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Basta

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Estamos fartos do bombardeamento informativo com que os canais televisivos nos obsequiam nesta quadra do ano. À falta de conteúdos, as televisões dedicam horas a fio aos incêndios com uma metodologia exaustiva que faz lembrar (se não fosse dramático dava para rir) a Ronda pelos Estádios, um programa desportivo da Rádio. E fazem-no com um “voyarismo” doentio, expondo as vítimas a quente, em estado de choque, fora de si, enraivadas com tudo e mesmo assim não se eximem a questioná-los naquela circunstância penosa. Claro que só ouvem disparates que ninguém responde bem naquele estado de espirito. (ninguém é um Habsburgo na sentina) Para quê a pergunta então? É deste “sangue” que as televisões vivem e sentem-se bem. Mas não contentes com isto somam-lhe mesas redondas, debates, entrevistas, inquéritos, estatísticas etc. fazendo-nos sentir o martírio dos incêndios de forma redobrada.
Aqui há uns anos, que isto já vem de longe, por estudos e opiniões credenciadas, foi dado como assente que as imagens televisivas dos incêndios, enquanto espectáculo, trazem ao de cima a piromania que alguns de nós transportam. A outros, as mesmas imagens incentivam-nos na tentativa de conseguir uns momentos de glória (negra) e de reconhecimento público que alguns mentecaptos sempre ambicionam (fieis à velha máxima “o que interessa é que falem de nós, mesmo que falem bem”). Essas conclusões, constou, teriam levado a um acordo de cavalheiros, entre as televisões, no sentido de noticiarem os incêndios (serviço público) mas sem imagens, aceitando o caracter nefastamente indutor das mesmas. Como não vi alterações no figurino noticioso perguntei porquê. Disseram-me que esse acordo era mesmo SÓ para cavalheiros.
Mas isto não é mais que um epifenómeno dum flagelo que assola o País há 40 anos. Coincidindo com o 25 de Abril, não me parece, no entanto, haver qualquer ligação à data. Não obstante ter havido aproveitamento e os fascistas terem sido acusados de fazer política de terra queimada por terem perdido o poder. No ano seguinte foi a vez de acusarem os comunistas de incendiários como retaliação pelo 25 de Novembro. A seguir acusaram-se os madeireiros elegendo as madeiras queimadas, logo mais baratas, como móbil do crime. A não limpeza da mata surge, aos olhos de outros, como responsável por muitos incêndios pois o mato rasteiro, além de entrar em combustão com relativa facilidade, tem um potencial calórico altíssimo. Depois surgiu a acusação à forma precipitada como foram extintos os Guardas Florestais, talvez os únicos homens que sabiam lidar com o fogo na mata, com o consequente descontrole dos incêndios. Veio então a acusação aos pirómanos, aos sedentos de notoriedade, aos vingativos, aos retaliadores (veja-se o caso do individuo que ateou um fogo porque teve uma multa de trânsito).A constituição dessas “quintinhas” que são os coutos de caça e de pesca não são de todo alheias a este processo. O conflito de competências entre as várias estruturas envolvidas, que já levou, até, à troca de “galhardetes” entre altos responsáveis, não ajuda a que se encare o incêndio de uma forma assertiva. E no meio deste barulho todo ao fundo ouve-se um murmúrio, um sussurro acusatório envolvendo todos os que de alguma forma têm actividades directamente ligadas aos incêndios sejam eles bombeiros, pilotos e outros prestadores de serviços, os homens do aluguer e venda de aviões e outras máquinas e ferramentas etc.
