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Fernando Calado

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Notícias da aldeia – ou das eleições autárquicas

Os vizinhos olham para o céu na esperança que o milagre aconteça e a chuva venha dar um sinal de esperança à colheita da castanha que mirra e da azeitona que encolhe à beira da promessa do azeite e da riqueza. Os prados secaram, os rios deixaram de correr e o pastor desanima perante as suas ovelhas que mingam de fome e de sede. É o drama da maior seca dos últimos anos e a esperança do agricultor morre, como morreu o seu pomar, a sua horta o seu poço que nunca tinha secado.
E os vizinhos lá andam na sua velhice, resignados, gemendo e mancando, fazendo novenas, indo à missa, acreditando em Deus, esperando o milagre da chuva redentora. Nos homens já não acreditam, votados ao abandono, à incúria e inaptidão de alguns dirigentes que pela circunstância e o acaso chegaram ao poder. E os factos motivam a descrença na República e na democracia, abrindo as portas a ditaduras de triste memória, pelo desencanto dos cidadãos que se veem impedidos de escolher, de ter voz, de participar nas decisões pela força do voto.
Vejamos o que aconteceu em várias aldeias do concelho de Bragança onde só havia uma lista concorrente à junta de freguesia. Os cidadãos não puderam escolher. Estava tudo decidido como no tempo da ditadura. Desencanto. Falta de trabalho dos dirigentes políticos, falta de respeito pelos cidadãos das aldeias, falta de responsabilidade. Assim, como era previsível, o candidato do partido Socialista perdeu estrondosamente as eleições, pois os eleitores do PS, envergonhados por não terem candidato, votaram, muitos pela primeira vez, nos candidatos da oposição e já que estavam ali votaram também em Hernâni Dias que teve uma grande e merecida vitória. Mas os partidos não são os seus dirigentes de momento, os partidos políticos são uma ideia, um sentir, uma alma de cidadania, um coração que bate, uma abraço, um afeto, uma luta, o estar com o outro, o servir mais do que servir-se. E entendo que o partido Socialista será sempre o grande partido de José Fontana, de Mário Soares e de tantos outros que ainda acreditam “que só se está vencido quando se deixa de lutar”
Vejamos o que aconteceu em Mirandela, com a Júlia Rodrigues, que fez da luta uma bandeira, na herança do seu pai José Rodrigues, de boa memória para a família socialista. A Júlia Rodrigues acreditou, teve derrotas e vitórias, mas sempre acreditou que havia outro caminho e com o afeto que lhe é peculiar, com a proximidade às pessoas, com a entrega à causa pública derrotou António Branco que tem dificuldade em sorrir. E assim o PSD perdeu a Câmara de Mirandela que era o seu grande bastião a nordeste.
Sem dúvida que o protagonismo, no feminino, vai passar de Alfândega da Fé para Mirandela com Júlia Rodrigues.
E foi também esta proximidade com as pessoas, o respeito pelos cidadãos, pelos mais humildes e necessitados que levou o médico Benjamim Rodrigues à Câmara de Macedo de Cavaleiros, Luís Fernandes à Câmara de Vinhais e renovou o mandato ao histórico Fernando Barros, Artur Nunes, Francisco Guimarães e Berta Nunes, tornando o partido Socialista detentor de mais autarquias no distrito.
Sem dúvida, os eleitores do distrito de Bragança souberam distinguir os candidatos que entendem o coração do nordeste, que estão presentes nas alegrias, mas também nas tristezas e sabem amaciar os desgostos como o camponês que obriga as fragas a dar trigo. O Nordeste penalizou, sobretudo aqueles, que não deram um sinal de esperança, aqueles que estão distantes dos eleitores, sendo o caso mais penalizador para o PS, o facto de ter estado bem longe de ganhar a autarquia de Bragança.
No plano interno, naturalmente o partido Socialista do distrito saberá aproveitar as dinâmicas positivas do governo e do partido a nível nacional e apostará na mudança de alguns dirigentes locais, substituindo-os democraticamente em eleições, por gente nova, que estuda, que sente o partido e sabe fazer a ponte de união entre o passado e o presente em prol dos cidadãos, da unidade partidária e da nossa Terra.

