Setembro chegou, o Verão terminou …cantava Sérgio Borges do conjunto João Paulo, a canção animava as verbenas pindéricas versão rural espanhola sem chistes e muito desejo recalcado. Estávamos nos anos sessenta do século passado, as bailações intercalavam jogos sobre rodas de patins na ringue de piso cimentado no Jardim António José de Almeida,
As verbenas concitavam o interesse de boa parte da população de Bragança, os programas desenvolviam-se num sinédrio de vaidades de vários elementos das denominadas forças vivas da cidade acolitados por mangas-de-alpaca de várias proveniências e funções. Tudo compostinho, os descompostos pura e simplesmente eram arredados das imediações porque sim e porque não. Episódios e actores numa próxima crónica.
Trago à colacção as verbenas convencido de as mesmas virem ao encontro por um lado das profundas aspirações do Homem necessitarem de divertimento mesmo se aperreado por uma Ditadura, por outro o desejo de diminuir as pulsões energéticas tão bem descritas por Norbert Elias na obra Em Busca da Excitação.
Manda a verdade escrever que as verbenas surgiram na minha mente após ter lido nos jornais e visto nos canais televisivos a profusão de festivais e festas aproximadas ocorridas um pouco ao modo de estalinhos e bichas de rabiar do tempo carnavalesco, estabelecendo o contraste temporal entre a tal imposição do referido compostinho (roupa, sapatos, penteados e acessórios colocados no corpo) e a liberdade de costumes; soberanos ou quase num ímpeto a retroceder aos bacanais romanos.
Não estou a exagerar, se o leitor duvidar faça o exercício de ler os programas de muitos desses ajuntamentos tendo como pano de fundo músicas de violenta batida, fumos inebriadores e cerveja ao preço da uva mijona. Leram notícias do ocorrido em Idanha-a-Nova?
O revivalismo do da canção – Setembro chegou –, serve-me não no sentido saudosista, sim na justa medida de também no confronto sazonal o mês das vindimas significar o corte da folia estival enquanto agora o fluxo festivaleiro preencher programações durante todo o ano. Seria absurdo procurar adnumerar tantos e tantos festejos, no entanto, julgo não ter surgido até agora o Festival da Murinheira como bem merece. Recordo na meninice ouvir a murinheira ser tocada e dançada nos dias de festa, para lá de Júlio Iglésias a recordar num canto à terra do seu pai, a Galiza.
Nas verbenas ganhavam as músicas propícias ao colanço corporal, dançar em cima de um tijolo constituía desafio muito tentado, uma formosa costureira bragançana demonstrava a maestria nessa execução nos bailes ditos particulares ou quase clandestinos.
O espartilho circundante das verbenas faz-nos rir quando o mesmo é colocado nas conversas dominadas por punções de apoio às revisões memorialistas umas vezes a colorirem faustos passados, outras vezes a encobrirem infaustos de má…memória. Ao invés o culto da crueza na linguagem e do quanto mais destapado melhor, tão estridentes nas redes sociais desbaratam completamente os carroceiros acusados de serem bocas sujas e as comadres zangadas em disputa do melhor espaço de secagem da roupa após ser desencardia nos lavadouros públicos. Se tivermos paciência na audição dos dichotes e insultos desenrolados e soltos nos Festivais colhemos uma boa amostra do extraordinário aumento lexical do mais virulento calão rico em condimentos estrangeiros. Às vezes tenho paciência!
Antes de Setembro chegar mantive conversas com dois jovens de trinta e tal anos cuja profissão é a de serem professores de viagens em cima de pranchas na crista das ondas do mar. Abandonaram os estudos escolares, um na área da sociologia, outro das ciências agrárias. As lições decorrem de oito a quinze dias, os alunos são estrangeiros, cada sessão dura no máximo duas horas. As alunas e os alunos carregam as pranchas, executam breves meneios do tronco e braços, logo de seguida entram na água e é a jiga-joga do tentar surfar a onda e do deslizar de barriga na areia. O negócio é rendoso, nos últimos anos a costa portuguesa deixou de exibir mostruários de peixe a secar, passou a suportar lojas de venda de equipamentos das modalidades praticadas e toda a quinquilharia adjacente, incluindo casas de comes e bebes, os bebes até altas horas da noite a fim de a vizinhança ensonada gritar como se tivesse tido um pesadelo macabro estilo cobrador do fraque a atormentar caloteiro empedernido.
Os doutos professores usam e abusam de palavras violentas, agressivas, do mais sórdido calão, um deles afiançou-me ser a única maneira de os alunos entenderem as ordens pois a língua em uso, a inglesa, é viral e incisiva nessa área. O problema do constante emprego da agressividade vozeadora gera incómodos, mimetismo das crianças a gritarem nos restaurantes defronte de pais passivos e frequentes conflitos entre clientes e funcionários, as agressões de adeptos boavisteiros em Ponta Delgada é uma amostra de um clima ameaçar a tranquilidade dos menos apetrechados para suportarem refregas musculares.
A festa é o embrião dos festivais, as tecnologias de ponta transformaram as festividades (todas) trazendo-lhe outras alacridades, a indústria é intensa e rendosa enquanto dura a moda e a fama dos artistas, as agências especializaram-se em todas as matérias, os escritos de Huxley (Admirável Mundo Novo), Orwell (1986) entre milhares de outros pecaram por defeito de imaginação, no entanto, tal como Júlio Verne proporcionam boas leituras outonais ajudando-nos a rever e cogitarmos demoradamente acerca do Homo Ludus e das suas disformidades. Vou rever a Laranja Mecânica, comer mirtilos e procurar um disco de Madalena Iglésias onde canta Setembro. Sim, o mês desnatador dos namoros de praia. No antigamente!