SEFARAD

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De 19 a 22 de Junho decorreu em Bragança o Congresso de Cultura Sefarad, Sefardin ou Sefardita. Participei fugazmente, apresentei os travejamentos de uma comunicação acerca da influência da cozinha judaica na cozinha tradicional portuguesa e zarpei de seguida. Não tive tempo para conviver nem tagarelar um pouco sobre a cidade das minhas paixões assolapadas e sopradas pelos ventos cortantes vindos da Sanábria provocando procura de garimo e fuga das raparigas quando entorpeciam as mãos e os pés.

Apareci no Congresso por obra e graça da Dra. Carla Alexandra, uma das organizadoras do mesmo a qual há um taleigo de anos integrou comigo uma equipa de investigadores de messianismos e visionarismos na Europa e Brasil tendo como figura tutelar Bandarra. O António Carlos Carvalho e o Manuel Gandra faziam parte do núcleo duro, o historiador Josué Pinharanda Gomes ouviu-me pacientemente, o filósofo e cabalista António Telmo além de convidar-me a ir a Vila Viçosa onde reunia com outros cabalistas, teve a generosidade de indicar pontos de referência, recordar bibliografias fora do circuito habitual e receber-me na sua caverna iluminada em Estremoz. Os anos passaram, o Centro de Interpretação da Cultura Judaica em Trancoso ficou aquém das nossas espectativas mormente na programação, cada um continuou a estudar e a Dra. Carla entendeu «obrigar-me» a produzir uma comunicação embrionária de um futuro livro. Só por isso, agradeço-lhe a lembrança prometendo produzir estudo que se possa apresentar sem mácula, logo a preceito e não escorreito. Poderá ser apodado de presunção o desejo ora escrito, sabendo de a presunção e água benta, cada um toma quanta quer, ao modo de um senhor freguês da Sé abusador na ablução ficando com rosto bem molhado.

Os operadores turísticos pronunciam intenções um pouco na esfera da dita presunção quase a enunciarem galinhas repletas de ovos de ouro como se este segmento estivesse confinado a Portugal, à rede de judiarias e os tesouros patrimoniais a coberto e a descoberto existentes no interior dando a impressão de olvidarem tudo o mais que é muito começando nos vários públicos caminhantes procurando o rasto dos antepassados e passos por eles calcorreados durante a fuga aos esbirros da Inquisição acolitados pelos vizinhos videirinhos sugadores do alheio não hesitando em denunciar gente de trato das comunidades sefarditas. Estes públicos não são turistas vulgares, possuem conhecimentos aprofundados da religião professada, não ficaram acorrentados ao «catecismo» da infância imitando a maioria das pessoas católicas só presentes nas cerimónias recheadas de fotografias e farândolas superficiais, antes pelo contrário, cumprem o preceituado sem preguiça ou numa toada «Maria vai com as outras».

Vêm à procura do passado daí a imprescindibilidade de terem boas genealogias à sua espera, sem erros, antes de visitarem as nossas terras estudaram as localidades berço natal dos longínquos avós, as tecnologias de ponta dão-lhe acesso a todo o tempo e hora à documentação existente, por essa razão desculpam melhor o engano dos explicadores locais ao confundirem a festa do Purim com um pudim festivo do que o lapso ou a faltas nas descrições da parentela. Salvo melhor opinião a base do êxito na captação do turistas não acidentais escora-se na qualidade e agilidade mental de quem recebe salientando a argúcia e engenho dos judeus no sacudir do jugo da escravidão mental, moral e física, os horrores sofridos fazem parte da sua herança, daí alegrarem-se ante episódios jocosos e similares tão bem retratados nos romances, poesias e peças de teatro de autores judeus exímios na exploração de um humor ferino, risonho, até burlesco.

Há anos no decurso de um almoço onde pontificava o rabino de Jerusalém dois convivas atentos impediram a colocação de pratos contendo tiras de presunto e rodelas de chouriço, o profissional ficou surpreso e aflito. Trago à colação este episódio a fim de apontar a importância dos detalhes, as leis dietéticas do Talmude impõem cautela e caldos de galinha na celebração das ementas a apresentar. Volto a repetir os turistas de origem judaica se pretendermos a sua volta, obrigam a cuidados especiais, caso assim não aconteça despedem-se até nunca mais! Gostava de ter falado no painel dedicado à indústria cultural, deixo estas breves e simples notas fruto de andanças e

O acontecido no mês de Junho não deve ficar soterrado na pilha de boas intenções, Bragança já é notório e nutrido centro de saber, logo das duas culturas, parafraseando E. Snow, importa cimentá-las recorrendo-se às tecnologias de forma a expandir-se sustentadamente nos quatro cantos do Mundo.

Por experiência própria sei quão exigentes tentam ser na procura das causas das coisas obrigando os «guias» a esforçados conhecimentos do exposto, mostrado e minuciosamente comentado. Não chega citarmos o Abade de Baçal, Mendes dos Remédios, António José Saraiva, Révah, Vicente Risco, referências entre outras, não basta erguermos o estandarte do judaísmo eivado de orgulho localista, refiro-me a Oróbio de Castro, não basta indicar-se historiografia regional, todos os intervenientes no projecto têm de estudar de cabo a rabo os seus trabalhos porque a sorte do mesmo dá um ingente até à colheita dos frutos escondidos no meio de abrolhos, urtigas e cardos.

Ninguém pode reivindicar a exclusividade do património judaico em termos gerais, no referente a Bragança a Autarquia ao acarinhar e investir na defesa e promoção das especificidades locais desse mesmo património obriga-se a tudo fazer no sentido de conduzir, orientar e vigiar a boa execução do mesmo. Ao contrário do pensado por muitos orçamentistas de café investir na cultura gera juros em múltiplos vectores da sociedade rural e urbana. Façam o favor de abrirem os olhos!

 

Armando Fernandes