Crónica da aldeia a nordeste

Quem regressa à aldeia regressa às rotinas e à nostalgia das memórias. Logo pela manhã é preciso dar de comer às galinhas, aos peixes do tanque, ir passear o cão pelos caminhos desertos cheios de silvas e amoras, alimentar os gatos que perderam os donos, pois também eles são criaturas de Deus, ir à horta, cultivar a terra. Depois vem a conversar com os vizinhos, interpretar os sinais, olhar para o descampado dos montes, onde este ano, não se adivinha chuva, nem nuvem passageira lá par os lados da Senhora da Serra. Dizem os mais velhos que Deus e o Poder os abandonou e alguns partidos já nem fazem listas autárquicas nas freguesias. As juntas de freguesia capitulam paulatinamente. De seguida, para mim que também sou um aldeão, chega a hora da escrita, uma rotina diária. E como vivo cercado de livros tenho horas certas para o estudo, para me preparar, investigar e aprender com os outros que pensaram primeiro, pois nunca se sabe quando teremos que dar o nosso contributo público para bem da república, da autarquia, ou da cidadania.
Na aldeia ainda se ouve o toque das Trindades e das Almas, de tantas almas, pois cada vez somos menos no quotidiano da aldeia onde com regularidade toca o sino a finados. O parque infantil está uma beleza mas faltam as crianças que outrora povoavam a aldeia e jogavam ao fito, ao pião, ao esconde-esconde pelos medeiros, espreitando a cereja, ou a uva madura que se anunciava na frescura das propriedades. Eram tempos de miséria e servidão. Felizmente nas nossas aldeias as pessoas, salvo raras exceções, vivem com dignidade e bem-estar.
Mas as nossas aldeias também se estão a globalizar fruto da televisão e da internet. Soube pelo Facebook que recentemente se realizou a reunião da última Assembleia Municipal de Bragança antes das próximas eleições autárquicas. Fiquei surpreendido com os textos de despedida dos mais experientes deputados municipais do PS, como é o caso, entre outros, de Bruno Veloso, Pedro Rego, Francisco Marcos que se despediam da Assembleia Municipal de Bragança depois de durante 12 anos terem dado o seu melhor em prol do concelho e das suas gentes. Recordei-me que um dia também eu me despedi da Assembleia Municipal satisfeito com o humílimo trabalho que fiz e com saudade dos debates com os deputados da oposição com os quais mantive sempre uma enorme cordialidade que suplantava o ardor do discurso e da defesa das ideias e ideais. Na política não vale tudo.
Mas depois, numa análise mais aturada verifiquei que a larga maioria dos deputados municipais do Partido Socialista poderiam também escrever cartas de despedida, pois não constam da lista de candidatos à próxima Assembleia Municipal de Bragança. Já tinha ficado surpreendido quando Vítor Prada e André Novo foram dispensados, embora tenham desempenhado com mestria e competência o lugar de vereadores. Também não deixa de ser surpreendente que o Dr. Sampaio da Veiga, por quem tenho um elevado respeito e admiração enquanto profissional e humanista seja candidato à presidência da Assembleia Municipal, pois que se saiba não tem tido grandes ligações à atividade municipalista, contudo, pesa em seu favor a reconhecida experiência e mérito na gestão hospitalar.
Por isso, aqui do canto da minha aldeia só posso suspeitar que o Presidente da Distrital Socialista e candidato à Câmara de Bragança, tem uma novíssima estratégia política e partidária, afastando alguns dos velhos militantes, os militantes da colagem dos cartazes pela noite dentro, os militantes que sempre serviram o partido nas bases, ou como dirigentes, os militantes que ainda hoje se emocionam à beira do abraço, quando encontram os seus camaradas e desta vez convida para o combate político outros militantes e independentes revigorados pelo descanso e bem informados pelo estudo, para obterem uma enorme vitória autárquica no concelho de Bragança. Na verdade o Partido Socialista não apresentou listas às juntas de freguesia num número significativo de aldeias. Mas aqui, também já ouvi comentar que os militantes dos partidos que apresentaram listas, sabendo que os seus candidatos aos órgãos autárquicos das freguesias serão sempre eleitos, descurem o ato de votar e isso pode favorecer outros partidos, o que convenhamos é mau de mais para a democracia.
Fico expectante, como um cientista em trabalho de campo para poder confirmar se a estratégia política dos novos dirigentes do Partido Socialista está certa, ou errada se se confirma, ou rejeita a hipótese e isso serão os eleitores que o irão dizer no próximo dia 1 de outubro.

Da política e dos afetos a nordeste

A política é uma ciência com um método e um objeto que se tem vindo a apurar com o devir histórico tendente a uma maior objetividade dentro da epistemologia das ciências humanas e sociais. Contudo, a política assenta primorosamente no sentido prático da “polis”, que tende a cuidar da cidade, da vida do quotidiano, do bem-estar dos cidadãos, privilegiando a moral, os bons costumes e o sentido estético dos espaços. O que quer dizer que a política para além do rigor científico funciona também com um empirismo assumido, dentro dos laços de boa vizinhança, de amizade, de afetos que leva a reconhecer os pares no âmbito do pensamento ideológico e a olhar os outros como adversários políticos. E aqui entram as emoções construídas e solidificadas ao longo de tantos anos em que lado a lado se lutou pelas mesmas ideias e pelos mesmos ideais. A dado passo os partidos políticos criam uma espécie de irmandade que assenta mais na dimensão afetiva do que na racionalidade política.

Longe vai o tempo em que os partidos se reuniam nas suas sedes partidárias, quase diariamente, com paixão, debatendo ideias, consolidando estratégias, às vezes conspirando. Mas havia o sentido da pertença, da participação efetiva na tomada de decisões políticas quer a nível regional, quer a nível nacional.

