A fase patética da Europa

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Ter, 15/03/2016 - 12:42


Quando os homens no tempo não se elevam para além da condição primata, a civilização pode diluir-se, não só na barbárie, mas mesmo no retorno à selva natural.
Há sempre quem cultive saudades de pretensos paraísos primordiais. Expoente máximo terá sido Jean-Jacques Rousseau, que quis fazer passar a ideia de que a bondade e a pureza seriam inerentes à natureza humana, idilicamente concebida no contexto da Natureza ela própria.
Mas, o conhecimento, de experiência feito, não nos permite continuar a alimentar infundadas utopias e reconduz-nos à necessidade de não perder referências que custaram milénios de labor.
A Europa não resultou da Natureza. É obra humana, não terminada, longe disso, apesar de parecer sólida na sua longa idade.
Em mais de dois milénios, por aqui assistimos a tempos da mais vil selvajaria, mas também pudemos contemplar tempos de paz e prosperidade que, aliás, permitem compreender o papel que à Europa tem sido reconhecido na caminhada civilizacional. Pelo menos, nós queremos convencer-nos disso.
O Mediterrâneo grego foi a raiz da Europa, que se consumou nessa quase idade de ouro, os três séculos do auge de Roma. Então, uniu-se sem esmagar a diversidade, a economia conheceu sucessos memoráveis, a segurança permitiu a prosperidade e a tranquilidade, a cultura encontrou espaços de partilha, elevando os europeus a patamares que ainda hoje merecem o respeito de quem estiver atento à propensão deste mundo para o caos.
Mas, quando se descuidaram as referências e medraram localismos caprichosos, que tinham por horizonte os umbigos ou a ponta dos narizes, tudo ficou em cacos.
Foi preciso esperar quase mil anos para que um outro cimento os reunisse, numa reconstrução ainda periclitante, com cicatrizes vivas a incomodar.
Assim se tem visto este extremo ocidental da Eurásia, a semear as suas próprias fragilidades mundo além e a sofrer, por causa delas, os horrores do fratricídio, que atingiu o quase apocalipse, por duas vezes, no século XX.
Infelizmente, voltamos a confrontar-nos, hoje, com o irromper de nacionalismos e com todo o rol de patetices já conhecidos doutros tempos. Pressentimos que o resultado não será a festa da felicidade.
Perante desafios decisivos uns levantam barreiras de betão e rede, outros fingem que não veem e a mesquinhez toma conta dos dias. Quando devíamos aprofundar a coesão, ouvimos os servos do imediatismo populista a voltarem ao patrioteirismo de má memória, tomando medidas absurdas, que querem fazer confundir com o exercício de uma qualquer soberania anacrónica.
Nos últimos dias, em Portugal, quase nos sentimos de volta ao século XVII, quando o conde de Ericeira construiu tardiamente uma política económica suportada no condicionamento de produtos exteriores, através de um conjunto de proibições, taxas aduaneiras e estímulos, mais ou menos ineficazes, à produção lusa. Mas, já lá vão trezentos e cinquenta anos.
Por isso, quando o ministro da economia fez apelo para que não se abasteça combustível no nosso vizinho do lado, no que foi seguido até por autarcas da região, requer-se alguma serenidade. Ou se aprofunda e consolida a união, ou se contribui para novo pulverizar da Europa, com todo o rosário de desgraças que comporta. Não podemos continuar nesta bipolaridade: num dia somos europeus, noutros parecemos viriatos de quinta categoria.
Assim, não vamos longe.

Por Teófilo Vaz