Armando Fernandes

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A estação maluca

O Verão ganhou o apodo de estação maluca porque segundo críticos de olhar acerado, língua afiada, escrita tersa e acutilante, as pessoas ganham comportamentos esquisitos atribuídos às elevadas temperaturas alcançadas nos meses que lhe dão corpo.
Não vou maçar os leitores trazendo em meu auxílio bordões de vária natureza, tonalidades e sonoridades a justificarem o epíteto, o Estio é a estação maluca nos círculos bem pensantes (assim se julgam). Ponto final parágrafo.
Fragmentos de estrídula matricialidade o confirmam, ou pelo menos revestem de veracidade tal juízo relativo a sazão sem juízo. Sem obstáculos à observação a bebedeira desportiva iniciou-se há mais de um mês sendo o futebol o primacial motivo. A verdade manda escrever que desde a Primavera se sucediam as carraspanas clubísticas, o campeonato europeu alargou os efeitos, eufóricos glosamos a humilhação aos chauvinistas franceses, vingamos antigas humilhações, o feito assumiu a coloração de épico acontecimento análogo à batalha de Aljubarrota. Vale a pena ler o artigo de Eduardo Lourenço acerca do feito.
As senhoras do atletismo também ganharam medalhas e logo lacrimejaram a comenda de mérito igual à concedida aos futebolistas. Se estivessem mais serenas calavam-se ficando à espera da reacção do Presidente da República. A protestante após receber o penduricalho veio em forma de assim dizer não estar «chateada» com o Professor Marcelo, nem ele com ela. O efeito da caloraça às vezes frita as meninges sem necessidade de sertã e azeite. O eclético Presidente tomou boa nota, não é Lelé da cuca, possui memória de elefante.
As televisões esburgam os ossos de todas as modalidades até ao tutano, na estação maluca baixam as receitas publicitárias, adicionam-lhe o sangue de tragédias e desastres em quantidades a fazerem inveja aos filmes produzidos em Espanha nos idos de sessenta impregnados de sumo de tomate, raparigas carnudas, cobóis empoeirados e pistolas reluzentes. Até a Cláudia Cardinale surgia na pantalha a bambolear os generosos pómulos. No geral do Cine Camões batiam-se pés e soltavam-se alarvidades. Pudera!
A tonta estação no ano presente ao contrário dos passados tem o acicate político das palmatoadas, longe vão os tempos das férias repimpadas da classe mais criticada na sociedade portuguesa, também muito invejada pois potencia narcisismos, mesmo que inócuos. Empunhando a Santa Luzia, a dona Luzia sabia fazê-lo, os homens de Merkel representam mal no folhetim das sanções, expresso em milhentas declarações, algumas despudoradas, mesmo por cá cujo exemplo «maluco» são as de Maria Luís Albuquerque. Ninguém lhe coloca pedras de gelo nas «fontes» da cabeça?
Obviamente, a toleima não é exclusivo da Senhora que devia estar calada durante pelo menos dezoito meses, o período de nojo de Barroso, os já referidos burocratas de Bruxelas também gostam de se divertir período festivaleiro, sisudos recorrem às fábulas de Esopo, atacam Portugal imitando o lobo (não o ibérico) a lamber os beiços e a regougar ao cabrito: se não foste tu, foi o teu pai.
Se meditarmos sobre as declarações dos ditos senhores irritamo-nos, podemos ficar possuídos de loucura (Erasmo de Roterdão) mansa ou furiosa, de qualquer maneira, a maleita não pode tornarmo-nos iguais aos loucos imunes a todo o género de malfeitorias, sofrendo no corpo e no ânimo as consequências da insânia de políticos encerrados na torre do poder.
O filósofo Foucalt deixou-nos fuzilantes considerações relativamente aos doentes mentais e sua vivência durante Idade-Média, só que, felizmente, por um lado já não estamos em tempos medievais, por outro a consciência política evoluiu profundamente, a trilogia liberdade, igualdade e fraternidade o atesta.
A maluquice pode atacar-nos na época calmosa, não pode é privar-nos de senso, bom senso, no sentido de pensarmos nas motivações profundas dos decisores europeus comunitários.
Não podemos ter a sorte do cabrito. Como? Será que os partidos, todos, não conseguem aglutinar esforços no sentido de afugentarmos o predador? A oposição laranja tem de sair do seu labirinto. Se persistir na errância o custo eleitoral subirá desde logo nas autárquicas. Duvidam? No próximo ano também volta a estação doida.