As eleições autárquicas aproximam-se e assistimos a uma pré campanha morna, sem entusiamo, sem paixão, a luta partidária esmoreceu penosamente para prejuízo da democracia.

Quando Carlos Guerra assumiu legitimante, em eleições democráticas, a liderança do Partido Socialista do distrito de Bragança adivinhavam-se grandes reformas, e pensava-se que o sangue novo da juventude e o entusiasmo de militantes que há algum tempo andavam arredados das lides partidárias trouxesse uma nova dinâmica ao PS. O presidente da distrital do Partido Socialista de Bragança começou por dispensar da comissão política distrital alguns dos “históricos” do PS bragançano, ou seja o núcleo duro do anterior presidente Mota Andrade. E isso poderia contribuir para renovar o partido, arejar as ideias, experimentar novos saberes. E Carlos Guerra continuou a sua saga reformista e em entrevista aos jornais anunciou que ia dispensar, nas próximas autárquicas, os dois vereadores, Vítor Prada e André Novo que tinham dado provas de grande competência e reconhecimento público. Com estas declarações muitos militantes do PS ficaram expectantes em relação aos novos elementos das listas autárquicas que iriam dar força e vigor ao Partido Socialista. Contudo, este entusiamo esmoreceu-se quando constataram que o Partido Socialista, liderado por Carlos Guerra e também candidato à Câmara Municipal, não tem listas de candidatos à junta de freguesia dum número significativo de aldeias do concelho de Bragança, coisa que nunca tinha acontecido na história da democracia pós 25 de abril.

A explicação para esta ocorrência podia passar pelo facto de o meio rural ter cada vez menos gente e pelo facto do PSD estar no poder na Câmara Municipal. Mas temos também que ter em conta que o PS está no poder, com grande pujança, a nível nacional. Por isso, numa análise primária e sem nenhuma consistência científica acho que o que faltou ao PS na constituição das listas foi a relação de afeto com as populações, a relação de amizade que se consolida ao longo de muitos anos. Os militantes de base habituaram-se a serem reconhecidos na amizade, no abraço, na visita à adega, no café na cidade, na consideração por parte dos dirigentes distritais e concelhios. Falhou o conhecimento do latente, do imaginário rural que se reflete, muitas vezes, no que não se diz, mas se sente com o coração à beira dos longos invernos e dos tórridos verões em que se mata o porco, se faz o fumeiro, se vai à missa do galo, se encomendam as almas, se recordam as segadas, as acarrejas, as malhas, as canções dolentes de embalar, se ralha por um palmo de terra e logo se fazem as pazes nas grandes desgraças.

Há coisas que não se aprendem na escola pois só a racionalidade não chega quando as emoções prevalecem e explicam o real.      

Não é saudável que o poder se concentre num único partido, em prol da democracia, por isso, desejamos que o PS reforce o seu empenhamento e entusiasmo no combate autárquico para que em outubro não tenhamos que recordar a antiquíssima saudação dos gladiadores romanos: “Ave César! Os que vão morrer te saúdam!”

