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Manteiga de Travanca

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Reina grossa tormenta no território gaulês. A falta de manteiga é a causa, o seu preço triplicou, quase desapareceu nas prateleiras dos supermercados, a escassez provoca dores de cabeça e azia nos estômagos dos cozinheiros e pasteleiros, pis a gordura láctea é fundamental nos restaurantes e pastelarias, assim como nos lares dos franceses.
Ao contrário dos países sulistas afeiçoados ao azeite, a cozinha gala atingiu a qualificação de alta cozinha escudada na gordura amarelo-dourada, o mesmo acontece no tocante à sua prestigiada pastelaria. A privação de manteiga já obrigou o governo a discutir as causas e as formas de atenuar o jejum também extensível a outro símbolo do requinte culinário da Nação que conseguiu criar um nacionalismo gastronómico, mantê-lo e irradia-lo para todo o Mundo pelo menos desde a Revolução Francesa. A sublevação que acabou com o Antigo Regime é a causa da afirmação do conceito de Restaurante tal como o conhecemos.
Em face da penúria de manteiga lembrei-me da outrora apreciada pelos burgueses de Bragança da manteiga de Travanca (Vinhais) chegada à mesa dos bragançanos em biquinhas. Eu não sei as vacas criadas na aldeia postada aos pés da serra da Coroa detinham carnes tão qualificadas como as de Kobe, Hida-gyu ou Matsuzaka, as quais atingem preços altíssimos por serem tenras, tanto a tenra carne de porco, desfaz-se n boca e é excelente para a elaboração do sushi e o carpaccio especialidades servidas cruas.
Eu não sei quão grato seria ao palato deliciar-se a comer um troço de vitela mamona de Travanca apenas temperado com uns grãos de sal e poisado por breves momentos em brasas vivas quanto baste, mas sei do bom nome da manteiga proveniente das ditas cujas vacas.
Discutir a razão de ter sido interrompida (digo interrompida) a produção de manteiga naquelas paragens de lameiros verdejantes não adianta, nem atrasa, saber que são necessários 22 quilos de leite para se obter um quilo de manteiga é um pormenor técnico (e económico), interessa-me acicatar a minha amiga Carla Alves, de modo a pensar na possibilidade de reatar-se a produção da cobiçada e macia gordura transformando-a noutra marca marcante do terrunho vinhaense, a pardos enchidos e do presunto.
Reclamo a atenção de Carla Alves na justa medida de desde há longos anos, principiou numa noite friorenta em Montalegre durante a Feira do Fumeiro a que estava ligado, ter acompanhado o seu entusiástico labor na requalificação das carnes fumadas produzidas no concelho de modo a constituírem (já assim acontece) um pomo de concórdia entre as aldeias independentemente da sua diversidade, prevalecendo a unidade nos propósitos de aprimoramento dos chouriços agres e doces, das chouriças, dos palaios, dos salpicões e presuntos provindos dos porcos e porcas criados ao longo dos meses.
Sim, existem rivalidades no tocante a gosto, é natural, sim existem interesses e interesseiros, já diziam os almocreves – onde há lúcaros, não há esccrúpa-los –, embora tenham de ser escrupulosamente salvaguardados, por assim ser o papel determinante das Autarquias, no caso em apreço – manteiga de Travanca – a Câmara de Vinhais.
Há tempos estanciei em Santander, a cidade do Banco da família Botin, no Hotel do temporário alojamento, ao pequeno-almoço aparecia a manteiga em biquinhas de barro vidrado, a memória avivou-me o terrunho onde frui a felicidade, a lembrança acirrou-se no barrar a deleitosa manteiga em torradas de centeio.
Os orçamentistas peritos no cálculo dos prejuízos dos toques e amolgadelas nos automóveis também farão o mesmo se lerem este artigo, só que a revalidação da marca Manteiga de Travanca seria (será) um ousado acto publicitário capaz de ser acarinhado no Comité das Regiões da União Europeia, a exemplo de outros no passado. Lembro, um pão de Feira produzido na Croácia foi considerado património da Humanidade pela UNESCO, a par das pimentas do México e da culinária dos agora carentes de manteiga.
Nós temos sido preguiçosos na competente defesa dos nossos produtos, gostamos de copiar, estudar e inovar dá imenso trabalho, porém se queremos conservar a nossa identidade é imperioso apressar-nos a preservar a Herança cultural ainda incólume às apropriações globais, à voracidade das tecnologias de ponta e registo de inventivas transmutações escoradas nas nossas ancestralidades.
A mundialização está na ordem do dia, o incremento do turismo também tem duas faces, por vezes esquecemo-nos, os desafios tocam todos, os atrasados mais atrasados ficam, repare-se no fenomenal progresso português na área da medicina, pense-se em cientistas do calibre de Maria de Sousa, não esqueçamos o facto de Ronaldo ser quem é no estrelato do futebol devido a exaustivo trabalho de treino. O anexim exalta – querer é poder – dá-se o facto de querermos pouco. Espero nova e mandados de Carla Alves. A antiquíssima Póvoa Rica merece aproveitarmos o ser Rica, pelo menos de nome!

Armando Fernandes