Aos ritmos brutais da natureza

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Ter, 03/03/2020 - 00:40


Quando menos se espera a natureza arremete com crueldade sobre o nosso quotidinano, que gostaríamos de encarar como um tempo de prodígios nunca vistos, nas proximidades da terra prometida, onde todas as delícias da vida que nos permitimos desejar estariam ali à mão.
Vivemos na ilusão de que a imortalidade não sendo para já, poderá ser para depois de amanhã, queremos confiar na ciência e na tecnologia, também alimentamos esperanças, provavelmente vãs, de que os seres humanos defenderão com entusiasmo esse ideal nobre que é a humanidade, mais referência que obra feita, apesar dos milénios que nos precederam.
Se estivéssemos atentos talvez não fossemos surpreendidos pelos acasos que, afinal, são tão frequentes que constituem regra constante, expressão de que o que determina o curso do planeta ainda são os desígnios de Saturno, entidade que nos primórdios da nossa civilização era identificada com a crueza que impunha a efemeridade da vida, concessão negada a qualquer momento, como nós também fazemos com as formigas que nos irritam ou, simplesmente, porque o tédio nos conduz o pé para as esmagar.
De facto, para além do mito saturnino, que reconhecemos como expressão notável da intuição inteligente, continuamos numa aventura arriscada, dependendo de sismos, chuvadas, ventanias, marés, trovoadas e, claro, de agentes biológicos e de vírus que, pelos vistos, são forma estranha de ameaça latente, mutante, a rir-se da nossa miséria que queremos iludir, convencendo-nos de que dispomos de condições para nos subtrair à voragem, que tem dado mostras de ser arrasadora.
Certamente poderíamos estar mais confortáveis, senão sobrevalorizássemos o imediato, antes perscrutássemos o presente e o futuro, mobilizando todos os meios de que já dispomos, capazes de, nalguns casos, nos garantir outras capacidade de contenção e de combate eficaz a ameaças de que conhecemos os processos de desenvolvimento. Aí se coloca a questão das prioridades na política e na economia, o confronto com os interesses e a soberba, sempre dedicada à celebração de pírricas vitórias, quando melhor seria, para todos, que se reconhecesse o valor fundamental da solidariedade.
De qualquer forma, a opção não é pelas veredas da negação da realidade, nem pelo descargo de consciência que passa por apontar a esmo putativos responsáveis na política, nas estruturas militares, numa suposta ciência com objectivos malévolos, afinal, descarregando no mau da fita, que estamos habituados a designar demónio, fantasma que serve para nos livrar de responsabilidades.
Não é a primeira nem será a última infecção epidémica deste mundo. Sabemos de verdadeiras catástrofes, mesmo em tempos não muito recuados, que nos deixam temerosos. Mas também temos a obrigação de reconhecer que, à medida que nos aproximamos dos tempos actuais, os efeitos têm vindo a ser controlados, atenuados, limitados porque se conjugaram esforços da ciência e da política, enquadrados por princípios e valores que, embora com dificuldade, têm consolidado o seu papel em grande parte das sociedades organizadas que conhecemos.