VINTE E UMA DÉCIMA

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Jorge Sampaio cunhou a expressão “Há mais vida para além do déficit” que muitos viriam a repetir e a brandir, sempre que tal lhes convinha. Em coerência não podem agora vir reclamar louros, hossanas e louvores para a obtenção do resultado recordista de um déficit de dois vírgula um por cento do Produto Interno Bruto.
De igual forma aqueles que fizeram do controlo orçamental o leitmotiv de todo um ideário político e programa de ação governativa, não podem agora desvalorizar o notável feito que o atual governo obteve para as contas públicas no ano de 2016. Alegam os detratores da ação do atual Ministro das Finanças e outros opinadores independentes que o resultado foi obtido com recurso a ações extraordinárias únicas e irrepetíveis. Quanto aos independentes pode aceitar-se este argumento desde que no passado o tivessem igualmente brandido. Porque esse é que é o cerne da questão. Por um lado há já vários anos que estamos habituados a ver todos os governos a incluirem nas suas atuações pro-ativas ações extraordinárias de forma a amenizar os índices financeiros. É certo que desde a entrada do nosso país no clube do Euro todos os executivos nacionais têm dedicado especial atenção a esse indicador de tal forma que acabou por entrar no léxico popular vulgarizando a sua utilização e compreensão. Mas nenhum deles o promoveu a objetivo primeiro e primordial, subordinando toda a restante política económica à obtenção desse desiderato, como o vigésimo liderado por Pedro Passos Coelho. Não pode, ninguém que a ele tenha pertencido ou ativamente o tenha suportado e apoiado, vir agora menorizar a obtenção do valor em causa. E se o argumento que cifra tem o valor que tem, não é, genericamente, aceitável por causa de ações excecionais dado o histórico referido, muito menos o será para quem tudo sacrificou, incluindo o crescimento económico, o emprego, o investimento, as pensões, os salários e tantas outras malfeitorias, no altar do indicador imposto pelo Ministro da Finanças alemão, através da União Europeia de do Eurogrupo liderado por um holandês sobejamente conhecido. Mas não só. Ao reclamarem que a façanha de Mário Centeno se fez com suporte em eventos não re-editáveis estão a confessar que todas as ações levadas a cabo pelo anterior Governo, afinal não eram provisórias e temporárias mas seriam para repetir e continuar. Para que, como argumentam agora, os níveis do déficit fossem sustentáveis, caso se mantivessem no poder, manteriam os cortes nos salários e nas pensões e o Estado continuaria a deixar de se comportar como uma entidade de bem no cumprimento das suas obrigações e compromissos para com os cidadãos, sempre que “fosse necessário”.
Definitivamente, não é entendível, nem sequer razoável ver o grupo que deificou o controlo orçamental desvalorizar e menorizar o fabuloso resultado atingido este ano, nesse campo. O natural e razoável seria um aplauso generoso, um elogio rasgado à atuação ministerial, eventualmente acompanhados de uma glorificação adicional do objetivo primeiro defendido anteriormente. Ganharia credibilidade e valorizaria, mesmo que retroativamente, a direção e o rumo que em 2011 definiu e traçou para o nosso país. Não pensam assim os estrategas social-democratas. As próximas eleições revelarão se têm ou não razão.

José Mário Leite