Cumpriu-se a trilogia de Bragança

Foram três longos anos a pensar Bragança, as suas gentes, os seus costumes, a sua história, passeando nostalgicamente por uma Bragança antiga, com ruas e becos que já não existem, ou se modernizaram.
Em maio de 2015 saiu o meu primeiro romance intitulado: “O Milagre de Bragança” é uma história de judeus antigos, cristãos novos que contribuíram para o desenvolvimento de Bragança e para o milagre da sede que trouxe riqueza e fama a uma pequena cidade perdida entre montes e o devir da História. É um romance em que se revisitam os hábitos, costumes, crenças e preconceitos duma cidade antiquíssima, o colégio dos jesuítas e as memórias do velho Liceu Nacional de Bragança, com a sua academia e as suas imortais comemorações do 1º de dezembro. “Coimbra em miniatura”.
Em maio de 2016 saiu o contraponto a este primeiro romance: “Quando as mães saíram à rua” que desvela um outro lado de Bragança, mais sombrio, onde se evidencia a longa noite bragançana e se revisita o tão falado caso das “Mães de Bragança”, ou melhor dizendo, o caso de algumas, poucas, esposas de Bragança a quem a revista Time deu voz excessiva e universal.
E finalmente em maio de 2017 e por sugestão do presidente da Câmara de Bragança, Hernâni Dias saiu o romance: “Pão Centeio”. O autarca bragançano sugeriu que depois de dois livros onde a narrativa perpassa pela cidade de Bragança, seria interessante um último romance, fechando a trilogia, sobre a problemática do meio rural do nordeste. E assim foi. O título “Pão Centeio” é justificado por uma personagem do livro: “Ao escritor do futuro exorto que o livro se intitule “Pão centeio”, em memória do pão, cozido no forno de lenha e que matou a fome a tanta gente que procurou a taberna no fim da caminhada. Em memória do pão centeio que ajudou a criar tantos transmontanos, tão valentes, sábios, santos e honrados.”
A narrativa deste romance assenta em três personagens principais. Um pedinte que percorreu todas as aldeias de Bragança, conhecedor do mundo e da vida. Carregava consigo uma estranha loucura e uma lucidez quase profética que assustava, visionando a desumanização e a desertificação das aldeias transmontanas, para logo acrescentar: “O Nordeste tem futuro, por favor não desistam. Não deixem morrer as aldeias tão bonitas da nossa terra. Lembrem-se sempre da Fénix que renasce das cinzas”. Este pedinte misterioso tinha fama de ter sido capitão-de-fragata que enlouqueceu depois dum trágico naufrágio em alto mar, com centenas de mortos. Fez-se ao mundo como pedinte nómada.
Uma outra personagem é um sargento aposentado que regressou à aldeia depois de ter feito a guerra da Índia, de Angola, de Moçambique e da Guiné. Convive com o capitão, entre memórias, mortos de guerra e o princípio da desertificação do nordeste. Dois homens estranhos que carregavam consigo medos antiquíssimos de guerras infindas. Os militares morriam na guerra. E a emigração despovoava as aldeias. Aconteceu o 25 de abril, vieram os “retornados”. O país mudou mas a desertificação das aldeias transmontanas continua e o Poder Central “a assobiar para o lado” como se este drama da morte anunciada do meio rural não existisse. Mas o capitão, todos os dias, ao alvorecer, manda ao sargento formar a 1ª Companhia dos sonhos para que o sonho ainda seja possível.
A terceira personagem é um engenheiro civil que regressa de Angola depois da independência. Filho do taberneiro da aldeia e que se cruza com o capitão e o sargento e vai recolhendo para memória futura o devir da aldeia ao longo do ano: “Capitão, agora não pode ir, tem que me contar todas as memórias da taberna, o que se comia, quem chegava, o que as pessoas faziam à roda do ano! Tem que me contar tudo, Capitão! Já comecei a escrever o nosso livro.”
E assim se fecha um longo trabalho de três anos. A humílima trilogia de Bragança que eu fui capaz de escrever, aqui fica para que os vindouros não se esqueçam. Foram muitos dias, muitas noites pensando Bragança e as suas gentes. Mas valeu a pena. O Nordeste vale a pena.
fnrcalado@gmail.com

Das aparições às visões de Fátima

Faz cem anos que três humílimos pastores, perdidos nas cercanias de Fátima afirmaram, convictos, ter visto numa azinheira, no dia 13 de maio de 1917, uma senhora vestida de branco.
Estas aparições surgem numa época dificílima da História da humanidade em que a primeira grande guerra estava ao rubro e algumas classes sociais temiam as ameaças do comunismo. Esta hierofania, ou seja a manifestação do sagrado em Fátima, surge como um sinal redentor do fim da guerra e da Consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria.
As aparições de Fátima assumem um carisma profético de que é necessário a conversão da humanidade para terminar com o inferno da primeira guerra mundial e de outras guerras, como a segunda guerra e a terceira guerra de que o papa Francisco já fala.
Contudo, as aparições de Fátima foram objeto de múltiplas interpretações para todos os gostos, dentro duma análise teológica espiritual, ou científica.
É bem conhecida a posição do padre Mário de Oliveira que apresenta o “fenómeno” de Fátima como uma construção do “clero de Ourém”. Noutra análise surge o livro de Fina d'Armada e Joaquim Fernandes: "Intervenção extraterrestre em Fátima" que pretende inserir as aparições de Fátima no fenómeno “OVNI”. Muito mais se escreveu sobre Fátima e continuará a escrever.
Mas, independentemente da Fé que cada um possa ter, Fátima é indiscutivelmente o grande santuário mariano. Aqui há uma clara hierofania, um lugar de culto impressionante, com milhões de pessoas que se deslocam. Uns vão a Fátima porque a “Fé move montanhas”, outros pedindo ajuda, ou agradecendo, alguns no âmbito do turismo religioso. Mas uma coisa é certa, Fátima tornou-se no altar do mundo.
Agora, sem dúvida, a Igreja tenta adequar a sua linguagem a uma interpretação mais exata dos fenómenos religiosos, dentro do espírito da teologia e da psicologia. E isto está bem patente na grande entrevista que o jornal Público fez a uma personalidade reconhecida da igreja, o bispo D. Carlos Azevedo, delegado pontifício da Cultura no Vaticano. E o bispo afirma que a igreja tem que falar uma “linguagem exata” e que “Maria não vem do céu por aí abaixo”. Segundo o bispo o que aconteceu em Fátima é que os três pastorinhos tiveram “visões místicas”, proféticas, muito frequentes na História da Igreja como é o caso de São João da Cruz e Santa Teresa de Ávila.  O bispo acrescenta que os fenómenos místicos são espirituais e não físicos e que refletem os arquétipos do vidente relativamente à imagem que se revela e que transmite uma determinada mensagem.
Pelo exposto, a igreja adequa-se ao devir histórico quando procura maior rigor na linguagem o que em nada compromete a grande mensagem de Fátima que pretende a conversão da humanidade dentro deste espírito profético: "se não mudardes, o mal vai vencer"
Assim, o momento que vivemos é verdadeiramente histórico com a vinda do Papa Francisco a Portugal, calçando “as sandálias do pescador” para em Fátima canonizar os pastorinhos, Francisco e Jacinta que em 1917 tiveram o privilégio de ter “visões místicas” que haviam e alterar, significativamente, o rumo da história.

