A dureza do mau ano

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Ter, 07/07/2020 - 09:30


Que vida, meus caros! Maus anos sempre os houve, com sangue, suor, lágrimas, suspiros, desânimos, angústias, mas este, que já vai em pleno verão, está a revelar-se de uma dureza que sentimos agravar-se a cada dia que passa, mesmo quando tentamos abrir as janelas da esperança.

Embora saibamos que é fundamental manter a serenidade, começa a faltar o discernimento, porque se multiplicam as ameaças à saúde pública, à economia, à dignidade, aos equilíbrios sociais, aos valores que a humanidade logrou atingir, num esforço enorme de gerações sem conta, sujeitos outra vez a ficar em cacos, uma verdadeira miséria.

Naturalmente, as surpresas más, recorrentes neste calvário de quase meio ano, empurram para a prostração, que nunca nos levará a bom porto. A questão é que não deveria tratar-se de surpresas, porque as lideranças políticas tinham a obrigação irrecusável da verdade possível, cercada de incertezas, mas expressão autêntica da lealdade que merecemos.

Também se impunha clareza nas decisões e firmeza na sua aplicação, sem manobras ilusórias, porque não se trata de entreter basbaques com um número de circo patético, quase só esgares e vozearia, que não ajuda a encontrar o fio da história.

Roçou-se o ridículo quando o país mergulhou na melancolia, depois da quase euforia do bom desempenho proclamado durante a primavera, porque, afinal, vários outros países deram sinais de desconfiança, recusando entrada aos portugueses, até que os velhos amigos bretões se permitiram impor quarentena aos que por cá passassem.

Não se chegou à recuperação da versalhada da “Portuguesa” original, que nos queria a marchar contra eles, mas não faltou tudo. No entanto, também foram surgindo lusas vozes que contribuíram para repor as coisas no devido lugar.

Os defeitos que nos conhecemos não se haviam desvanecido, continuávamos desorganizados, displicentes, dissimulados, enganando-nos a nós próprios, convencidos de que os outros não perceberiam o que estava a acontecer.

Entretanto já se fizera o número das finais da liga dos campeões de futebol, verdadeiro gozo para os sisudos da Europa do norte e já não foi possível recuar na encenação pífia da reabertura das fronteiras em Badajoz e Elvas.

A indústria da praias do sul vai-se ficando por gemidos e ais e o restante sector, por todo o país, também não vê chegar as sobras que lhe calhariam, enquanto, em Lisboa, o verão se pode tornar no maior descontentamento das últimas décadas.

Quanto a nós, deste território obtuso, que também alimentávamos um engano ledo e cego de dias mais tranquilos, será melhor que nos preparemos para ter precauções com o que aí vem em Julho e Agosto, das europas ou da faixa costeira, para que a tragédia não atinja muita desta rapaziada, que já não tem idade para as festarolas da dança do vírus.

Lembremo-nos que o Alentejo, tranquilo e pachorrento, apareceu durante meses como um refúgio a ter em conta. Mas, as últimas semanas trataram de, também por lá, semear a desilusão.

 

Teófilo Vaz