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Franciscus, o Papa sorriso

Despediu-se depois de abençoar o Mundo inteiro na bênção Urbi et Orbi desta Páscoa. Talvez fosse uma despedida anunciada ou esperada. Foi, no entanto, inesperada para todos nós. Com a voz arrastada e quase impercetível, abençoou todos os presentes na Praça de S. Pedro e todo o Mundo. Foi um momento curto, mas pesado, que a sua doença mais não lhe permitia. Mas quis mais e desceu à Praça e andou por entre os que lá estavam para o ver e cumprimentar. Foi a sua última viagem. Agora todos o queremos recordar. Reviver os momentos marcantes do seu pontificado, as suas frases mais emblemáticas e com maior significado. Fazemos comparações com os que o antecederam, inseridas na validade subtil de cada uma delas. São opiniões pessoais, simplesmente. E nesse aspeto, será difícil que o seu substituto seja um seguidor idêntico, com as mesmas diretrizes, a mesma força, os mesmos valores e o mesmo sorriso. Penso que não queremos uma cópia, mas a genuinidade da essência global de Francisco. Foi o Papa dos jovens. A juventude foi, quase sempre, o objetivo da sua mensagem e foi entre os jovens que sempre se sentiu seguro, fiel e à vontade. Falou-lhes com o coração, sempre com um sorriso na boca e levou-os a confiar na palavra da Igreja. Brincou com eles e fê-los rir coloquialmente. Foi assim nas Jornadas Mundiais da Juventude em Lisboa. Todos vivemos essa faceta bem de perto. Vimos o Papa alegre, humorista e brincalhão. Foi o Papa dos simples, dos mais fracos e desamparados. Ele era simples. Era franciscano. Recusou usar os sapatos vermelhos cardinalícios e usou sempre os sapatos pretos de couro feitos pelo sapateiro de Buenos Aires. Foi humilde. Não quis usar o ouro e as vestes vermelhas bordadas a ouro e com pedras preciosas. Trocou tudo isso pela prata e pelas vestes brancas. Dizia que “O homem só deve olhar de cima para baixo, se for para dar a mão a alguém que precisa de se levantar.” Era contra todos os que não sabem repartir o muito que têm, pelos que menos possuem. Fazia questão de dizer, rindo, que iniciava todos os dias com a oração de Tomás Moro – “que eu tenha uma boa digestão, mas que tenha algo para digerir”. De um bairro da classe média de Buenos Aires para o Vaticano, foi um salto enorme. Contudo, não voltou mais à terra natal e isso talvez os argentinos não lhe perdoem. Mas ele não esqueceu o seu clube do coração – o S. Lourenço, de Almagro. Foi um Papa corajoso. Enfrentou sem medo os desvios da Igreja e condenou os abusadores sexuais. Falou com abusados e expulsou alguns dos condenados por crimes de abuso sexual. O Papa Bento XVI resignou ao aperceber-se que era demasiado pesado o fardo que teria de carregar para tomar decisões justas neste âmbito. Faltou-lhe a coragem e Francisco teve-a, pelo menos em parte. Reformou o Direito da Igreja. Reformou a Cúria. Abriu um processo sinodal e aproximou- -o do clerical, dando à Igreja um modo diferente e mais aberto de refletir e decidir. Deu importância às bases incluindo os laicos. Foi uma desclerização da Igreja. Deu à mulher um lugar importante no mundo católico. Hoje há muitas mais mulheres na Igreja. Mesmo brincando e com o sorriso aberto, dizia que tudo sai melhor quando é a mulher a mandar. Abordou o capítulo sensível do celibato clerical. Aqui a coragem tinha de ser enorme, mas iniciou o caminho que outros deverão percorrer. Deu a entender que era necessário dar esse salto, mas que teria de ser cauteloso para não se cair. Aceitou a homossexualidade. Clamou pela igualdade entre todos. Quis derrubar barreiras e muros e criticou Trump, sem o nomear, ao dizer que quem cria muros não é verdadeiramente cristão. Abriu a Igreja a todas as religiões e aproximou a Igreja Católica à religião Islâmica. Foi ao Iraque. Um passo enorme. A Igreja necessita ser renovada, dizia. O dinamismo de transformação da Igreja católica que ele imprimiu, tem de ser continuado. Fez quarenta e sete viagens pelo mundo, clamando pela paz, pela fraternidade, pela igualdade, pela esperança num mundo melhor. Enfrentou os maiores do planeta com as armas da humildade e da humanidade. Os maiores que estiveram presentes na missa de homenagem e despedida. A despedida, não poderia ser mais humilde. É dentro desta humildade, que ele deixou escrito o modo como queria ser sepultado. Queria ficar sepultado à sombra de uma mulher – Virgem Maria. Sempre a importância da mulher. Escolheu a Basílica de Santa Maria Maior, em Roma para descer à terra e esperar pela Ressurreição. Foi o 8º. Papa a ser sepultado fora do Vaticano. Quis cerimónias simples na hora da despedida. Um caixão simples de madeira e na lápide, simples, apenas a palavra “Franciscus”. Dentro de dias o Conclave reunirá para escolher o novo Papa. O tempo dirá se será fácil ou difícil a escolha. O fumo branco que vai sair da chaminé da Capela Cistina, ditará a hora da escolha e o nome escolhido para representar Cristo nesta terra cada vez mais abandonada e desprezada pelos homens. Vestidos com as roupas do poder e do luxo, esquecem-se que é urgente olhar para o lado e ver o resultado da sua pouca humildade. A ganância é um pecado mortal. É necessário valorizar o ser humano. Este é o legado de Francisco. O próximo que o siga, sorrindo. 

Luís Ferreira