No declinar das ideologias

É aceite por muitos teóricos contemporâneos que a política é pendular, o que significa que as ideologias se sucedem em experiências de eterno retorno, como quem regressa a modelos já anteriormente ensaiados, mas que de novo possam responder aos ideais, ou aos interesses, depois da exaustão e do fracasso dos modelos vigentes.
Contudo, nos nossos dias assistimos ao declinar das ideologias em detrimentos dos clubismos, ou de interesses mais recônditos. Há muito tempo que não assisto, no nosso meio político, a uma ação esclarecedora que reflita, por exemplo, se o pensamento ideológico de Kant, ou de Hegel, entre outros, ainda pode ser uma mais-valia para a consistência do ideário político e dos modelos epistemológicos. Os nossos líderes políticos, então mais interessados em publicitar a vinda dos ministros, ou secretários de estado, para arregimentar multidões, do que no debate das ideias, ou estratégias.
Perante o fracasso de tantas ideologias, assistimos ao capitular da política com consistência, apoiada em ideias e em ideais. Até os velhos comunitarismos se diluem pela força duma cultura de massas que os aproveita, para artificialmente, atrair turistas que se deleitam com os relatos dos habitantes que agem pelo efeito de espelho, reproduzindo o que alguns estudiosos disseram quando teorizavam os comunitarismos. Perante este fracasso ideológico, cada vez mais a estrutura pendular nos leva a refletir na virtualidade dos comunitarismos, onde o individualismo é ultrapassado pela comunidade com os seus valores e sentimentos, onde o eu se dilui na grandiosidade do nós, sem contudo perdermos a liberdade individual. Nesta perspetiva, novamente ganharia sentido uma europa da cultura, dos homens que são capazes de dar consistência ao grande milagre do saber fazer, de dar forma e significado às coisas, em detrimento da europa das mercadorias e da desumanização.
Vivemos apressadamente, não temos tempo para ler, para debater, para a reflexão filosófica. Quase parece que as ideologias chegaram ao seu término. Morre a política, renasce o clubismo de interesses individuais, onde o homem social perde a sua essência e surge uma aberração que é o homem solitário, isolado, sem a dinâmica e os valores do grupo.
E assim, com alguma frequência, no espaço social onde vivemos, somos levados a fazer análises empíricas desta política em crise de ideologias, onde a democracia pode perigar, nesta ingenuidade romântica de apologia aos valores democráticos, faltando-lhe, contudo, a consistência das ideias. Se não vejamos, quanta gente que milita em determinada estrutura partidária será capaz de falar da ideologia que está inerente a esse mesmo partido, ou mais fácil ainda, das diferenças elementares existentes entre o seu partido e o partido do vizinho?
Esta reflexão leva-nos por caminhos ínvios onde muitas vezes a força do caciquismo, de interesses obscuros se sobrepõem à limpidez dos ideais democráticos e humanitários. Também se constata como determinado partido político vence as eleições, numa região, em virtude duma relação de forças intrínsecas à socialização das suas gentes e à conjugação de valores subjetivos, independentemente da defesa que esse partido faça dos interesses das populações. E aqui de novo renasce o clubismo em que um partido político ganha as eleições porque há uma aposta forte nesse partido, independentemente da sua ideologia, ou serviço que presta à comunidade, mas porque sempre foi o nosso partido e os nosso vizinhos, maldosamente, não se hão de rir da derrota das nossas opções partidárias, tal e qual como acontece no futebol.
Não queremos acreditar que chegou ao fim o templo emblemático das ideologias. O tempo do José Fontana, do Sá Carneiro, do Mário Soares, do Freitas do Amaral, ou do Álvaro Cunhal. A política terá que continuar pois a “polis” ainda serve de abrigo à humanidade. E para nosso consolo, resta-nos este fascínio pendular e a esperança que depois da crise, havemos de regressar, finalmente, ao convívio ameno do homem ético e solidário.