As duas faces

Tal como as moedas o Verão também tem duas faces; a movimentada, eclatamte e afectiva, a negativa, obscena, violenta. As pessoas movimentam-se, até freneticamente, os sentidos recuperam efusões, minoram saudades, desenvolvem pulsões do florir do desejo nuns casos, de a recordação florida dos tempos idos onde as vozes masculinas assumem a condição de aedos. Os que tiveram de emigrar as representam nos dias estivais.
E, no entanto, negativamente, a tal face obscura, representa-se nos dichotes verbais, nas escaramuças jocosas, às vezes nos desforços físicos, já ouvi chamar aos nossos «regressados emigrantes» Mosca de verão. Não, não estou a referir-me a turistas sudarentos, depositantes de lixo, pouco gastadores, autênticas Hordas de sandálias como lhes chamou o famoso escritor Joseph Brodsky, Nobel de 1987.
O mote Mosca de verão levou a senhora licenciada de unhas bem pintadas a enunciar os efeitos da invasão de varejeiras: aumento de preços, confusão no trânsito, gritos nas ruas e cafés, meneios e contorções dos vindos de Franças e Araganças.
Uma rede repleta de palavras a denunciarem antagonismo velhos e relhos numa mistura de Ser por ter no antigamente, esvaído à medida da passagem dos Estios, do ter agora elevar a Ser muitos dos obrigados a pertencerem ao universo da diáspora. Dá trabalho a retirar, uma a uma, cada palavra da rede pesqueira, no entanto, o exercício permite rasgar o véu sorridente de uns e outros à chegada de forma a precavermo-nos contra comentários ao estilo da senhora adversa a moscas, tal como Jaime Gama quando tinha de visitar países africanos na condição de Ministro dos Estrangeiros.
Há tempos rapaz do meu tempo voltou a Bragança ao fim de quarenta anos, tinha a intenção de permanecer oito dias, esteve dois, além de já só conhecer poucas pessoas, ficou agravado, os conhecidos não lhe fizeram vénias, nem lhe afagaram o ego salientando-lhe os seus glosados êxitos. Um pouco à bruta ri-me dos seus pruridos, nem lhe lembrei a frase do não voltes a onde foste feliz, coisas são como são, as mundanidades lustrosas, das chiques estâncias de veraneio, em Bragança tais vanidades valem zero. Rugiu: não volto lá!
É neste ponto que apelido de obsceno e violento o contraste, seja o emigrante analfabeto, seja o letrado, de alta patente militar ou académica, a maioria quando volta à terra carrega o propósito de ser recebida entre nuvens de incenso e mirra, aspergida e perfumada qual rainha de Sabá, por seu turno os dali nunca saídos aguardam exclamações de apreço dada a coragem em terem permanecido, fortes amplexos de louvor, quando não hossanas a quem aguenta nove meses de Inverno e três de Inferno.
A fusão das duas posições é possível quando a inteligência supera a pulsão do despeito, e quando se chega a uma certa idade, nada é mais familiar do que as referências afectivas expressas nas personalidades marcantes, nas figuras singulares, mesmo risíveis, nas ruas, nas praças, nos jardins, nos becos, nas tabernas, nos cafés, nos monumentos, e no…cemitério. Visito sempre o cemitério.
Se a fusão não é conseguida eclodem manifestações violentas titilantes nas respostas mal-humoradas, quando não agressivas, os ajuntamentos potenciam-nas, as reservas e azedumes escoram notícias, agravam males provindos do passado.
A largueza de vistas lastreia a fusão, destroça a desconfiança, importa fruirmos a estação calmosa desvanecendo o nevoeiro derivado dos lúgubres afastamentos, dos desvalimentos de outrora. Por muito sedutoras que sejam outras paragens, a Terra-Mãe vale a aproximação. Que o vinho da saudação eleve os corações, sele as amizades, afaste a ideia de recriminação!

