class="html not-front not-logged-in one-sidebar sidebar-second page-node page-node- page-node-195746 node-type-editorial">

            

Do silêncio do Estado à voz que resiste

Ter, 08/04/2025 - 10:42


Em pleno século XXI, no interior de Portugal, uma grávida tem de percorrer mais de 100 quilómetros para fazer uma ecografia em Amarante. Não estamos a falar de uma exceção ou de um caso pontual: é o retrato fiel do quotidiano de muitas mulheres que, além dos desafios próprios da gravidez, enfrentam a distância, o custo e o cansaço de viverem em zonas de onde o Estado, na prática, já se ausentou.

A recente decisão do Município de Vinhais de apoiar financeiramente o transporte destas utentes para exames e consultas fora do concelho é mais um exemplo do que se tornou rotina: os municípios a substituírem-se ao Governo central para garantir aquilo que devia ser básico, o acesso à saúde. Além disso, a autarquia garante alojamento e refeições para médicos que vêm de fora, para que haja sempre consulta aberta no centro de saúde. Estas não são medidas de inovação: são atos de emergência.

E o que diz isto sobre o país que somos?

Diz que estamos num ciclo vicioso: falamos da importância de aumentar a natalidade, mas não damos condições para nascer. Apelamos à fixação de jovens no interior, mas continuamos a deixá-los sem cuidados de saúde essenciais. Declaramos em discursos públicos a necessidade de combater as assimetrias regionais, enquanto entregamos a municípios com orçamentos limitados o pesado fardo de manter os serviços mínimos às populações.

Devia chocar-nos. Uma grávida não devia ter de sair do distrito para fazer um exame. Um presidente de câmara não devia ter de encontrar alojamento para médicos. E um país envelhecido como o nosso não pode dar-se ao luxo de tratar a natalidade como um assunto burocrático ou meramente estatístico.

Sem saúde próxima, acessível e eficaz, não haverá jovens famílias no Interior. Sem médicos fixos, não haverá estabilidade. Sem investimento público real, do Estado central, estaremos apenas a adiar o deserto demográfico, enquanto aplaudimos os autarcas que fazem milagres com os recursos que têm.

Aplaudir, sim. Mas exigir, também. Porque é o Estado que deve garantir que todas as mulheres, independentemente da sua morada, têm direito a uma gravidez com dignidade. E que todos os cidadãos, em Vinhais ou em Lisboa, tenham acesso aos mesmos cuidados de saúde.

A questão não é se os municípios devem ajudar. A questão é: até quando é que o Estado vai continuar a demitir-se das suas responsabilidades?

Falando agora de boas notícias, é reconfortante ver histórias como a da pequena Maria Leonor, de Bragança, que nos emocionou com a sua voz no “The Voice Kids”. Aos 10 anos, mostra-nos que a música pode ser mais do que arte: pode ser escudo, casa, cura.

Na sua entrevista ao Jornal Nordeste, conta como encontrou nos fones e nas canções a força para continuar, quando sofreu bullying. Hoje, leva para o palco o sonho do avô e uma mensagem de coragem. Que maior exemplo queremos para os nossos jovens? É esta a outra face do interior: a que resiste, a que canta, a que sonha. Mas não nos iludamos: para que mais Leonores possam crescer, é preciso mais do que talento. É preciso investimento. É preciso investimento. É preciso justiça.

Cátia Barreira, Diretora de Informação