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NÓS TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - José (Abraham) Henriques Nunes Raba (1728 – c. 1808)

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O filho primogénito de Francisco Raba e Luísa Maria nasceu em Bragança em 11 de Dezembro de 1728 e foi batizado na igreja de Santa Maria, com o nome de José Henriques Nunes. Com o falecimento do pai, em 1742, ficou investido nas funções de chefe da família. Foi apresentado  em  29 Julho de 1749  confessou e foi mandado para Bragança. Em 9 Agosto de 1751 foi notificado para se apresentar e faz denúncias. Uma delas consta do processo de sua prima Brites Pereira. Saiu penitenciado no auto de fé de 22.8.1751. (1) Com a mãe e os irmãos fugiu para França, chegando a Bordéus em Junho de 1763. Com eles viajou também a prima Catarina Ferreira,(2)  que iria já desposada com José Henriques. Catarina era filha de Gabriel Rodrigues Ferreira e sua mulher Branca Maria Bernarda, esta irmã de Luísa Maria, a matriarca da família Raba.
Chegados a Bordéus, todos os membros da família Raba aderiram abertamente ao judaísmo, fazendo-se circuncidar e tomando nomes hebreus. Assim, o José passou a chamar-se Abraham e Catarina, que era filha de Gabriel Rodrigues Ferreira e Branca Maria Bernarda, tomou o nome de Ester. O casamento de Abraham e Ester celebrou-se em 1768.
A essa altura já os Raba estavam completamente integrados na comunidade judaica de Bordéus. A ponto de, em 15 de Março do dito ano de 1768, Abraham Raba ser eleito “síndico da nação”- o principal dirigente da administração da comuna. (3)
A respeito do seu casamento começaram a circular uns boatos de que ele não pagou o imposto devido sobre o dote recebido da parte da noiva. Então ele requereu ao síndico que então era a convocação de uma reunião do conselho dos anciãos, a qual se realizou em 8 de Julho de 1772. Nela apresentou Abraham Raba uma defesa bem vigorosa. Vejam um extrato da ata da reunião, por nós traduzida da língua francesa:
- Ao fim de 4 anos, chegou a altura de pôr fim aos boatos e desmentidos inúteis, a respeito dos direitos do meu casamento. Cedendo às vossas pretensões, consenti mesmo que o Sr. Rodrigues, nosso síndico visse o meu contrato, julgando-o digno de tal confiança e com a promessa do natural segredo. Ele poderá certificar o que eu vos repeti vezes sem conta: que eu não tenho obrigação de pagar qualquer direito, não tendo recebido nada da minha mulher, nada a tributar, nada a esperar. E nada prometido na realidade. Eu pensava que acreditassem na minha palavra e vós fostes injustos para comigo (…) Hoje que me encontro justificado e satisfiz todas as vossas exigências, resta-me ainda uma justificação a mim mesmo e ao público que tem sido enganado; e não encontro melhor resposta do que entregar nas mãos do nosso síndico as 90 libras em questão, como uma oferta voluntária para ser aplicada conforme as vossas indicações aos nossos pobres. Provando o meu desinteresse, ficais obrigados a render-me estima e a melhor julgar os meus sentimentos. Quanto ao público, se ele for corretamente informado, ele me renderá justiça. (3)
A ata está assinada pelos 11 membros do Conselho de Anciãos, que aceitaram a oferta, certamente com as orelhas bem quentes, depois desta magistral lição de honradez, consciência cívica e respeito pelas instituições. Sobre a maneira de estar em sociedade, cumprirá referir que foi o síndico Abraham Raba que, em 21 de Maio de 1776, apresentou no conselho dos anciãos o primeiro plano concreto para a construção de um complexo que incluiria “une boucherie, une fabrique pour le pain d´assime et une chambre d´assemblées”. (4)