Enquanto assistimos a este rol de acusações cruzadas, que não deixa ninguém inocente, o suspeito principal não é sequer mencionado. Sim, o principal suspeito é a mata nacional. Quando aquele a quem Pessoa chamou “o plantador de naus a haver” mandou semear o pinhal do Rei, no que foi precursor da florestação em Portugal, fez a coisa bem feita. O pinhal do Rei está implantado num espaço geográfico com clima de influência atlântica, isto é, temperaturas moderadas e humidade relativa do ar elevada. Quando se florestou o resto do País replicou-se este modelo para zonas de clima Mediterrânico ou de influência continental que são climas muito mais secos e muito mais quentes. Aí é que esteve a asneira. E não só técnica mas também sociológica, como acusou Aquilino. Mas não adiantamos nada em ampliar o rol das acusações. A floresta que temos é esta e temos que a tentar manter minimizando-lhe os danos. E como a coisa não está a correr bem há que repensar a estratégia seja no campo da prevenção, seja na detecção precoce, seja no ataque propriamente dito. No tocante à prevenção além das campanhas de sensibilização, com publicidades agressivas (tipo tabaco), um maior policiamento ou vigilância fazem falta. Não me repugnava nada ver o Exército não a fazer policiamento mas escolher como palco dos seus exercícios pontos sensíveis da Mata Nacional. A simples presença bastaria para inibir o crime de uns ou a negligência de outros. Também a desmatação tem de ser obrigatória em alguns espaços. O que aconteceu na Madeira não pode voltar a acontecer em lado nenhum. Os perímetros urbanos têm de estar perfeitamente desmatados. E já agora um lembrete. Na A1 durante vários Km(s) a mata de pinhal ou eucalipto chegam mesmo às pistas da autoestrada. Ora, quaisquer dois garotos do DAESH com uma caixa de fósforos podem imobilizar o País pelo bloqueamento da sua principal artéria. Isto é que é brincar com o fogo. E está assim à tantos anos…
Não acho no entanto que a limpeza da floresta seja a panaceia para o mal em questão. Não que não ajudasse mas além de não por a zero a probabilidade de ignição tem custos perfeitamente incomportáveis. Torna assim vantajoso assumir o risco.
Mas é a forma como se ataca o incêndio que me levanta mais dúvidas quanto à sua eficácia. Aliás os resultados estão à vista. E não há um repensar da estratégia, um avaliar dos resultados, um discutir dos métodos. Há, isso sim, um pedido constante de aumento de meios. E não é com injeções de capital que se resolve. Repare-se que este ano foi possivelmente o ano em que se gastou mais (não tenho qualquer número mas pelos meios materiais e humanos envolvidos deduzo isso) e no entanto também foi o ano em que ardeu mais (quase). Além disso todos temos presente incêndios autenticamente pavorosos como o de Atenas, o de Nice, aqui na Galiza, na Austrália e sobretudo, sobretudo na Califórnia. Ali, no País mais rico do Mundo, no País da técnica, no País que mais recursos materiais e humanos disponibiliza, os bombeiros deixam, durante vários dias, arder, além das matas, as mansões dos milionários homens de Hollywood, em Beverly Hills, por manifesta incapacidade. Perante isto, a lógica elementar diz-nos que, se os Americanos não conseguem, os Portugueses não conseguirão. Por isso entendo que a floresta não deve ser entendida como um todo mas antes uma série de cantões separados por aceiros bem dimensionados e transitáveis, orlados por uma banda de árvores de folha caduca em chão limpo onde o fogo amortece e se torna combatível. Se o fogo deflagrar, só se estiver no início (daí as virtudes da deteção precoce) é que será atacado. Caso contrário é aplicar a técnica Australiana. Deixá-lo arder. Mas deixá-lo arder dentro desse cantão é dizer que não pode de forma alguma sair de lá. A arder que arda só aquela parcela. Porque tentar apagar um incendio de grandes proporçõe é só para gastar dinheiro, arriscar vidas e destruir material.
P.S. Devia criar-se um prémio para contemplar quem descobrisse uma aplicação rentável para os produtos da desmatação. Se acontecesse a descoberta teríamos a matas limpas a custo zero ou até com ganhos. Era um dinheiro bem aplicado.

Por Manuel Vaz Pires