Enredados

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Muito antes da existência de redes sociais, já o povo falava dos “enredeiros” e dos que só sabiam “enredar”. O enredeiro caraterizava-se por ser mesmo isso: um enredeiro – alguém incapaz de levar um propósito até ao fim; um ser que não avançava nem retrocedia. Quando chegou a altura de estudar Garret, já tinha dúvidas sobre o significado do verbo e, sinceramente, não entendi muito ou quase nada das metáforas à volta da Barca Bela e do cuidado que o pescador tinha de ter para que a rede não se enredasse na sereia. Tudo passa, o significado do verbo ficou para trás mas os enredeiros continuaram.

No momento em que a torneira dos fundos europeus, finalmente, se abriu, e algumas gotas vão chegando ao comum dos mortais – tal como já aconteceu com outros quadros – fica-se com a percepção de que longe de se avançar anda-se mesmo a enredar. A criação dos quadros de apoio comunitário tinha por base a convergência das regiões mediante a criação de eixos estruturais que capacitem cada estado através da implementação de medidas, essas de acordo com a estratégia de cada país. No caso português, o caminho da coesão é ainda mais complexo dado que não se conseguirá esbater o diferencial com os outros países, quando as assimetrias internas são por demais evidentes. Ao longos destas duas últimas décadas, não se poderá dizer que não se tenha feito um enorme esforço no sentido de alcançar níveis de desenvolvimento e de bem-estar mais próximos do padrão europeu do que de países do, até há bem pouco designado, terceiro mundo. Contudo, os índices de bem-estar ainda se afastam dos que os países de referência apresentam e, quer se queira quer não, continua-se a olhar para o outro lado da fronteira e a constatar que o nível de vida, aqui ao lado, é superior ao que se consegue criar por cá. Ora, se Portugal tem uma zona económica exclusiva de 1,72 milhões de quilómetros quadrados – a terceira maior da União Europeia, que poderá duplicar em 2021com o alargamento da plataforma continental, caso a CLPC (Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas) assim o decidir, o que falha para os desequilíbrios estruturais perdurem ao longo de tanto tempo?

Os analistas poderão elencar uma série de factores que poderão ser mais ou menos explicativos; os políticos apresentarão outros, muito mais previsíveis, variáveis conjunturais, factores externos e uma série de outros argumentos que os ilibam da responsabilidade que só cabe a quem exerce cargos de governação seja a que nível for. 

Por aquilo que pude observar na execução do anterior quadro e no que agora vigora há, essencialmente, mas não exclusivamente, dois factores: o politicamente correto e os enredeiros. O politicamente correto é a primeira força de tração que impede qualquer mudança. Ao ser aplicada no terreno político, esta força faz com que o problema se alongue e fique mais fino mas não se resolva, O politicamente correto não deixa ver a realidade como ela é e faz opções que fiquem bem mas não gerem conflito. Ora, ao não haver conflito não haverá verdadeiramente mudança.

E aqui entram os enredeiros que dão jeito aos políticos. Elaboram os planos de ação e conhecem o modo como os indicadores, devidamente trabalhados, darão resultados positivos sem, contudo, mudarem nada de substancial na vida dos que mais necessitam. É que o enredeiro não vai ao terreno, não suja as mãos nem sabe estar próximo de quem precisa. O enredeiro projeta, planifica mas não executa.

A agravante na aplicação deste quadro comunitário é que, ao invés do anterior, o financiamento, pelo menos em algumas áreas, não é entregue ao beneficiário direto como se não soubesse ou não tivesse capacidade de gerir as verbas, embora seja o único que sabe do que precisa. Por isto, esgotados os fundos, continuaremos a ouvir falar de assimetrias, de falta de coesão e de que nunca chegaremos ao pelotão da frente. É provável que a solução seja encontrada quando Portugal, bem na cauda da Europa, tenha a capacidade de dar meia volta e olhar em frente. Deste modo simplificado, o último será o primeiro.

Na verdade, também eu me deixei enredar… a ideia era abordar a força das redes sociais na formação de opiniões e acabei a olhar os enredeiros de uma forma politicamente correta.

Raúl Gomes