São Pedro

De todas as observações iconográficas perscrutadas pelos meus olhos referentes ao Senhor São Pedro a mais vibrante é a da imagem colocada no altar principal da Igrejinha de Lagarelhos. Já o escrevi e volto a escrever. Sim, formidáveis pintores, escultores, gravadores, estatuários e artistas de igual talante têm-se dedicado a oferecer-nos obras de pasmar sobre o chaveiro, que não porteiro, do Céu. Basta pensar em Grão-Vasco, Carravaggio, El Greco, recordo-me da figura de Pedro em mosaico, sem esquecer toda a emanação do significado do seu nome, pedra, rocha, na monumental Basílica de Roma.
Pois bem, o São Pedro de espessa cabeleira e barba canosas, envergando túnica azul, segurando as chaves, morador no modesto templo da aldeia outrora bem composta de viúvas de vivos (a lacra da emigração na origem), agora de viúvas de mortos (a esperança de vida é diferente), recobre as referências citadas que não as esquecendo padecem de não serem de Lagarelhos. Estou a repetir-me, dirá o leitor. Diz e tem razão.
A razoabilidade no referente a afectos (dixit Professor Marcelo) é cercada, comprimida, em forte amplexo emocional resultante dos dias felizes, despreocupados, de gritante júbilo só esmorecido ao pronunciar a palavra Mãe a dirigir-me à minha saudosa Avó materna. O fragmento da perda surgia e surge inesperadamente a lembrar quão importante é fruir a felicidade do momento, a festa em louvor do Apóstolo despido de honrarias consubstanciada em missa cantada, recitação e primeiras comunhões, procissão, farta e forte refeição agora chamada almoço, bailação até as mães quererem, representava borbulhantes horas da dita felicidade. Horas de felicidade! Essas são minhas. Nem o insaciável fisco consegue retirar-mas.
A dinâmica própria da pontada feliz expressa-se no dia 29 de Junho, aguçada irrompe dias antes a impulsionar textos não em sentido figurado, sim escorados no duplo sentir a enfrentar o esquecimento quantas vezes apaziguador de angústias, desgostos, tramas e pesadelos de olhos bem abertos.
Ora, ao evocar Pedro, pedra perene, o Orago da minha aldeia, a nossa aldeia é sempre a melhor, trago à crista da onda, o Santo, o qual antes de pescar almas pescava peixes (autêntico armador), figura no altar-mor, em patamar secundário revejo o Santo Estevão. O Santo Estevão recamado de cerejas e ginjas era levado na procissão sob os ombros dos «garotos», tocavam os gaiteiros, cantavam esganiçadas as mulheres, roucos os homens ao ritmo do Padre Aurélio.
A festa profana decorria na faceira, depois dos gaiteiros vieram as grafonolas, as rebuçadeiras vendiam guloseimas, os jogos tradicionais ressuscitam bravatas e gabarolices de forças, a estupidez dos despiques dos amorios levava a vislumbres cobiçosos, a suspiros incompreendidos, a olhares gélidos das mães e avós sentinelas.
Este passado «passou», o povo está reduzido a um punhado de residentes, o carácter de novidade seria dizerem-me do regresso efectivo de descendentes dos que partiram há dezenas de anos. Como? Para fazer o quê? Estas interrogações aguçam o delírio de utopistas conhecedores do triste fim das utopias, a retoma populacional no Nordeste não é passível de construção fácil, rápida, do pé para a mão. Tenho insistido na necessidade de pensarmos o futuro daqui a quarenta anos, de olhar à nossa volta, sugiro um passeio até Sória, a leitura sobre o fim de cidades e nações, quanto mais pequenos aglomerados populacionais.
A imigração/emigração desertificou o Nordeste, o seu poder dos votos é fraco, os decisores do litoral concedem-nos a graça de sermos pitorescos, de empregarmos o bô de espanto, de consumirmos toneladas de inveja, de enxotarmos os filhos da terra, não esqueçamos: Santos da terra não fazem milagres.
Tenhamos esperança. Festejemos as Santas e os Santos. Não esqueçam; o São Pedro é o primeiro dos Apóstolos, primeiro Bispo de Roma. Padroeiro de Lagarelhos.
Os de São Pedro de Alcântara, São Pedro da Cadeira, de São Pedro da Cova, São Pedro da Marinha, São Pedro de Moel, São Pedro de Rates, São Pedro dos Serracenos, São Pedro do Sul, de São Pedro Velho, entre muitos outros façam o favor de desculpar, só que no tocante a políticos as agências de rating a Lagarelhos concedem três AAA. Percebem a diferença?

O vermelho

Há semanas recebi uma carta de Tia dada a evocações (sem qualquer indagação espirita), sublinho. Na missiva referia dados concretos, contextos e situações: a minha tenra idade, visita protocolar à avó paterna, ser louro, ter olhos azuis e envergar ou vestir um sobretudo vermelho no dia da apresentação.
O louro fugiu aos nove anos, agora esvoaço farripas canosas mal distribuídas, mantenho os olhos azuis, do sobretudo não guardo recordação, a cor vermelha sempre me fascinou, muito antes do benfiquismo iniciado na primeira adolescência, solidificado no decorrer da hegemonia azul Andrade, não do Belenenses.
O gostar do vermelho não impede de ganhar prazer perscrutando cromatismo de múltiplas tonalidades, em tempos congeminei a alacridade das cores encerrada num Museu ou Centro de Arte na bragançana cidade, logo desvanecida ao ouvir e ler grotescas inconsiderações contra tais casas de cultura, fazendo lembrar os patibulares sempre atreitos a desenfunarem a pistola mal ouviam a palavra CULTURA.
Seria estuporada estopada alinhar palavras relativas às múltiplas representações do vermelho na várias áreas artísticas, astrologia, religião, psicologia, guerra, música, literatura, gastronomia, bruxaria, farmacopeia e tutti-quanti, a Internet está ao alcance da mão, abundam textos a borbulharem no ciberespaço puros e impuros a glosarem o vermelho, o encarnado, o escarlate.
A afeição à cor vermelha foi-se-me aninhando na vivacidade paisagística, as papoilas no meio das searas, nas veredas dos caminhos, depois saltitantes a tremularem nos olhos ao ouvir o tenor Luís Piçarra, na voluptuosidade do hoje esquecido livro O Vermelho e o Negro, nos filmes exibidos no desaparecido Cine-Camões, as sagas revolucionárias, no sangue simbolizado na nossa bandeira na companhia do verde, outras das cores aditivas primárias de luz, a terceira é o azul.
A representação abrasiva do vermelho não é só o somatório de bem-aventuranças, de êxtases sonâmbulos e suculências gustativas (pensemos nas carnes vermelhas), também abrange a face sangrenta da guerra, dos massacres, dos grandes medos.
Por assim ser o comerciante Sr. Poças não apreciava chamarem-lhe vermelho (era ruivo assanhado), ele sabia que o apodo no consulado salazarista significava, pelo menos, reviralhista, logo suspeito aos olhos dos próceres do Estado Novo e asseclas. Nessa altura quem fosse apanhado a ler ou sobraçar a Seara Vermelha ganhava uma cruz vermelha na ficha policial encimada por uma foto aumentada copiada do Bilhete de Identidade. Se duvidarem consultem os Arquivos.
A minha partitura literária escorada no vermelho integra a Letra Escarlate de N. Haowthorne, também hoje na obscuridade, de leitura intensa a figura principal – a infiel casada – é obrigada a usar roupa com a letra A de adúltera bordada na roupa. Em 2013, estive em Salém, redondezas de Boston, é uma cidade pequena, cuja economia assenta nos capitais culturais convertidos em indústrias criativas.
A localidade tornou-se tristemente célebre pelo horrendo processo de acusação a diversas mulheres e homens praticarem actos de bruxaria, torturadas e executadas são símbolo da ignorância e superstição transformadas em dor e morte.
A costa onde se situa Salém recebia frequentes ataques dos piratas, quando capturados a pena mínima era o enforcamento. Pois bem, as bruxas que não o eram e os piratas que eram são miolo de museus, centros de arte e exposição, até de artes culinárias, passando por múltiplas representações ao longo de todo o ano. Todos os bens culturais funcionam harmoniosamente, as múltiplas nótulas da herança cultural fazem-se sentir, não por acaso no centro o hotel mais significativo tem o nome do livro: Letra Escarlate.
Trouxe o vermelho à colação porque este ano o verde esperançou muitos saudosos de títulos, debalde, e o azul do dragão, bicho mítico, exasperou outros tantos, entre os quais o meu excelente amigo Adalberto Castro.
Perfilei nomes em redor do vermelho, podia ser à volta de Bragança, sempre na constante rebeldia contra o acomodamento, sempre no sustentar a ideia de Bragança ter de ser uma realidade palpável e central no Interior do País, não apenas uma realidade objectiva.
Armando Fernandes
PS. Pediram-me para comentar a opinião de José Cid acerca dos transmontanos. Não se gasta energias com o erro. Ele é um Belo exemplo de fealdade.

