Nós trasmontanos, sefarditas e marranos- Manuel Lopes, um judeu do tempo da inquisição - 10

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Quando Manuel Lopes foi enviado para Lebução e entregue aos cuidados de sua tia Isabel Cardosa, os irmãos Salvador Lopes e João Ventura Lopes foram levados para Bragança e Luís Lopes Penha, o mais velho, seguiu para Benavente, em Castela, para casa de seu tio paterno João Dias Pereira. De Salvador pouco mais sabemos. Apenas que aprendeu em Bragança o ofício de torcedor de sedas e que emigrou para Espanha onde se tornou “soldado de a cavalo do exército de Castela”. (1) João Ventura Lopes teria 11/12 anos quando, por 1685, chegou a Bragança para ser educado pelos pais adotivos: Manuel Rodrigues, o clérigo, de alcunha e sua mulher Inácia Maria Pereira, que o meteram a aprender o ofício de tecelão de sedas. Era um ofício de muito futuro e João Ventura breve se tornaria independente, vivendo em casa própria. E foi em sua casa, por 1685, que recebeu o irmão Manuel Lopes, vindo de Lebução. Inácia Maria Pereira era natural de Mogadouro, filha de Baltasar Lopes e Branca Pereira. Por 1680, Inácia residia ainda em Mogadouro, segundo contou Maria Rodrigues, uma cristã-velha, a escudeira, de alcunha, natural de Macedo do Mato, criada de servir em casa de Gaspar Lopes e Maria Pereira: - Disse que, morando ela em Mogadouro no ano de 80, pouco mais ou menos, em casa de Gaspar Lopes, o surdo por alcunha, natural de Moncorvo e morador em Mogadouro, ausente para as partes de Holanda, morrendo Maria Pereira, mulher que foi de Luís Lopes, morador hoje em Bragança, Ana Pereira, mulher que foi de Gaspar Lopes, e Inácia Maria, natural de Mogadouro, moradora hoje em Bragança, mulher de Manuel Rodrigues, por alcunha o clérigo, irmãs da dita defunta, a amortalharam com camisa nova em folha e lençol novo que mandaram comprar à tenda… (2) Esta seria uma das denúncias que levaram a inquisição de Coimbra a mandar prender Inácia Maria, em 6.7.1697. Manuel Rodrigues, o clérigo, de alcunha, era natural de Bragança, filho de António da Costa, (3) da conhecida família dos Costa Vila Real. Acerca de João da Costa Vila Real, (4) seu irmãos, Manuel Lopes disse “que vivia na Rua Direita junto à praça, e junto ao colégio dos apóstolos”, acrescentando que ”ele confessante nunca entrou em sua casa”. Mas se em Bragança nunca entrou em sua casa, o mesmo não aconteceu alguns anos depois em Lisboa, quando foi a casa do mesmo João da Costa Vila Real, com um escrito do irmão João Ventura, pedindo ajuda em momento de aflição, por doença deste. Aliás, a mãe de João da Costa Vila Real, Leonor da Costa, era também natural de Torre de Moncorvo. E se, do lado paterno, o Clérigo se ligava à família Brigantina dos Vila Real, pela parte materna, ele pertencia à família dos Franco e o seu filho Baltasar Lopes Franco (5) casou com Violante Nunes Pereira, filha de António Rodrigues, o Cachicão, e de Isabel Rodrigues que, ficando viúva, entrou para o convento de Santa Clara, em 1699. Uma irmã de Violante Pereira chamada Luísa Mendes, foi a mãe do dr. António Gabriel Pissarro, (6) e ascendente do famoso pintor Camille Pissarro, nascido na ilha de S. Tomás (hoje Ilhas Virgens Americanas) e falecido em Paris. Na chegada de Manuel Lopes a esta cidade, por 1695, não estaria apenas o irmão João Ventura a recebê-lo, mas também o irmão Luís Lopes que, meio ano antes, casara também em Bragança, com Ana Gomes, filha de Manuel da Costa e Ângela Gomes, moradores em Castela. A língua que falavam era a castelhana e por castelhanos eram tratados em Bragança. Um irmão de Ana Gomes, Daniel da Costa, tecelão de sedas, casou com Clara Ramires, filha de António Ramires, sapateiro, natural de Benavente. Como se vê, em a família Ramires mantinha estreitas relações com Luís Lopes e seu tio João Dias Pereira. Aliás, em Castela terá sido contratado o casamento de Luís e Ana. E também foi Luís Lopes que nos deixou testemunho sobre Josefa Ramires como crente e catequizante judaica. Veja- -se a singeleza da cena descrita por Luís: - Depois de estar um mês em Benavente, veio a casa do dito seu tio Diogo Lopes Marques, solteiro e residente ao dito tempo em Astorga, estanqueiro do tabaco, e irmão de Guiomar Lopes, que veio ver a irmã, que não via há muitos anos. E na tarde do dia seguinte que chegou à dita casa o dito Diogo Lopes e estando detrás da tenda dela ele declarante e Guiomar Lopes, os três sós, a dita Guiomar Lopes perguntou se ele Diogo Lopes era cego, ou estava cego. A isto ele respondeu que não estava cego porque seu tio Manuel Rodrigues, de Astorga, mercador, e sua mulher, Josefa Ramires, o haviam ensinado nas coisas da lei de Moisés. (7) Terá sido emocionante o encontro dos 3 irmãos que, 10 anos antes, ficaram órfãos e foram separados. Já vimos que o Manuel foi criado em Lebução e o Ventura em Bragança. Vamos agora olhar um pouco para o curso de vida de Luís Lopes, por terras de Castela, sob a proteção e cuidados de seu tio paterno, João Dias Pereira, (8) casado com Guiomar Lopes, natural de Rebordelo, os quais traziam subarrendado o estanco do tabaco naquela terra. (9) Chegado a Benavente, Luís foi mandado pelo tio a aprender a arte de tecelão de seda, certamente o curso de formação profissional mais seguido pelos jovens da nação hebreia de Bragança, Chacim, Lebução e outras, naquela época, o qual durava 4 anos, mais um que a generalidade. Não haveria, porém, de exercer tal profissão pois o negócio do tabaco se expandia, muito lucrativo que então era, e Luís Lopes foi integrado na rede familiar de negócios do tio. Começou com ele em Benavente, a distribuir tabaco aos retalhistas, mas logo o tio o mandou a tomar conta do estanco de Villalobos (Zamora) cujo contrato conseguiu. Passou depois a Ocaña, viajando por Madrid onde permaneceu uma semanada, em casa de Diogo del Rio “que tinha uma oficina onde trabalhavam a seda”. Ocupou depois idêntico posto em Balderas, León e Villalpando, Zamora. Nesta rede familiar se incluía ainda o estanco do tabaco em outras localidades e, no abastecimento dos postos e controlo na distribuição, a partir da “casa do peso” trabalhava em rede com o tio João, com o primo Manuel Dias Pereira, com Diogo Lopes Marques, cunhado do tio, irmão de sua mulher, e com outros parentes, filhos de Álvaro Mendes, que na família casaram, como atrás se viu. E trabalhavam ainda dois filhos solteiros de Álvaro Mendes, idos de Lebução: António Correia e Pedro Álvares, “acomodados no estanco de Astorga” por João Dias Pereira.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães