Afetos quanto baste

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Quanto vale um afeto? Muito sem sombra de dúvida. Um afeto é sinónimo de bom entendimento, de bem-querer, de pacificação.
Contudo, os afetos não são nem podem ser algo que dá só porque dá jeito ou porque fica bem. Os afetos são demasiado valiosos para se desperdiçarem e os que se dão não se recebem de volta. Talvez um reconhecimento, um acenar de cabeça em sinal de agradecimento.
Claro que há afetos e afetos. Nem todos têm o mesmo peso emocional.  Se o afeto pode significar gostar de alguém, particularmente ou globalmente, o certo é que esse gostar tem cambiantes muito diversos.
O Presidente da República eleito quer que a sua magistratura seja pautada pelos afetos. Tem todo o direito de o fazer e de querer que assim seja. E quem está à espera de os receber, certamente tudo fará para que isso aconteça. Marcelo acabou de abrir as portas a todo um povo que o elegeu e que lhe manifesta muitos afetos, como temos visto nestes primeiros dias do seu exercício. Mas a verdade é que nem todos estão dispostos a fazê-lo. Possivelmente, para esses, os afetos estão demasiado distantes.
Na tomada de posse do Presidente da República, onde estava a fina flor da sociedade portuguesa e alguns representantes estrangeiros, Marcelo foi aplaudido efusivamente mesmo ainda antes de alguém saber o que iria dizer no seu discurso de tomada de posse. Era de bom tom que se aplaudisse o homem, o magistrado, o Presidente e esperar o que ele tinha para dizer a todos os portugueses. Mas a verdade é que a esquerda, aquela que não governa, mas que condiciona e manda no governo do partido socialista, não aplaudiu o presidente. Ainda não sabiam se o que ia dizer lhes agradaria ou não e portanto, na dúvida, ficaria bem aplaudir, até porque senão foi eleito com os votos deles, vai com certeza ser o presidente de todos os portugueses e, desse ponto de vista, ganhariam certamente muitos pontos.
As criticas foram muitas e essa atitude não lhes granjeará muitos afetos e penso que também eles não estarão à espera que isso aconteça, até porque isso será o mote para as criticas que se seguem. Convinha, no entanto, fazer uma introspeção para ver se as merecem ou não.
Para Marcelo, os afetos significam entendimentos e proximidade, mas parece que nem todos são adeptos dos entendimentos e muito menos de proximidade. Em política valem as meias verdades e nem tudo o que parece o é efetivamente. O que vale são os interesses. Esses condicionam tudo e, possivelmente até os afetos.
O esfroço que o agora Presidente Marcelo terá de fazer é enorme e nem ele o terá já sopesado devidamente, sendo embora uma pessoa inteligentíssima. Mas de uma coisa ele tem a certeza: em política nada está resolvido com antecedência. Deste modo, os afetos são simplesmente intenções, boas intenções e só passarão a valer alguma coisa quando com elas conseguir resolver os problemas que se avizinham.
Falar dos problemas que se vivem no bairro do Cerco no Porto e nos pedidos a Marcelo para resolver alguns deles, não é a mesma coisa que falar dos problemas que Marcelo terá de resolver, já que os do bairro do Cerco estão a cargo do presidente do município do Porto e longe de Marcelo. Os dele estão mais perto e estendem-se a um espaço enorme onde muitos presidentes têm igualmente os seus problemas. Cá dentro de portas, são mais problemáticas as situações e vão dar-lhe mais que fazer. E é nessas ocasiões que os afetos podem valer alguma coisa ou não valerem coisa nenhuma.
A verdade é que não se pode espera muito de quem não aceitou a derrota, mas continua a querer mandar em tudo e em todos. E não penso sinceramente que os afetos resolvam esse diferendo. E mesmo que Marcelo continue a dizer que é preferível que o governo dure o seu tempo normal de vigência e eu esteja completamente de acordo com esse pressuposto, o mesmo pode não ser verdade entre os protagonistas do governo e apoiantes parlamentares. Um dos primeiros focos discordantes está em cima da mesa de negociação. O PC e o BE estão contra os apoios aos migrantes e à entrada da Turquia na União Europeia e embora o António Costa fosse dar o apoio do governo português, a verdade é que precisa de aprovação do parlamento e agora o PSD diz que vota contra. A ser assim, será reprovado e o que fará Costa? E será que Marcelo terá de usar a sua influência e todos os seus afetos para sustentar a discordância entre os partidos que apoiam Costa? E senão resultar?
Realmente os afetos têm o peso que têm e nada mais que isso. Será sempre uma boa tentativa a de Marcelo querer manter vivos os afetos e a possibilidade de entendimentos entre todos, mas se fosse assim tão simples, tudo se resolveria da mesma forma. Infelizmente não se resolvem assim. Seja como for, valham-nos os afetos e Marcelo.

Luís Ferreira