Vendavais- O jogo da cabra cega

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Todos já ouviram falar e até conhecem o jogo da cabra cega. Os mais novos não sabem, não conhecem e não jogam já este jogo engraçado que era habitual jogarmos no tempo da escola primária. Os recreios eram animados e todos estavam ansiosos para que a professora nos mandasse para o intervalo. Era uma festa ainda que durasse breves minutos. De olhos tapados, a criança procurava encontrar e comprometer outro colega do jogo, apanhá-lo e obriga-lo a andar de olhos tapados à procura de outro incauto ou menos espevitado. Hoje os tempos são outros, já sabemos e, os divertimentos são substancialmente diferentes e mais perigosos, quer para as crianças, quer para os adultos. Os jogos são tentadores e os mais incautos arriscam demasiado em busca da vitória que nem sempre compensa. Até parece que de olhos vendados já ninguém anda nem quer andar no meio deste jogo onde muitos se comprometem e só um ganha. A cabra cega, apesar de tudo e dos tempos, continua a ser jogado. Não propriamente pelas crianças, mas pelos adultos e com uma diferença enorme: não andam de olhos vendados, mas pensam que os outros usam vendas e por isso não os apanham. Erro fatal. Se antigamente eram as crianças que vibravam com este jogo, hoje são os crescidos, conhecedores do jogo e das regras, que adoram correr os riscos e ver se ninguém os agarra. Contudo e embora as regras sejam de quem as faz, é preciso cumpri-las o que nem sempre acontece. O falsear das normas e a tentativa de ludibriar os parceiros não significa que o jogo se possa ganhar facilmente. Exemplos disto temos imensos, desde a criança que é seduzida pelo adulto que está do outro lado da linha de olhos vendados tentando apanhar no engodo o parceiro de jogo que, se deixa enredar e só tarde demais se apercebe que caiu numa cilada e perdeu o jogo, até ao espertalhão que enganando tudo e todos se aproveita da suposta inocência dos parceiros e foge com o produto da vitória. Falsa vitória. No meio de tudo isto há milhares de exemplos. Jogar à cabra cega é jogar na universalidade de oportunidades. Não é um jogo só português já que se joga em todo o mundo. Infelizmente o que nos toca a nós é bem representativo da falsidade das regras e do abuso de confiança e do logro em que facilmente as instituições são capazes de cair. Nos últimos tempos, quantos banqueiros foram apanhados a jogar à cabra cega? Muitos. Uns estão presos, outros estão a aguardar julgamento, outros indiciados de vários crimes ligados à manipulação indevida de capitais, outros simplesmente fugiram à justiça e andam por lugares incertos, ou quase. Em alguns casos, até quase dá pena saber a sanção que apanharam e terem de passar o resto da vida numa cela, deixando a família ao abandono. Será que não conheciam as regras do jogo? Não, o que pensavam é que os outros andavam de vendas nos olhos e não seriam capazes de os ver descarrilar. Mas viram. A justiça é cega, diz-se, mas consegue ver longe. Pode demorar, mas acaba por ver e apanhar o mais incauto ou, melhor, o que pensa ser mais esperto. Foi o que aconteceu recentemente a Rendeiro. A segurança com que afirmava que não voltaria a Portugal e que vivia bem num país estrangeiro, que não queria revelar, e ainda que o Estado português lhe teria de pagar uma indeminização de 30 milhões, roça o ridículo, o incrédulo e a maior estupidez possível de quem deveria ter maior esperteza e discernimento. A sagacidade que aparentava ter caiu sem que se apercebesse disso. O jogo da cabra cega, neste caso, jogou-se às avessas, já que Rendeiro não andava vendado à procura de apanhar os parceiros. Não. Ele pensava que eram os outros que andavam de olhos vendados, mas claramente ele é que estava completamente cego e foi apanhado sem contar. Quem não andava de olhos fechados era a Polícia Judiciária que trabalhou bem e em segredo e conseguiu apanhar o prevaricador. E agora Rendeiro? Valeu a pena? Não. Talvez o muito dinheiro que possui o ajude a dilatar o tempo de liberdade, comprando tempo em reclamações na justiça, em justificações injustificadas, em jogos e joguinhos de cabra cega, mas acabará certamente por cumprir a pena de não ter cumprido as normas com que se deve jogar este e qualquer outro jogo. Os jogos de poder são demasiado perigosos para jogar mesmo sem vendas. Como sabemos, não é só Rendeiro que está à perna com a justiça. Outros vivem a mesma situação e talvez a justiça tire exemplos de uns que sirvam a outros e assim, possivelmente Rendeiro continue a jogar à cabra cega, mesmo com justiça.

Luís Ferreira