Ética e Gestão Cinegética

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Revisitando temas abordados há cerca de 10 anos atrás, perdoem os leitores que porventura já conheçam este texto publicado em 2015 no n.º 6 da saudosa Revista Raízes... mas, dada a sua atualidade, não resisto! O pensamento coletivo sobre a problemática da caça leva cerca de uma década a mudar – vá-se lá saber porquê –, senão vejamos: em 1986 a discussão girava em torno do recém-criado “Regime Especial” versus “Regime Livre”; ultrapassada esta contenda, a partir do final dos anos de 1990, os caçadores debruçavam-se sobre qual seria o melhor dos modelos de Ordenamento Cinegético, Associativo ou Municipal; e, já na primeira década do século XXI, o debate centra-se essencialmente na seguinte questão: porque não cresceram, como se esperava, as populações de espécies de caça menor sedentárias? Neste entretempo, a grande maioria dos responsáveis pelo dito Ordenamento Cinegético, perante a escassez de peças de caça, lançaram-se em corrida desenfreada aos repovoamentos. Era um vê-se-te-avias de coelhos com genética duvidosa e perdizes criadas em cativeiro, na esperança de resolver definitivamente o problema, e… o resultado está à vista de todos – passados mais de 30 anos, continuamos na mesma com pouca caça no terreno! Se calhar “a solução” não era esta… No tempo que corre, embora já se tenha percebido que falta apenas um “golpe de asa” para a desejada “solução”, eis-nos, já na terceira década deste novo século, chegados à situação absurda, até aberrante, de algumas entidades gestoras de zonas de caça disporem de sofisticadas unidades onde os animais são criados para soltar no próprio dia em que vão ser caçados! Ou seja, “o problema”, além de não ter ficado resolvido, ainda piorou. Mudou-se a natureza das espécies, introduziram-se novas patologias no ambiente e inverteu-se o processo evolutivo das mesmas, que passou a ser no sentido da domesticação. Por esta via subverteu-se completamente o verdadeiro espírito da caça, perdeu-se a estima pela ordem natural das coisas. Nestas situações – que, felizmente, não são todas – deixou de se poder considerar a caça como um gesto instintivo e um ato de cultura e não mais poderemos exaltar os benefícios que esta paixão e fonte de inspiração proporcionam, a pacificação espiritual, a libertação e bem-aventurança que só os caçadores conseguem alcançar! A estas questões todas acrescento outros problemas, porventura mais preocupantes ainda: a redução drástica do número de caçadores e a cegueira fundamentalista dos movimentos anti caça… a falta de “conhecimento” e consequentes dificuldades em entender o funcionamento dos ecossistemas… o caçador que teima em olhar a predação natural como fator de perda das espécies cinegéticas… Mas, nem tudo se perdeu nestas três décadas e a resiliência dos animais bravios no seu habitat natural é extraordinária! Impõe-se agora que, paulatinamente, se divulgue e vulgarize o conhecimento científico sobre a bioecologia das espécies. A meu ver, poderemos ter no terreno a caça que quisermos ter, sempre sem pretender ir além da capacidade de suporte de cada território para cada espécie. Por outro lado, a problemática da caça não se esgota em questões técnicas de gestão cinegética, há também a ética, para a qual sempre poderemos tomar como fonte de inspiração a profunda sabedoria de outros povos ancestrais e longínquos, cuja sobrevivência muito dependia da caça. O respeito pelo ambiente natural faz parte da religião e da filosofia de vida dos índios americanos da tribo Cherokee. Para eles, cada animal que não seja caçado com respeito causará ao mau caçador uma doença diferente. Os mais velhos ensinam aos seus iniciados que o ato de caçar exige a preparação dos apetrechos com respeito, perseguir o animal com respeito, dar-lhe morte com respeito e consumi-lo com respeito, porque cada animal é um ser irrepetível.

Agostinho Beça