Bilhete-Postal

Vindos de Espanha atravessámos Bragança rumo ao Ribatejo. Seria mácula persistente não estacionar na cidade de modo a dois acompanhantes vislumbrarem três ou quatro referências marcantes, dando azo à fixação de imagens na memória e nos instrumentos de fixação tão bem enunciados pela Susan Sontag.
É, que, esses companheiros de viagem possuíam uma vaga ideia de Bragança baseada em lugares-comuns dentro da linha do Anatómico Jocoso, e mais não digo neste bilhete-postal.
Fomos ao Centro de Arte Contemporânea, depois de encaminhar os visitantes fui à cafetaria, a sempre amável Dona Lili recebeu-me afectuosamente, pedi-lhe para não se esquecer dos doces e lambiscos brigantinos no «cardápio», enquanto bebia água engarrafada observei crianças a brincarem no espaço relvado, pais a cuidarem, a lerem. Muito bem.
Não podia esquecer o Museu Abade Baçal. Uma Senhora sorridente recebe-nos simpaticamente. Os apressados viajantes vão observar as colecções, fico no átrio a contemplar fotografias evocativas do Senhor Abade e dilectos Amigos. A Sontag teria escrito palavras prenhas de alacridade ante tais visões.
Lavados os olhos pergunto à Senhora se posso ver e comprar publicações referentes ao Museu, baixa os olhos, quase em murmúrio diz-me não existirem. Folheio uma exposta. Está esgotada. Vejo outras relativas a Museus de terras vizinhas, durienses. Pois, o Douro!
Pergunto à funcionária pelas actas ou relatos impressos dos ditos falados no decorrer das rememorações ocorridas em 2015, salientadoras dos cento e cinquenta anos do nascimento do cidadão Francisco Manuel Alves. Não existiam!
Passei ao jardim contíguo de tão gratas recordações, pisei a relva na intenção de saber a identidade das árvores crescidas e dos arbustos, anonimato total.
Porque reputo de vital conhecermos as raízes da nossa ancestralidade, levei-os ao Castelo, o adiantado da hora não permitiu franquearmos as portas do Museu Militar e do Museu da Máscara, permitiu isso sim contemplarmos o Pelourinho, a Igreja de Santa Maria, a Domus, lavar os olhos a observarmos o refulgente cromatismo de lonjuras e proximidades. Circunscrevendo tudo quanto as muralhas encerram expliquei as razões de Dom Álvaro Cunqueiro ao comparar Bragança a Sedan. O viajado galego, notável gourmet, dono de escrita divertida, orgulhoso do seu galeguismo sempre se distanciou do chauvinismo pateta a impedir o reconhecimento de outras gentes e outras terras. Dadas as explicações zarpei satisfeito, tinha cumprido o meu dever.
No dia 16 deste mês voltei a Bragança, nova passagem meteórica, ainda assim ganhei prazer a saberes trocando opiniões sobre a cidade do nosso enlevo com dois cidadãos atentos conhecedores das realidades locais, atentos aos desafios soprados de outros lados especialistas no ganho em todos os tabuleiros.
À noite, o Alberto (Beto) Fernandes explicou-me a diferença entre trabalhar com um motor e ser seu dono, revelou aguçado entendimento sobre o acessório e o essencial no tocante à afirmação bragançana no confronto ou competição entre as cidades da Região e do Norte. Aprendi, mais sedimentei a convicção de não ser do Norte, sim Transmontano, do Nordeste, da Terra Fria (o que faz toda a diferença).