O carteiro já não toca duas vezes

Houve um tempo em que a camioneta do correio chegava sempre ao entardecer a muitas aldeias do nordeste. A criançada digladiava-se para conseguir levar as malas da correspondência até à casa onde se fazia a distribuição, em voz alta e na presença de meia aldeia ansiosa de notícias dos familiares e amigos que estavam longe. Em tempo de guerra e de emigração entregavam-se os aerogramas, as cartas, cartas de avião, bilhetes-postais, encomendas, alegrias e tristezas.
A lendária figura do carteiro honrava a sua profissão e a correspondência era sempre entregue aos seus destinatários, mesmo que o endereço estivesse incorreto, ou insuficiente.
Eram tempos difíceis, mas em que os Correios estavam humanizados e os carteiros conheciam as pessoas, lembravam-se do seu rosto, do seu nome e sabiam de vidas e de ausências.
Chegou o código postal e a máxima era bem apelativa no sentido da rapidez e da eficácia. “Código postal, meio caminho andado”.
Mais tarde, chegou a toponímia e os “números de polícia” ao meio rural e em nome da eficiência e da eficácia tudo se complicou. E o carteiro que todos os dias entrega cartas às mesmas pessoas que conhece e com quem fala, devolve correspondência porque o nome da rua não está correto, ou falta o número de polícia, ou o código postal. E isso acontece, não só no nordeste, mas em todo o país. Claro que há honrosas e lúcidas exceções. Talvez sejam ordens superiores que o carteiro tem que cumprir, escrupulosamente, para não se arriscar a perder o seu precário emprego, muitas vezes de contratado. E a carta volta para trás e esteve tão perto. Devem estar a brincar connosco.
Pessoalmente vou quase todos os dias aos CTT de Bragança. As chefias e os funcionários são duma simpatia e eficácia quase heroica, trabalhando para além do que é humanamente aceitável perante o número de utentes que vão à referida estação dos CTT a determinadas horas do dia. Os quatro ou cinco postos de atendimento que estão disponíveis são manifestamente insuficientes para as multidões que com frequência aguardam, pacientemente, a sua vez. E então quando a máquina que disponibiliza as senhas de atendimento avaria, as coisas complicam-se e formam-se filas enormes, intermináveis. Mas o técnico reparador não tem pressa nenhuma e a máquina fica uma semana inteira inoperacional. Os bragançanos são pacientes, pensarão as esclarecidas inteligências lisboetas. Mais uma vez devem estar a brincar connosco. A paciência tem limites.
Depois, a estação dos CTT onde era presumível que se tratasse de assuntos relacionados com a correspondência, foi alargada a outros serviços sociais o que até se compreende, pois facilita a vida aos utentes. Mas o negócio não para e os CTT invadem a atividade dos livreiros e dos banqueiros. Quanto a mim trata-se de uma concorrência desleal, sobretudo no setor dos livros. E mais, na imensidão dos títulos que a estação dos CTT de Bragança disponibiliza não se encontra à venda um único livro dos autores locais. O capitalismo e o lucro impõem-se à divulgação da cultura e da criação literária do distrito. Questões de escala. Sei de escritores da nossa terra, já conhecidos, que pediram por escrito à administração dos CTT que os seus livros fossem vendidos, à consignação, pelo menos na estação de Bragança. A resposta lamechas não se fez esperar agradecendo o contacto, mas tal pedido não se insere na política de vendas dos CTT. Aqui faz todo o sentido chamar o Padre António Vieira, o jesuíta, para de novo ouvir o sermão aos peixes pregado em São Luís do Maranhão: “A primeira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande.”
E assim o nordeste, paulatinamente, vai perdendo serviços, vai perdendo recursos, desumaniza-se, desertifica-se e em breve muitas aldeias fecharão as portas. Por isso, nós, não podemos assistir impávidos e serenos a este drama enorme, imensurável que compromete o futuro. Temos que olhar para além do “nevoeiro” de que nos fala Fernando Pessoa e gritar e agir com convicção: transmontanos “é a hora”.

