de comparação na história do último século. Pensemos na estrutura militar que o país manteve durante a designada guerra colonial, com largas centenas de unidades, desde os destacamentos no mato, passando pelas companhias, baterias de artilharia, batalhões, bases aéreas e da marinha, com mais de 50 000 homens em permanente mobilização. Quem viveu esses tempos não se lembrará de haver lança granadas, bazucas ou explosivos acessíveis a mãos pouco recomendáveis.
É caricato, mas inadmissível, que os paióis nacionais estejam protegidos por redes de galinheiro e a vigilância física não tenha substituído a electrónica que, pelos vistos, não era uma prioridade na gestão orçamental da defesa.
Por outro lado, é inquietante que quase uma semana depois de anunciado o desvio de material de guerra em quantidades impensáveis, se passe o tempo com justificações esfarrapadas, à espera de relatórios, enquanto as armas se podem tornar terríveis surpresas, alimentando as carpideiras e agravando o medo e o desânimo, conduzindo-nos à resignação de que o mundo continua uma selva de feras, com dentes permanentemente arreganhados.
Ainda mais grave é que o que aconteceu em Tancos vem na sequência do recente desaparecimento de armas do Comando Nacional da PSP, facto que ainda não foi esclarecido. Parece que o Afeganistão já se estendeu até ao extremo ocidente da Eurásia. Lá a anarquia dos senhores da guerra tem atingido o cúmulo da indignidade. Pelo andar da carruagem não teremos muito mais tempo para dizer, com enlevo, que somos um país seguro, tranquilo e democrático.

Por Teófilo Vaz