Amândio & Teófilo

Em sucessivos e vigorosos editoriais o Director deste jornal tem sublinhado a contínua destruição da anima nordestina, clamando pela união das forças interiores no intuito do barramento das águas da normalização rafeira, do atrofiamento dos activos existentes.
Outros articulistas do jornal não se perdem em divagações inúteis relativamente a tão momentoso como velho problema, podemos discordar deste ou daquele pormenor, mas no essencial, o palpável é a defesa do nosso terrunho. O Manuel Vaz Pires escreveu sobre as oportunidades perdidas, eu vou tentar trazer ao de cima virtudes e sabedorias que personifico em Amândio & Teófilo, os dois naturais de Lagarelhos, Vinais.
O primeiro durante largos anos concedeu primazia à execução de trabalho em madeira, não se coibindo de conceber artefactos artesanais (o seu technikos já englobava maquinaria), passada essa fase retomou as práticas ancestrais do cultivo da terra e, num quase acento bíblico. possui um rebanho de sessenta ovelhas.
A multiplicidade de tarefas não o impede de ser a força motriz da Associação Cultural da aldeia daí numa recente troca de jubilosas palavras, enquanto atendia o telemóvel espetou-me: tu que estás mais enfarinhado nessas coisas tens de nos ajudar a encontrar ajudas…
A sensatez dele leva-o a procurar o aglutinamento de esforços no sentido de forma a sua boa vontade não passar disso mesmo.
O Teófilo possui uma empresa de prestação de serviços na área da construção civil, cuja especialização é a de tornar as habitações quentes nos longos Invernos e frescas no Verão. Se recuarmos cinquenta anos surge-nos a lembrança das casas frias, desconfortáveis, de paredes, tabiques e tábuas separadoras dos animais, impregnadas de sujidade apesar da constante actividade dos vassouros, pois as vassouras de piaçaba custavam escudos não existentes nos bolsos das gentes.
Pois bem, o Teófilo consegue a proeza de participar e acompanhar trabalhos de toda a ordem, atender telefonemas, manejar o computador, empenhar-se no arranjo das terras e consequentes labores dai decorrentes. Se for necessário ajuda os vizinhos, poda árvores e ceifa ervas.
Um e o outro participam nas efusivas manifestações de convivialidade. Não se lamuriam, sorriem à vida, a todos, choram quando têm de corar. Corações ao alto!
Os exemplos acima referidos multiplicam-se por todas as aldeias do Nordeste numa persistente manifestação de vitalidade, de saberes empíricos acumulados, de manifestações às vezes residuais é certo de raízes patrimoniais de relevo simbólico e argúcia (repare-se no termo enfarinhado a significar conhecimento/conhecimentos) que além podem (devem) ser lastro auxiliador da recuperação das ditas oportunidades perdidas. Neste pormenor recordo o clássico livro de Peter Lasket O Mundo Que Nós Perdemos.
Nós vivemos tempos difíceis, nós estamos encurralados, as vivências dos Amândios e dos Teófilos podem parecer simplicidades ridículas, não são, eles, apesar de todos os constrangimentos exalam confiança neles próprios, revelam um assumido orgulho naquilo que somos, sem nunca terem lido a Arte de Ser Português agem dentro dos parâmetros de conhecerem intimamente tal arte. E conhecem.
Nós não podemos dar ao luxo de desperdiçar as suas incorporações, não vou dizer como as podemos conservar, digo ser possível coloca-las ao serviço do desenvolvimento do Nordeste na categoria de vigamentos estruturantes.
Os escritos publicados no Nordeste Informativo relativos à província transmontana podem enunciar azedume, angústia, desespero, enfado, desconfiança, até ciúmes, mas mal andam os senhores do mando se não lhes prestarem atenção. Especialmente os apóstolos da regionalização.
Termino a perguntar: como será o Nordeste em 2040?
O futuro prepara-se a tempo e horas.

