VOTOS

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Deve haver forma de saber os milhões de mensagens enviadas nestes dias, mensagens de votos de Boas Festas por SMS, ou seja através dos telemóveis. Tornou-se um costume muito simpático ainda que a originalidade das mensagens em questão não esteja estabelecida. Boas Festas e um Próspero/Feliz Ano Novo. E que mais? A cogitação destes dois desejos pode abrir outros horizontes ou evita o cansaço para imaginar outra coisa mais concreta, mais desejável? Nos comércios, antes de comprar um pão ou um jornal, nestes dias é preciso preceder o pedido de um “Boas Festas!”, “Bom Ano!” automático. Na Internet os correspondentes dirigem ao conjunto dos “amigos de facebook”, flores, chalés suiços, paisagens glaciares, rostos de crianças felizes, acompanhados da mesma declaração. Como se cada amigo próximo ou das relações mais afastadas tivesse direito a votos da mesma intensidade.
A originalidade não é a qualidade principal desta troca de mensagens. Não é certamente motivo suficiente para renunciar a esta crença mágica (ou afetada) que consiste em acreditar que as nossas palavras possam ter um efeito sobre os acontecimentos futuros. Sabemos todos pertinentemente que os nossos desejos não exercem qualquer influência sobre as pessoas e as coisas. Que importa! São salutares estes sorrisos, estas palavras simpáticas, estes beijos sem fim, estes abraços anuais. Passamos tanto tempo, geralmente, a dizer mal uns dos outros, a maldizer os poderosos, a tentar esmagar os medíocres com o nosso desprezo, a invejar uns e a desassossegar os outros, que só faria bem acreditar, alguns dias por ano, que tudo será melhor a partir de agora.
Os votos de Bom Ano emitidos, porquê limitá-los aos mais próximos? Aos íntimos, aos conhecidos. Há muito a dizer no domínio do desejável. O campo para espalhar flores de inteligência e retórica que fazem o charme constantemente renovado de Bom Ano é imenso.
Este ano os objetivos não faltariam. Não seriam demasiados todos os dias do ano de 2017 para recitar a litania de objetivos de melhoria da vida neste nosso planeta. Por onde começar, uma vez tratado o nosso círculo mais próximo e imediato? Pela austeridade musculada que nos impuseram, que seja afastada à mesma velocidade que se fundiu sobre nós há já uns anos atrás. Façamos votos para que o capitalismo seja “reinventado”, como parece ser prometido todos os dias. Desejemos que os paraísos fiscais sejam banidos do mapa do mundo. Desejemos que os potentados da finança, os ditadores dos mercados tenham um olhar mais atento para a humanidade que sofre e lhes dê dignidade. Desejemos que os europeus, tanto os dirigentes como os povos, se tornem mais europeus e que não renunciem à bela aventura comum. Desejemos que o turco Erdogan cesse de colocar o seu país no caminho do autoritarismo, virando costas às liberdades que pareciam querer levar este país a aproximar-se da Europa. Que o jovem da “malga na cabeça” suposto dirigir a Coreia do Norte pare de se tomar pelo deus vivo no país do comunismo congelado. Que seja afastado, da maneira que for possível, o sinistro e sanguinário Assad que massacra o seu povo de forma tão cruel. Que o seu colaborador e cúmplice Vladimir Poutine seja derrotado e destronado. Aos árabes de todas as nacionalidades que saiam do Inverno do Islamismo fanático e sanguinário, onde já se conheceram pedacinhos de primavera. Que a Síria, o Iraque e o Irão reencontrem as virtudes dos grandes impérios que foram. Desejemos aos chineses, trabalhadores incansáveis, para se implicarem por fim nos caminhos da liberdade, desembaraçados da carapaça de um comunismo de fachada. Ao presidente americano de retomar o Sonho que moveu o anterior presidente no princípio do seu mandato. Desejemos ao nosso António Guterres – o anterior, Ban Ki-moon, parece também ter recebido dinheiro líquido - a coragem e a sabedoria para liderar tamanho projeto para que os dirigentes deste mundo o ouçam e se possam mover por sendas mais morais.
Seria já enorme, poder atingir estes objectivos. Mas há outros. No domínio das mudanças climáticas; desejemos que se passe da retórica à ação. Que as guerras em África, sempre atribuídas aos “conflitos étnicos” que escondem outras tensões, outras fontes de injustiça parem de desencorajar os amigos deste continente e destes povos. Que Angola e Moçambique encontrem a calma. Enfim, o que desejamos ver neste grande saco de desejos? A Paz e a felicidade universal? A prosperidade geral? A justiça espalhada por todo o lado? As desigualdades por fim vencidas? Evidentemente que tudo isto não poderá ser feito num só dia, nem em trezentos e sessenta e cinco. Há muito que procuramos estes ideais. Estamos vacinados contra estas ilusões e contra as pretensas soluções. Mas haverá alguma razão para deixar de acreditar no homem, na humanidade e na sua vontade de se aperfeiçoar? Se pensarmos que nada muda, porque nunca nada se alterou, para quê preocuparmo-nos com o futuro, e tentar construi-lo? Muito disso só existe nas nossas cabecinhas. Ou esperamos, petrificados, que aconteça o que tem que acontecer, ou arregaçamos as mangas e pesamos sobre os acontecimentos. Sabendo que depende de todos nós a cor do futuro, na soleira dum novo ano a dimensão da empreitada não nos deve desencorajar, podemos com ela. Atesta pelo contrário da necessidade que o mundo tem de nós, das nossas revoltas, das nossas fidelidades, dos nossos valores positivos, da nossa resistência ao medo.
Os votos? Mais necessários do que nunca.

Adriano Valadar