Foste-me embora

Foste-me embora é o título do meu oitavo livro, editado no passado mês de dezembro, em tempo natalício. É um livro intimista, de memórias, de saudade, de múltiplas perdas afetivas, humanas e materiais. Em jeito de sinopse justifico, em contracapa, a razão de ser deste livro: “Quando perdemos, ficamos sem chão. Mas é preciso falar das coisas, partilhar o sofrimento, amaciar a vida. É preciso ser solidário com aqueles que silenciosamente ainda dizem: - Foste-me embora! É preciso olhar, é preciso ver para além do horizonte da saudade. É preciso. O silêncio mata.
Por isso, aqui ficam estas breves palavras, textos dispersos, tão presentes, como a presença dos que partiram, aqui ficam e partilhamos, solidários, com todos os que perderam alguém na longa noite da partida. E nunca nos esquecemos!
Temos que falar das coisas, serenamente e este é o recado que humildemente deixo a todos aqueles que dolorosamente encostaram a porta e continuam à espera”.
Por isso, este livro foi publicado sem grande divulgação, sem festivos lançamentos, pois é um livro de partidas, de perdas. Contudo, não pude deixar de o escrever como um sinal de preito aos que nos deixaram e de testemunho da precariedade da nossa condição humana.
É uma perda infinda e indescritível quando um filho parte, a meio da noite e para sempre. Também neste livro relembro grandes amigos e grandes vultos da nossa terra e que recentemente se foram embora, silenciosamente, deixando o vazio das grandes ausências, como foi o caso, entre outros, do Padre Telmo Afonso, do Amadeu Ferreira e do Luís Vaz.
Outras perdas pessoais e familiares emergem das páginas deste livro, como gratidão pelo dom da vida.
Também não podia deixar passar em claro, neste “Foste-me embora”, sinais evidentes de outros abandonos, do delapidar do nosso património, da morte anunciada das nossas aldeias, do capitular da nossa cultura regional em detrimento duma avassaladora cultura de massas, da desumanização a que assistimos impávidos e serenos.
Embora simbolicamente, não pude deixar de ir despedir-me da ponte de Remondes, como quem se despede de um amigo, das águas fugidias do Sabor, dos remansos e da viagem sem pressa para os lados de Mogadouro. A velha ponte ficou submersa na barragem que domesticou o Sabor. Um longo funeral se segue, de oliveiras, amendoeiras, vinhas, do buxo, das fragas altaneiras, perdemos as memórias e ficará, somente, um lençol azul, sem passado e não sabemos se com futuro.
E aqui faz todo o sentido recordar o carismático texto do humanista John Donne: “Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”
E enquanto escrevia este texto soube, dolorosamente, que Mário Soares se foi embora, ao entardecer. E aqui não há adjetivos para classificar esta enorme perda do homem que corajosamente deu sentido à dignidade humana e ao valor inigualável da liberdade.
Parece que foi ontem que Mário Soares esteve entre nós, na “presidência aberta”. Parece que ainda ouvimos o bispo de Bragança e Miranda, Dom António Rafael, “malhar” em Mário Soares, nas suas infindas homilias, para mais tarde o receber, em seus braços episcopais, com o epíteto de presidente da Catedral.
Ficamos mais pobres, Portugal fica mais pobre sem Mário Soares. Fica a obra e a mensagem ímpar que é possível viver numa sociedade sem repressões, que é possível viver em igualdade, liberdade e fraternidade.

Prelúdios do natal a nordeste

Todos os anos repetimos gestos, emoções à beira deste natal transmontano. Um natal onde a neve já raramente se faz anunciar na memória do esplendor doutros invernos antiquíssimos em que os lobos desciam ao povoado e os netos se aconchegavam no colo da avó embrulhados no xaile, refúgio de todos os perigos e de todos os males.
Por isso, cá estamos neste prelúdio do natal, do acontecimento que mudou a História, com a diáspora fantástica dos Apóstolos que partiram pelo Mundo desenhando peixes nas encruzilhadas e anunciando que o madeiro onde o Nazareno, nascido em Belém, foi crucificado, se resolveu em Paz, Fraternidade e Amor.
As bases do cristianismo são verdadeiramente simples na sua estrutura formal, mas duma exigência ímpar que impõe ao homem uma mudança de vida, rompendo com os privilégios, e com uma imensidão de religiões vinculadas, profundamente, pelas culturas milenares.
Assim, o nosso natal é o natal possível neste caldo de culturas, de mitos, de lendas, de religiões, de crenças. O nosso natal é também o natal do capitalismo atento ao fenómeno da cultura de massas, reinventando um Pai Natal “presenteiro” que se faz ao mundo na abastança dos presentes, das compras, do consumismo, tudo condimentado com a candura bucólica das renas meigas e serviçais. 
E mesmo neste nordeste transmontano onde o cristianismo se impôs de uma forma definitiva a outras religiões, na altura do natal afloram manifestações ancestrais de outros ritos e outras práticas de iniciação, de apelo à vida e à mudança que se manifestam nos “caretos”, nas Festas iniciáticas dos rapazes, em símbolos que resistiram ao tempo.
A grandeza de um Povo, que tem uma cultura e um património a preservar, é esta capacidade de conciliar, sem conflitos, nem fundamentalismos, o profano e o religioso.
E as grandes considerações sobre a pobreza, os sem-abrigo, os sem Pátria, os famintos, os excluídos, cheiram a falso, porque invariavelmente, nós iremos cumprir todos os rituais do Natal, neste afago quente das “prendinhas” de papel brilhante e laços que fascinaram a nossa infância. E mais uma vez a cultura impõem-se ao religioso, ao fundamento do natal, escrito na pobreza dum estábulo nas cercanias de Belém.
E depois do natal tudo regressa ao mesmo. Os governantes voltarão a visitar o nordeste, fazendo-se anunciar com pompa e circunstâncias, trazendo medidas avulso para promover o desenvolvimento, (crescimento) não entendendo que não há nada a desenvolver se não se tomarem medidas de fundo que travem o verdadeiro problema que é a desertificação. Não há crianças a nordeste, não há futuro. É preciso criar atratividade que traga outras mulheres, outros homens, outras crianças para povoarem o nordeste.
E depois do natal e dos mil e um jantares de natal, tão fraternos e solidários, tudo volta ao quotidiano. E o gestor, o dirigente de nomeação política, de novo se acoutará no conforto do seu gabinete, pago pelo povo e não recebe os cidadãos, pois isso é tarefa menor dos funcionários do guiché. E o povo humilde que vem das aldeias do nordeste não resolve os seus problemas enredados nas teias da burocracia. E como é possível o dirigente ficar impávido e sereno no seu gabinete, em vez de se tornar presente, amigável e resolutivo?! Abrir as portas é o segredo. É por causa de alguns governantes, de alguns dirigentes que o Estado, às vezes, parece uma organização legitimada, vocacionada para complicar, enredar, para fazer mal aos cidadãos.
Admiro-me como os humilhados e ofendidos não saem à rua e gritam às portas de algumas instituições: - Afinal, quem manda aqui?! 
Mas o natal é esperança, é a madrugada dum novo dia, talvez mais feliz, solidário e fraterno. Por isso, temos que agarrar a esperança, nem que seja a última esperança, pelo futuro, pelo nordeste.
Um bom natal para todos.