Malefícios do Telemóvel

A Senhora Professora usava um telemóvel descartável no exercício de trabalhos chantagistas sob o pretexto de divulgar naifadas (desculpem o termo, mais a mais quando a executante é uma educadora) nos matrimónios dos prevaricadores amigos da mulher do próximo, também do homem da próxima, no futuro não sei como irei escrever após a entrada em vigor do cartão da cidadania.
A expedita pedagoga não era gaga a pensar e a escrever mensagens ameaçadoras, evadia-se da obrigação de falar no fito de fintar o desmascaramento, no intuito de não secar a fonte de rendimento obtida através da coscuvilhice pródiga no disse que disse, no dar continuidade através de novas técnicas de comunicação de valor acrescentado. Longe vão os tempos das falas sobre a vida alheia acobertadas debaixo do rótulo – de mulheres de soalheiro – alegre e soezmente comparticipadas pelos homens.
O sórdido episódio das tentativas de extorsão levaram-me a rememorar o ouvido nos ajuntamentos de pessoas pouco atentas aos efeitos de faladuras em alta voz obrigando a todos em seu redor ficarem a saber de incompatibilidades e debilidades de toda a ordem.
A necessidade de atenuar a erosão do ver, olhar e perscrutar leva-me a frequentar uma Clínica Oftalmológica onde pontifica o renomado oftalmologista António Sampaio. Este ilustre especialista reconhecido além-fronteiras, bragançano de gema, é neto e sobrinho de conhecidos médicos no território do Nordeste (Moreira Pires), além de não poupar esforços e cuidados no tratamento dos afectados irradia jovialidade, ainda mias acentuada quando salienta a sua ancestralidade bragança e transmontana.
Ora, há tempos, no decorrer de uma observação disse-lhe da minha intenção em escrever uma crónica a glosar pontos picarescos e jocosos das audições enquanto aguardo a vez de ser atendido. Alargou profundo sorriso.
A intenção ficou retida na bolsa da memória furtando-se à prisão devido à rocambolesca actividade da docente de Vila Real. Não vou desvendar nenhum segredo, esmiuçar negócios tratados, mentiras gordas e magras, luxuriosas e piedosas, seria impróprio, além de mau imitador das ditas cujas mulheres de ouve, conta, reconta e acrescenta, no entanto, asseguro a quem ler este escrito quão perigoso é tagarelar utilizando o extraordinário invento. Pior se forem adicionadas fotografias.
Certamente, o leitor já deu conta da sua tendência em elevar a voz quando entabula conversações longe dos interlocutores, as representações da voz – entonações e intonações – acentuam os graves e os agudos levando à saída da neutralidade, podendo resultar da imprevidência graves prejuízos a quem prevarica.
Todos conhecemos casos a confirmarem o acima referido, nos antigos centros de soalheiro e nos cantinhos do inferno às vezes aconteciam cenas de afrontamento físico envolvendo unhadas, puxões da rêpas, alarido recheado de palavrões, agora a sofisticação conduz a pagamentos forçados, vinganças e divórcios.
O prodigioso avanço da ciência e da técnica levaram ao esventrar de confidências sussurradas, a movimentação dos lábios desvenda o dito, entrar nos computadores e deles «sacar» o desejado é uma brincadeira de crianças, por assim ser estamos tramados.
A linguagem gestual mercê dos trabalhos de um ilustre cristão-novo Nordestino é reserva de polichinelo, as trocas de olhares espelham maquinações, pessoalmente, resta-me a escrita modelo encadeado. Às vezes tento, só que, passados uns dias não consigo decifrar o emaranhado. Recorro à minha mulher que também é paleógrafa. Ficam escarrapachados os íntimos sentimentos dando azo a obrigatórias e esponjosas explicações. Uma catrefada de palavras!
Preclaros leitores: todo o cuidado é pouco. Estou a treinar o método de comunicar através dos dedos. Lembram-se das significações? Façam o favor de não serem maliciosos!

No dia 24 de Abril de 1974

Nesse dia as mulheres ainda usavam panos higiénicos para susterem a menstruação, os soldados pintados quais lagartos ao sol carregavam sacos de lona verde onde levavam os pertences rumo às colónias no fito de defenderem a Pátria envolvida numa guerra contra a evidência histórica. O sangue menstrual fluxo de vida estancava-se em felpos, o sangue da mocidade derramava-se nas matas africanas. Por lá andei durante vinte e sete meses.

A fuga ao cumprimento do serviço militar dava réditos aos passadores também a ganharem dinheiro na condição de vampiros de todos quantos viam na emigração a escapatória de um viver iníquo, sem sentido, sem esperança. Pensem nos refugiados à procura da Europa.

Pensem, igualmente, na existência da PIDE/DGS, da Legião, do Tarrafal, do Forte de Peniche, na continuada aplicação de miserável lei de «segurança de Estado» vinda da mente e caneta de bragançano ministro de Salazar durante dez anos. Manda a História encasquetar na memória tais vergonhas, porque os carrilhões do tempo levam ao esquecimento, já os carrilhões dos templos inebriam-nos enquanto os sons perduram. Não podemos esquecer!

No dia 24 de Abril de 1974 a maioria da população não acedia facilmente ao tratamento de toda a sorte de enfermidades, nalgumas regiões o pé descalço calejado mostrava-se durante todo o ano, nas feiras de todo o Nordeste vendiam-se botas cardadas, sapatos de sola de amieiro, socas, xailes, lenços ramalhudos e floridos destinados a cobrirem a cabeça das mulheres, as viúvas usavam lenços e roupa preta. Lembram-se?

O trabalho infantil escorava-se nos adágios moralizantes a desculparem a nefanda exploração das crianças impedindo-as de ler, jogar e brincar, impelindo-as à infelicidade, à doença e à morte. Sabem qual era a taxa de mortalidade infantil?