Em Junho de 1782 a nação judaica portuguesa e espanhola de Bordéus resolveu oferecer um barco ao Rei de França para a sua marinha mercante e para isso abriu uma subscrição no valor de 60 140 libras. Acima de 3000 libras houve apenas 3 contribuintes: David Gradis e filho – 12 000; Irmãos Raba – 7 000 e António da Costa e filho – 6 000. Esta será a prova do sucesso empresarial desta família trasmontana que, 19 anos antes, chegara pobre a Bordéus. (5)
Os Raba são geralmente apresentados como exemplo das enormes fortunas que os judeus de Bordéus acumularam nas colónias francesas, dividindo a sua vida entre Bordéus e as Caraíbas. Abraham, contudo, nunca sairia de França e gastou a sua vida em Bordéus, na gestão da empresa constituída em rede familiar de negócios. Sem filhos e viúvo, fez o seu testamento em 30 de Março de 1808, quando as tropas napoleónicas ocupavam Portugal e a autoridade estabelecida em Lisboa era a de “El-Rei Junot”.
O testamento de Abraham é de muito interesse, a vários níveis. Desde logo por nos falar das grandezas e misérias da família, com empréstimos de recuperação duvidosa e bancarrotas do marido de uma sobrinha. E se deixa em herança ao irmão mais novo, o Raba Junior, “o usufruto das rendas vitalícias e rendas perpétuas sobre o Estado”, as propriedades todas, “qualquer que seja a sua natureza” aos três irmãos, Jacob, Aaron e Gabriel, em partes iguais.
E agora vejam as cláusulas seguintes que nos mostram como ele se ligava à terra que lhe foi tão madrasta e de onde teve de fugir:
16 000 francos para os primos pobres de Portugal, descendentes do primo em primeiro grau, para ser dividido entre eles, de acordo com o estado de indigência em que se encontram.
16 500 francos para as 50 famílias dos primos ou sobrinhos em linha direta da descendência de primos-coirmãos do meu pai ou da minha mãe, o que perfaz 50 mil réis a cada.
Seguem-se doações para os criados e pessoas amigas e a terminar:
2 400 francos para as 100 famílias israelitas mais pobres.
1 200 francos para 24 famílias dos mesmos pobres, conhecidos como pobres virtuosos, o que significa um Luís de ouro para cada um e dois para os outros.
O restante dos 60 900 francos testados para os pobres deve ser distribuído entre os pobres da cidade, sem distinção da religião, fazendo a distribuição pela paróquia ou nos seus arredores, de acordo com a população.(6)
A preocupação com os parentes de Bragança é comum a todos os irmãos. Veja-se, por exemplo, o testamento de Aron João) Henriques Raba:
-Deixo como herança a soma de 3000 francos para ser distribuída pelos meus parentes pobres de Portugal, quantia que deve ser remetida no prazo de 3 anos.
- Também deixo 4000 francos às famílias de judeus que não sejam da nossa família.
Idênticos legados se encontram no testamento de Jacob (André) Henriques Raba:
- Deixo de herança a soma de 3 000 francos para serem distribuídos entre os meus parentes pobres que vivem em Portugal…
- Deixo mais a soma de 4 000 francos às famílias judias de Bragança que não sejam nossos parentes.
Fantástico: em Bordéus, os irmãos Raba (e certamente a comunidade trasmontana ali refugiada) sabiam que em Bragança continuava a haver judeus clandestinos!...

 

NOTAS E BIBLIOGRAFIA:

1-ANTT, inq. Lisboa, pº 2450, de Beatriz Pereira. ALVES, Francisco Manuel - Memórias Arqueológico-Históricas  do Distrito de Bragança, Tomo V , p. 50
2. ANTT, inq. Coimbra, pº 5873, de  Catarina Ferreira ou Catarina Perpétua Ferreira. 
3-SCHWARZFUCHS, Simon – Le Registre des Deliberations de la Nation Juive Portugaise de Bordeaux (1711-1787), pp. 420-421, ed. Fundação Calouste Gulbenkian, Paris, 1881.
4-IDEM. p. 380.
5-IDEM, pp. 532-534.
(6)- The National Archives – Record Offi Will of Abraham Henriques Raba  dated 30th March  1808 .

Por António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães