Eleições e responsabilidades

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Ter, 08/10/2019 - 02:57


Parece que já lá vai o tempo dos sistemas democráticos quase tranquilos, marcados por decisões pragmáticas dos eleitores, que não esperavam consumar na sua participação cívica as mudanças deleitosas para o seu ego, mas aceitavam que o mundo, com todas as agruras e desilusões, ali estava, para além da ponta do nariz de cada um.
A vida política passa, certamente, pela afirmação clara de perspectivas diversas, arrojadas, utópicas, emocionadas, piedosas, mesmo choramingas, mas também deve ser norteada pela racionalidade que permite compreender que os outros partilham o ar que se respira, o espaço vital, os recursos, os medos, as alegrias e tristezas e o confronto com o absurdo que nos tomba, a cada passo, dos pedestais a que o orgulho nos vai guindando.
As democracias são terreno propício ao florescimento das pluralidades, mas também correm o risco de passar rapidamente ao caos, se não houver condições para manter a convivência tolerante e respeitosa que permita fazer o caminho com companhia. Doutra forma, poderemos voltar à ferocidade original, o que constituiria renúncia gratuita de uma epopeia de milénios.
Nos dias que vivemos, ao mesmo tempo que os populismos vão arrebanhando eleitores, recuperando para a praça pública preconceitos irracionais, também vamos assistindo à desmobilização de cidadãos que preferem o alheamento à agoniante incomodidade de um quotidiano em permanente espasmo egoísta e parecem acreditar que a enxurrada há-de ter um fim.
Outros, convencidos que é urgente mudar de rumo, optam por intervir, empenhando-se em causas legítimas, mas particulares de determinados grupos sociais, o que os leva a perder a noção do horizonte global, confundindo o acessório com o essencial, contribuindo para processos de tribalização e fanatismo que não prometem nada de bom para o futuro.
Na intervenção política não deverá perder-se a consciência de que cada um de nós não tem condições para mudar a sociedade de um dia para o outro, muito menos se não se perceberem as limitações determinadas pelo contexto da inter-relação com os outros, as suas condicionantes, os seus anseios, os seus interesses, nobres ou mesquinhos, e assim poder promover a observação inteligente da complexidade, que ninguém pode abordar de forma simplista, porque se resvala rapidamente para o maniqueísmo, essa estupidez que pode levar ao colapso civilizacional.
Por isso é importante dedicar esforços à construção de plataformas que permitam partilhar objectivos políticos, sociais e económicos fundamentais para a manutenção de sociedades abertas, mais justas e igualitárias, onde, além do essencial, cada um possa encontrar forma de fazer o seu próprio caminho, sem ter que aturar a arrogância de prosélitos que, na história que conhecemos, deixaram rastos de sangue e lágrimas em nome de sonhos ou pesadelos que foram tendo sobre a suprema importância do seu umbigo.
Os eleitores têm que assumir a responsabilidade de não permitir que a democracia descambe na dança diabólica de mostrengos a chiar sobre as nossas cabeças.