A educação formal contemplava escassa minoria, muitos adolescentes dotados não prosseguiam os estudos derivado de os meios por um lado serem insuficientes, por outro o funil da representação social colocava-os na balsa dos destinados a viverem e morrerem gastando colarinhos de ganga azul, os engomados, brancos, azuis e beijes de popelina reservavam-se a estratificada elite.

Sim, os rapazes capitães estavam famintos de paz, sabiam da inutilidade de uma guerra contra os ventos da História, estudavam os novos mapas geográficos, viam ao vivo as contradições insanáveis de um sistema condenado a cruel finitude. E, vieram declará-lo no emblemático Terreiro do Paço. Ganharam, os caducos generais e restante brigada do reumático pontificava a leste da realidade.

Após a euforia (bebedeira de liberdade) vieram à tona da água as contradições, praticaram-se desmando, erros, aleivosias, disparates, atentados ao direito de expressão de pensamento e posse da terra, é verdade, ninguém as coloca no monte do esquecimento, tal como livremente apontamos as distorções existentes a todos os níveis, em todos os nichos da sociedade.

Passados quarenta e dois anos os resmungos, as indignações, as sulfurosas comparações fazem parte do nosso presente, tais manifestações de incertezas e certezas não estão sujeitas a receberem cacetadas das forças da «ordem», nem os seus promotores acabam presos. Façam o favor de recordar.

Longe da lamechice pindérica todos os anos a memória aviva tão importante data, tal como sei o significante do tratado de Zamora, a batalha de Aljubarrota e o 1.º de Dezembro de 1640, aos «capitães de Abril» reitero a gratidão (sentimento muito arredio) de terem ousado devolverem-nos a possibilidade de escolhermos os nossos governantes, de errarmos nas escolhas, de gritarmos nas ruas a nossa filiação partidária, de nas mesmas ruas afirmarmos a desvinculação a um qualquer partido.

Não levem a mal, a gratidão personifico-a em Fernando Salgueiro Maia paradigma do desprendimento material, generoso até ao tutano, o qual me deu a honra de pertencer ao seu círculo de amigos.

Não grito, escrevo: 25 de Abril sempre!

Chateados e Inseguros

Este jornal noticiou o temor das pessoas ante o crescendo de assaltos na cidade de Bragança. Cumpriu o seu dever. Na sequência reuniu o Conselho Municipal de Segurança, o qual concluiu (como se esperava) ser Bragança “segura”, as aspas significam o no seu todo a velha urbe não estar ameaçada por gangs, quadrilhas de carteiristas, desalmados faquistas, estripadores nos dias de nevoeiro, além de fantasmas à meia-noite porque a iluminação eléctrica os ter dissipado.
No entanto, no miolo e periferia da cidade as pessoas idosas e mais débeis, os proprietários de lojas sofrem no espírito, na carne e na propriedade os efeitos do talento dos amigos do alheio. Os jornais não inventam, os relatos dos prejudicados escoram-se nos prejuízos recebidos.
Segundo o Nordeste desfraldaram-se estatísticas a sufragarem as garantias das autoridades, todos conhecemos a historieta do copo de água meio cheio e meio vazio, mutatis mutandis dos dois frangos deglutidos por um rapaz cheio de apetite na companhia de outro rapazão. A estatística informa a percentagem per capita ser a de um frango por cabeça.
Não vou tecer considerações acerca do conceito de segurança e os seus diversos patamares, não possuo os conhecimentos do Engenheiro Ângelo Correia o qual recentemente defendeu brilhantemente a sua tese de doutoramento sobre o tema, muito menos de Severiano Teixeira ilustre professor da matéria, da sociedade civil saliento os dois, da militar, felizmente, nos três ramos das Forças Armadas existem distintos e notáveis oficiais sumidades na matéria, os bragançanos distinguem-se pelo menos desde o tempo de General João de Deus Pinheiro. O «meu João» dizia orgulhoso o sogro, o tarimbeiro Capitão Ferreira.
Não teço teorias no que tange à doutrina em causa, limito-me a comentar as palavras lidas no Nordeste, especialmente as infelizes e deploráveis (na minha opinião) proferidas pelo Sr. Amândio Correia, comandante da PSP do burgo brigantino. O Senhor brune os assaltos como não sendo um problema de segurança, realmente as instituições não estão ameaçadas, não existem nichos territoriais onde nem de dia as pessoas se atrevem a percorrer ou bairros onde a polícia não entra. No geral é segura, no particular existem pontos focais a causarem apreensão a cidadãos de todos os quilates. Mas o Comandante da polícia atreve-se a dizer: ”Se eu fosse assaltado, se eu fosse vítima de roubo, se eu tivesse um estabelecimento e chegasse lá e visse a porta arrombada ficava chateado, como é evidente, compreendo a situação das pessoas que são vítimas de crime mas isso, em termos pessoais, em termos de segurança não constitui um problema.”
Estas afirmações são lapidares, por um lado são a prova provada da existência de razões de temor e tremor por parte dos indefesos, por outro a noção sobranceira de segurança geral, quando a PSP é organismo de segurança pública. Indefiro a vontade de trazer a terreiro luz acerca da etimologia da palavra pública; rejeito o desejo de estabelecer a sua ligação com o povo, atenho-me a defender o conceito de a PSP ter como primacial função proteger e auxiliar as populações no geral e cada indivíduo em particular.
O sacudir as mágoas dos afectados no balde dos cateados porque os números dizem per diminuído a criminalidade apenas indicia o sabido em termos gerais, grande número de assaltados ou objecto de danos nas suas propriedades móveis e imóveis não se queixam, porque fazer a queixa é uma maçada, e…não vale a pena. Testemunhos do atrás afirmado não faltam.
O engordar a convicção do «não valer a pena» aumenta o receio a levar ao afoitamento da defesa própria, do salve-se quem puder, do desânimo da vítima ao sentir no âmago a inutilidade da queixa. Por assim ser, de vez em quando, fala-se na lei de Lynch, alguns fazem justiça (?) pelas próprias mãos. Há dias um homem de setenta anos objecto de assalto à sua casa e agressão à mulher ferrou um tiro de caçadeira no larápio. Matou-o. Muitos aplaudiram a desenvoltura do mancebo septuagenário.
O Senhor Amândio Correia está seguro, logo não se chateia, assim continue quando passar ao estado de reserva e reforma. Os outros vão-se chateando e pagando impostos. O crescendo da idade avançada leva a os contribuintes terem como especiais preocupações a segurança e assistência sanitária. É elementar!

