O MANSO E O GUERREIRO X – O TAXISTA

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Quando o Tomé Guerreiro chegou ao costumeiro lugar do encontro, já o Júlio Manso conversava com Miguel Subtil que estava de visita à terra natal, vindo de Lisboa. A conversa passou a ter três interlocutores pelo que, para melhor compreensão, desta vez farei anteceder cada intervenção pelas iniciais do nome de cada um.
TG – Ora viva, Miguel. Mais uma vez por cá?
MS – É verdade ti Tomé. Sabe bem que, sempre que posso, não deixo de vir...
JM – E desta vez, com grandes novidades. 
TG – Muito bem, venham de lá essas notícias...
JM – O Miguel fechou a Loja de Antiguidades que tinha na Baixa Lisboeta.
TG – Ah, então não se trata de uma visita mas sim de um regresso...
MS – A mudança foi grande e radical mas não tão radical quanto isso. Fechei a Loja em Lisboa mas continuo por lá. 
JM – Agora o Miguel é taxista! 
TG – Taxista? Grande mudança. Algum motivo especial?
MS – O motivo não tem nada de especial. É o de sempre. Como não tenho fortuna, vejo-me obrigado a viver do meu trabalho.
JM – Pelos vistos o negócio anterior não era rentável.
MS – Não se trata propriamente de rentabilidade. Em termos meramente contabilísticos a atividade de compra e venda de antiguidades tinha uma margem de rentabilidade boa e chegava bem para pagar as despesas de funcionamento e deixar o suficiente para viver sem luxos, mas com conforto.
TG – Então qual foi o problema?
MS – O problema foram os pagamentos. No nosso ramo ainda se usa muito o pagamento por cheque. Enchi uma gaveta de cheques sem cobertura! As despesas de cobrança são grandes e nem sempre  se consegue recuperar o que nos é devido... É impossível ir atrás de cada devedor para tentar reverter o negócio. Mesmo que fosse não adiantaria muito pois eu não como jarras de porcelana chinesa, nem visto móveis Luis XV.
TG – Pois é, com a mercadoria do lado deles fica difícil obrigá-los a desfazerem o pretenso mau negócio. Mas, diz-me cá, o que te leva a garantir que com o serviço de táxi não te acontece o mesmo?
MS – Tem toda a razão. Nada me garante. Mas nesta nova profissão, ao contrário da outra, o pagamento é pedido já depois do serviço prestado e, em caso de reclamação nem sequer é possível reverter o negócio. De nada me adiantaria levar de volta à origem um passageiro que não quisesse pagar, pelo contrário, no que me diz respeito, até agravaria ainda mais a situação, para o meu lado.
TG – Eu suporia que os clientes de táxi seriam mais propensos ao calote que os adquirentes de peças distintivas e, seguramente, longe do lote de primeiras necessidades.
MS – Supunha vossemecê e supunha eu. Mas o certo é que é como lhe digo. Nas corridas de táxi não há calotes, a não ser em circunstâncias excecionais. 
JM – E porque será?
MS – Essa é uma boa pergunta. Ora, como sabe, uma das vantagens de ser taxista é o convívio e diálogo com gente de toda a condição. Um grande economista explicou-me que isto tem a ver com a tradição. Segundo ele a importância da tradição é muitíssimo maior, no funcionamento do Mercado do que aquela que no passado se lhe atribuiu e ainda há quem atribua...
JM – Essa agora.
MS – Pois é. Mas veja bem que essa questão responde adequadamente no meu caso, onde a lógica apontaria exatamente no sentido contrário. E explica a razão porque no passado os contratos eram celebrados com um simples aperto de mão...
TG – E quem decide o que é a tradição numa e noutra circunstância?
MS – Ninguém. 
JM – Ninguém e todos. 
TG – Ora aí está. Veja bem o que se passou com as recentes eleições!
JM – Não me diga que isso também tem a ver com a política! 
TG – Tem, tem. E muito. Tudo na vida atual pode ser assemelhado a um mercado. E nada como as eleições para as autarquias. Há quem queira um produto e há quem possa proprocioná-lo. Há um contrato de promessa de compra e venda, se assim lhe podemos chamar. Ora quando um político jura a pés juntos que vai fazer uma obra, logo no início do mandato, nem que chovam picaretas...
JM – E não a faz...
TG – E, pior que isso, fá-la nas vésperas das eleições...
JM – Ah, mas aí, provavelmente, já não resulta...
TG – Isso é que resulta. Este ano quando me indignei por causa da obra que só apareceu no final de setembro, o que não faltou foi gente a mandar-me calar. Que, mais valeu tarde que nunca, o importante era ter a rua arranjada. Estamos assim a criar a tradição de que basta fazerem o que é preciso em ao cair do pano para se livrarem da devida penalização.
MS – E isso é mau...
TG – Não é mau. É péssimo!

 

José Mário Leite