BLOCO, PORQUE NÃO?

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Sempre me causou alguma estranheza os mecanismos das sondagens e a extrapolação científica dos dados recolhidos numa pequena amostra para o universo dos votantes. Que estranho elo agarra um cidadão escolhido aleatoriamente a milhares de outros tantos que o mimetizam e seguem, magicamente, por uma regra sobrenatural. Era coisa de defícil compreensão. Em 1999 tive oportunidade de pôr à prova as minhas reticências. Na semana das eleições europeias desse ano fui selecionado para fazer parte da amostra de uma das empresas de sondagens. Pediram-me que antecipasse, numa urna, o meu voto desse domingo. Eu, que em regra votava PSD, o meu partido de sempre e que seria a minha escolha óbvia, se nada de estranho acontecesse, resolvi colocar a cruz no recentemente criado Bloco de Esquerda, no boletim de voto da pesquisa. Resultado, as sondagens da empresa que me escolhera apontava como possível a eleição de Miguel Portas para o Parlamento Europeu. Pude então confirmar as minhas suspeições sobre o mecanismo exploratório pois, contrariamente ao que aconteceria de outra forma, no dia 13 de junho de 1999, na secção de voto do Liceu Carolina Michaelis eu votei efetivamente, pela primeira vez no BE. Mas, tal como suspeitava, não houve nenhuma mão invisível que levasse dezenas de milhar de eleitores a seguirem o meu exemplo e o Miguel Portas não seguiu, nesse ano, para Bruxelas.
Votei no Bloco e nada de mal aconteceu! Pelo contrário fiquei com pena que a minha hipótese acabasse confirmada. O mais velho dos irmãos Portas veio provar, na eleição seguinte que o seu talento, valor, dedicação e competência só prestigiariam o país com a sua eleição logo naquele ano. O BE, não só por influência sua, mas também pela ação de outros dirigentes carismáticos como Francisco Louçã, Fernando Rosas e João Semedo afastou-se do radicalismo esquerdista que caracterizou alguns dos partidos fundadores, conservando, contudo, algumas das bandeiras originais como a denúncia e combate à corrupção, à injustiça social e adotou novos desígnios interpretando corretamente o pulsar da sociedade e, sobretudo, de grupos emergentes. Várias vezes, em família, foi assumido que o voto nos bloquistas era uma séria, correta e útil opção porque, não sendo crível que ganhassem as eleições em causa, era muito bom elegê-los para desempenharem o excelente e utilíssimo papel fiscalizador dos mais diversos agentes do poder vindos dos partidos tradicionais.
Em conversa recente veio de novo à baila, exatamente a mesma conversa, a mesma motivação e a mesma justificação. Só que desta vez eu já não concordei como fazia antes. O voto no Bloco pode ser útil sim, para eleger vereadores e deputados mas não só. É igualmente útil fazer dos dirigentes bloquistas Presidentes de Câmara, de Assembleia e Ministros. Esta análise evoluiu durante os últimos anos ao observar a forma responsável e com enorme sentido de estado que o partido liderado pela Catarina Martins tem apoiado a atual fórmula governativa. O ponto de viragem aconteceu quando a candidatura de Albano Mesquita à Assembleia Municipal de Vila Flor me veio acordar para a forma natural como a prática bloquista pode ser facilmente interpretada por pessoas moderadas desde que com fortes motivações de justiça social e defensoras da verdade e transparência na administração da coisa pública.
Quer isto dizer que me converti ao marxismo? Não. Durante décadas revi-me na ideologia do PSD mas, com o tempo, fui-me sentindo cada vez mais afastado da sua prática. Agora, pelo contrário, não aderindo às teses programáticas do Bloco de Esquerda, cada vez mais me identifico com a  sua atuação prática. O extremismo de alguns dos seus membros está perfeitamente moderado pelo pensamento e atuação da maioria dos simpatizantes e apoiantes e, sobretudo pela sua liderança inteligente e responsável. O governo recente do Siriza veio provar que os devaneios coletivistas e a ditadura do proletariado, fazendo ou não parte do ideário fundador, não têm cabimento no atual exercício do poder.
Ora, no tempo em que vivemos e em que o arco governativo se divorcia consistentemente do centrão e se alcandora nos extremos, olhando para o panorama atual, se o futuro passa por alguma “radicalismo” então que venha da esquerda. Da direita radical é que, definitivamente, NÃO!

José Mário Leite