PS. A passividade, o relaxamento e burocracia contribuíram para a tragédia de Bruxelas.
 

Voltaram?

Será que voltaram os comissários políticos? Da leitura de notícias publicadas neste jornal retirei a indicação do seu regresso. Não estou a referir-me a comissários carrascos também exímios no disparo na nuca, tristemente célebres na Guerra Civil de Espanha, tremendos na sinistra eficácia na salamização da Hungria, Checoslováquia e Rom
Enia, sim artifíves da secular prática da indicação de acólitos partidários para ocuparem lugares na administração pública.
O Nordeste deu-nos conta do estilo à «comissário político» de pelo menos um dirigente socialista ter vindo a terreiro assumir a autoria de nomeações, contra nomeações e reconfirmações numa jaculatória de posso, quero e mando.
O estilo é inusitado transformando em parténios os sucessivos responsáveis pela nomeação de centenas de portadores da cédula (falar em cartões neste tempo é perigoso) partidária. Socialistas e sociais-democratas executavam tais taregas quanto mais discretamente melhor, os beneficiados inúmeras vezes borravam a pintura por não resistirem a imitar o autor da boutade – pai sou ministro – ele próprio sátrapa de centenas ou milhares de nomeações.
Eu sei, nós sabemos, do efeito gerado quando os nossos projectos são nicandros (vencedores), trouxe o termo grego à baila no sentido de a natural satisfação se expressar no chamar Nicandro a um filho de forma a nunca esquecer o feito ou quem o praticou. Um homem de Lagarelhos (tinha de ser) colocou o nome de Eusébio ao filho em homenagem so «Pantera Negra», desconheço se o agora cinquentão apreciou a escolha paterna, mas que ficou Eusébio lá isso ficou.
Nesse pressuposto atrevo-me a perguntar a mim mesmo se a sorridente deputada Júlia Rodrigues está ufana do deslumbre do camarada comissário, ou se a Jorge Gomes não veio à mente sonora e vernácula imprecação ao tomar conhecimento da façanha.
Se o amigo de narrar na praça pública o modo de escolher os compinchas tivesse lido (agora é tarde) os clássicos ficava a saber quão astuciosos eram os encarregados da escolha dos colaboradores do chefe, até porque por cada contemplado arranjava-se um insatisfeito e três despeitados, agora o número dos invejosos aumentou imenso.
O desajeitado apparatchik demonstrou não conhecer as regras dos caciques a sério, discretos, mesureiros, sorridentes, matutos, nunca por nunca atreitos a gabanços despudorados, inconvenientes.
Um coronel bragançano, Direito de Morais, após transpor as exigentes provas de acesso ao generalato apressou-se a remeter telegrama à família a dar conta do sucesso, emocionados os parentes falaram, um manteigueiro contratou a banda e esta foi recebê-lo à estação de caminho-de-ferro à chegada do comboio. Tramou-se o coronel.
Com efeito, o seu rival Coronel Machado (Machadinho) logo tratou de fazer-lhe a cama tendo Direito de Morais ficada a ver a banda passar.
A deputada Radegundes (conselheira de combate) não sai ilesa deste infeliz acidente, António Costa acabará por conhecer a toleima efectuada, a tombos com o caso António Lamas murmurará ao modo do jogador de sueca: só me saem duques, menos o de trunfo. O trunfo oferecido à oposição será usado em devido tempo.
Tanto o PS como o PSD têm largo historial na matéria, mas no estilo do fazedor na rua a imitar os picadores de gadanhas não tenho registo, a surpresa é maior dado o progresso na área das tecnologias da informação.
Os leitores farão o favor de ajuizar acerca do filamento primacial deste artigo, tenho o maior respeito pela vossa opinião, a dos visados, seguramente, será negativa. Tenham paciência, quem anda à chuva molha-se, ou dito de outra forma: quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele.