Comemorar o 25 de Novembro é glorificar o 25 de Abril

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A história desapaixonada do período conturbado de entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975, a seu tempo se fará com o rigor requerido. Entretanto, sobretudo enquanto viverem os seus protagonistas mais representativos, não deixarão de vir a público interpretações subjectivas e argumentos controversos, com os quais se pretenderá, por certo, ganhar simpatias e formatar opiniões de conveniência. Certo é, todavia, que uma parte significativa das Forças Armadas Portuguesas, em consonância com um alargado grupo de políticos democratas, ousou conduzir, com sucesso, uma movimentação político-militar que culminou na acção armada do dia 25 de Novembro de 1975, de que resultou o fim do denominado Processo Revolucionário em Curso (PREC), abrindo caminho à tão ansiada estabilização da democracia representativa, que foi, como se sabe, um objectivo central do golpe de estado militar de 25 de Abril de 1975. Acabar com guerra ultramarina e descolonizar, com dignidade, democratizar no conceito europeu e desenvolver o país no contexto ocidental, ainda que possam não ter sido as suas motivações originais, foram, sem dúvida, as aspirações profundas dos revoltosos de Abril, lamentavelmente traídas, de imediato, pelas foças marxistas-leninistas e anarquistas que animaram o PREC atrás citado. Assim sendo, cabe aqui perguntar: o que seria hoje de Portugal se as forças vitoriosas em 25 de Novembro tivessem sido as atrás mencionadas? Uma Cuba ou uma Venezuela europeias? Um estado satélite da fracassada URSS, agora na mira de Putin como tantos outros? Haveria depurações e fuzilamentos em massa à boa maneira estalinista, como chegou a ser sugerido e mesmo ensaiado? Felizmente nada disso se verificou, pelo que será de louvar, isso sim, a generosidade dos vencedores do 25 de Novembro. Tenha-se em consideração, contudo, que a bem-sucedida intervenção militar de 25 de Novembro de 1975 abriu definitivamente caminho à afirmação da democracia liberal e representativa em Portugal, pelo que deverá ser tida como a confirmação e glorificação do 25 de Abril de 1975, o que plenamente justifica a sua comemoração. Quanto mais não seja, para dissuadir eventuais novas tentações totalitárias. Ainda que o processo político posterior, lamentavelmente, tenha resultado num regime de duvidosa democraticidade, manchado de corrupção, nepotismo, clientelismo, injustiça social, assimetrias regionais e pela frustrante, em muitos aspectos, integração na União Europeia. Regime político cuja doutrina dominante persiste em ser o devorismo, a dissipação da fazenda pública em proveito próprio ou doutrem, postergando a resolução de problemas estruturais e o futuro da Nação. Regime cuja reforma continua em aberto, todavia, felizmente no quadro democrático, que o mesmo será dizer no respeito pelas liberdades fundamentais e ditames do estado de direito. Portugal é, de facto, pre- sentemente, uma casa onde os políticos falam, falam, mas poucos terão razão. Muito embora Portugal não seja a casa do ditado popular em que falta pão, dinheiro melhor dizendo, porque Bruxelas continua a dispensar fundos às carradas ao Estado português. Não é por falta de pão que ralham, portanto, mas por haver dinheiro e gula a mais. Atente-se na perturbação que vai no Serviço Nacional de Saúde, na Justiça e no Ministério Público em especial, na Habitação ou na Educação, nas muitas e desastrosas trapalhadas governamentais, para não falar na guerra institucional entre o Presidente da República e o Primeiro Ministro. Claro que no centro de toda esta confusão babélica têm estado o partido Socialista e o seu secretário geral António Costa, manda a verdade que se diga. Ainda que no Partido Socialista, justiça seja feita, haja uma digna maioria silenciosa, genuinamente republicana e democrática, que não tem tido suficiente engenho e coragem para se fazer valer, prostergando a reflexão e renovação que a crise José Sócrates continua a requerer. Claro que o problema se agravou desde há oito anos para cá, o que não é de admirar porquanto a entourage de António Costa é basicamente a mesma de José Sócrates, de quem herdou o poder. Ainda assim o acontecimento que melhor ilustra este cenário é a posição da actual direcção do partido socialista sobre a comemoração do 25 de Novembro de 1975, alinhada com os que pretenderam matar o 25 de Abril à nascença e só o não conseguiram porque Mário Soares e uns tantos militares moderados heroicamente lhes fizeram frente. Cenário deplorável, sem dúvida, autorizadamente verberado pelo fundador do PS, António Campos, que clas- sifica esta atitude da actual direcção socialista de traição à história do próprio partido. Oxalá não estejam a criar condições para um novo 25 de Novembro, ou que isso possa significar.

Henrique Pedro