Violência doméstica

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Se a violência é o último argumento de quem não tem razão, como alguém disse, a violência doméstica tem, ainda, a agravante de ser infligida aos que são próximos. É a todos os títulos, lamentável. E, no entanto, os números da violência doméstica crescem exponencialmente. Sociólogos e Psicólogos saberão explicar esta crescente animosidade entre géneros mas numa leitura, necessariamente superficial, direi que numa Sociedade que incentiva a competição e a agressividade em todos os seus sectores não se pode esperar que o mais pequeno deles ficasse imune a primarismos, a desmandos emotivos. Também ajudará a compreender o fenómeno o facto de, desde sempre até então, o homem ter sido, na sua célula familiar, simultaneamente o acusador, o juiz e o carrasco, prerrogativas que as actuais Leis lhe retiram. E isto acontecia com uma certa aceitação social por alheamento, uma espécie de beneplácito que o anexim sintetiza: “entre homem e mulher não metas a colher”. Por outro lado, e por força das Leis que instituem a igualdade de género, os homens vêem, de repente, as mulheres invadirem o espaço, antes seu, de afirmação intelectual, profissional, até sexual e estão, manifestamente, a reagir mal.

A violência dos pais sobre os filhos também uma violência doméstica mas de consequências menos graves, menos mediática, mais psicológica. Tem a sua génese, tal como a violência de género, na frustração de expectativas. Frequente nos jovens a quem os pais disponibilizam tudo, desde bens materiais às liberdades que a juventude anseia, coisas a que eles respondem com prestações medíocres, sobretudo as académicas. E se há pais que se resignam e ultrapassam o seu pesar com um reconfortante “fiz a minha parte, espero que seja feliz” dito em murmúrio, outros não. Estes depositam no filho expectativas altíssimas e esperam, com ele, envaidecer-se, causar invejas, fazer dele uma espécie de arma de arremesso social. Não aguentam a frustração de ver desmoronar todos estes “castelos no ar” e também não percebem a falta de reconhecimento por tudo quanto deram. “Eu que me sacrifiquei tanto, que fiz tantas privações, que lhe dei tudo ainda antes de os outros sonharem ter e ele não é capaz de passar num exame? Vais ver o que lhe acontece.” Então surgem as sanções e era vulgar, outrora, ouvir pais ameaçar os filhos com a pior delas, uma espécie de degredo social materializado desta forma: “vais servir para um gado” ou “vais já para as obras”. Hoje isso não é possível e ainda bem. Uma coisa é a retirada de regalias, outra é a humilhante despromoção social. Hoje as piores sanções ficam-se pela privação do telemóvel, do computador, da mesada e das saídas à noite. Mas muitas vezes servidas com algumas lambadas.

Que é que se passou na Academia de Alcochete? Um grupo de jovens Sportinguistas foram à Academia de Alcochete, que é a Academia do Sporting, intimidar os jogadores como resposta às más prestações destes. A coisa correu mal. Houve umas lambadas e hoje há dezenas de arguidos que vão a julgamento acusados de terrorismo. Deixando de lado o enquadramento legal do acontecimento, por manifesta incompetência da minha parte, não deixarei, no entanto, de manifestar algumas perplexidades que a condução do processo me suscitam. A saber: 1.º o Juiz de instrução do processo ser o mesmo que indiciou os arguidos do crime de terrorismo e os colocou em prisão preventiva. “Não é contrário à Lei” diz a Relação de Lisboa. É verdade, mas bem não fica. Um Juiz que indicia um arguido pela prática de um crime e o coloca em prisão preventiva naturalmente, se for Juiz de instrução desse processo, mantém a acusação caso contrário estaria a contestar as suas próprias decisões. Não me parece ser a pessoa mais indicada para apreciar a opinião do 1.º Juiz (que foi ele mesmo);

2.º a televisão mostrou uma Procuradora a fazer um interrogatório. Não era um interrogatório mas antes um libelo acusatório. Não gostei de ver tanta presunção de verdade.

Se o enquadramento legal está a gerar controvérsia já o enquadramento sociológico é bem mais consensual. Assim: um grupo de adeptos frustrados, agastados, revoltados com a prestação da equipa dirigem-se a Alcochete numa manifestação de força intimidatória pensando assim dirimir o défice desportivo da equipa. E até acredito que tivesse havido o beneplácito de alguns dirigentes que podia ter sido desta forma: “ide lá e pregai-lhe um cagaço de morte a ver se os pomos a jogar como é devido”. Eles foram, pregaram-lhe o susto mas depois a coisa descontrolou-se. Ou porque os jogadores, feridos na sua dignidade, se tivessem encristado ou porque algum energúmeno, daqueles que estão sempre à boleia de grupos para fazer selvajarias como aquele que atirava tochas para debaixo dos carros (mas também se viu outro elemento do grupo a retirá-las), agiu por conta própria. De qualquer forma penso que o objectivo era pregar um susto e não bater, senão tinham-nas levado todos. Não pretendo com isto branquear a actuação dos adeptos do Sporting, mas não aceito a acusação de terrorismo que sobre eles impende. Por várias razões: 1.ª – um grupo terrorista não se forma “ad hoc” nem reage primariamente a qualquer acontecimento. Se o Sporting tivesse ganho o último jogo nada disto teria acontecido. 2.ª – um grupo terrorista é um grupo homogéneo, com objectivos bem definidos e com um estratégia de actuação onde todos sabem bem qual é o seu papel para atingir esse mesmo objectivo. Ora o filme mostra-nos um adepto a atirar tochas para debaixo dos carros e outro adepto a retirá-las. Não estou pois a ver a analogia com um grupo terrorista pois não me consta que haja algum grupo terrorista onde um elemento põe bombas para outro as retirar. Resumindo, acho a acusação de terrorismo perfeitamente absurda e oxalá nunca a realidade nos mostre as diferenças entre este grupo e um grupo terrorista.

Tal como o pai que deu o que pôde ao filho para que este fosse o melhor também estes adeptos acham que foram dadas todas as condições à equipa para esta ter uma boa prestação. Tal como o filho que não conseguiu passar num exame também o Sporting, apesar de contarem com um treinador caríssimo e um plantel riquíssimo onde figuravam primeiras águas do futebol nacional, não logrou ganhar a equipas autenticamente incipientes. É esta frustração de expectativas que leva o pai a dar umas lambadas ao filho e que levou os adeptos a Alcochete. Por tudo isto mais o facto de todos pertencerem à família Sportinguista e ainda tendo em conta que o local da ocorrência é um sítio onde todos se sentem em casa me leva a concluir que se trata de um caso, claro, de violência doméstica.

 

 

P.S. Escrevo estas linhas numa altura em que o País está à beira de um ataque de nervos. Associações patronais e sindicais do ramo dos transportes não se entendem quanto ao caderno reivindicativo apresentado por estes últimos o que os levou a declarar greve por tempo indeterminado. O que quer dizer que estas duas associações, legais, institucionais, que são parceiros sociais, não têm qualquer escrúpulo em provocar no País o colapso da distribuição ATERRORIZANDO, autenticamente, as populações. Mas, então, o terrorismo vem do lado dos rapazes do Sporting?! Lamento mas não sou capaz de acompanhar este raciocínio.

 

Manuel Vaz Pires