Este Novembro de todos os Santos

Neste mês de Novembro repetimos as emoções, como se um chamamento vindo da eternidade nos obrigasse a revisitar temas banais, mas, que para nós, são duma infinda importância.
Há pouco chegamos a casa, acendemos a lareira, amiga de mil Invernos. A ruralidade do nosso espaço aldeão é profanada pelo espavento dum computador onde demoradamente escrevemos pedaços de vida, coisas sem importância, ou então, intervenções que em nada mudarão o mundo, mas que pelo menos nos devolvem o sonho de podermos tornar a humanidade um pouco melhor e mais fraterna.
   E nós aqui estamos, à volta com este mês de Novembro, mergulhando na intimidade das nossas recordações, efémeras, vindas dum passado onde a morte era tão-somente um acontecimento que tinha lugar na casa dos outros e levava os idosos para um céu feito de algodão em rama e coisas doces. Um dia, a gata branca foi triturada pela camioneta do correio e pela primeira vez sentimos a morte como um acontecimento injusto e tremendamente trágico. Crescemos e a morte entrou várias vezes em nossa casa deixando este frio de Novembro à beira do escano onde o pai construía mundos no contar de contas fantásticas, mas que terminavam sempre em paz e em beleza. 
Este ano, no dia de todos os Santos, bem cedo, para evitar o choro teatralizado, com frases ouvidas desde sempre e nos chocam, fomos visitar os nossos Santos que repousam em campa rasa no cemitério Bragançano. Os cemitérios são tragicamente taciturnos e o de Bragança encheu desmesuradamente. Um novo cemitério foi construído, igual a quase todos os cemitérios portugueses. Sem dúvida que todos os cemitérios são profundamente tristes, mas poderiam ser mais humanizados, como um jardim, com muita relva, com árvores, com bancos para os vivos repousarem na proximidade e na companhia daqueles que partiram e somente nos deixaram esta solidão enorme.
Continuamos esta romagem a Novembro pelas terras da Lombada onde ainda se acende o magnífico lume de Todos os Santos. Reza-se pelos mortos, o sino toca a finados e no entretém da longa vigia assam-se sardinhas, ou na sua ausência, o frango caseiro e tudo pela alma daqueles que Deus já lá tem.
E já agora, descendo um pouco à terra dos vivos, ouvimos dizer que o Primeiro-ministro, em breve, visitará o Nordeste. Uma boa notícia, pois a sua ausência, por estas terras, já se nota, passado um ano no cargo.
Também o Partido Socialista inaugurou uma nova sede, abandonando o histórico mas decrépito edifício, da Rua Abílio Beça que timidamente ostentou na fachada, durante muitos anos, uma singela placa de acrílico com o logotipo do Partido Socialista. Pois, o PS, abriu uma nova sede, ainda bem, era urgente que tal acontecesse, os tempos mudaram, as dinâmicas são outras. Mas essa sede, na linha dessa nova dinâmica, ostenta uma nova e imponente imagem de marqueting, com uma publicidade partidária bem visível, talvez para contrair algum pessimismo que a crise veio para ficar.
E assim, depois desta duas breves notas, regressamos ao tema da morte que seria tão-somente o absurdo se as Religiões não nos conferissem o dom da fé e a aceitação da transcendência que devolve a dignidade à tragédia do fim.
Mas esta é a nossa contradição, a morte só é verdadeiramente trágica se andar por perto e muitas vezes esquecemos, como por exemplo na Síria, que a morte entrou em quase todas as casas, dizimou famílias inteiras, semeou o caos e a dor. 
E pronto, o lume apagou-se, John Donne está por perto com este recado que nos causa um enorme desassossego: “Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”