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Fumo branco

Na Praça, a multidão esperava o anúncio do novo Papa. Mais de quarenta mil pessoas, ansiosas, bamboleavam-se de um lado para o outro, com a esperança de assistir à saída do fumo branco na chaminé colocada no telhado da Capela Sistina. A curiosidade era tremenda. A ansiedade consumia aos poucos a paciência de cada um com o receio de não conseguirem ver nada e sair de Roma sem ter essa oportunidade única na vida de assistir ao anúncio do novo Papa e poder vê-lo na sua primeira aparição na varanda mágica da Basílica de S. Pedro. Os que ficaram, tiveram a sorte de ver o novo Papa. O Mundo estava suspenso e suspirou de alívio, como se este facto fosse a libertação das apreensões gerais, como se ele fosse o a solução urgente para acabar com as guerras e as angústias de tantos seres humanos. E, subitamente, ali estava ele, anunciado como Leão XIV. O nome a adotar também era uma incógnita. A sua origem era outro segredo que todos queriam conhecer. Norte americano! Inesperado certamente. Mas quem é este novo líder da Igreja Católica? Porque adotou Ângelo Roncalli o nome de Leão XIV? Quem foi Leão XIII? Há continuação? Possivelmente sim. E também haverá uma continuidade do apostolado de Francisco, segundo se pensa e se espera. Leão XIII foi o Papa do Concílio Vaticano II em 1962, da crise dos mísseis em Cuba, do diálogo e do ecumenismo. Simples, amigo das crianças, gentil e diplomata, assim era Roncalli. Conseguiu focar o seu apostolado no aspeto teológico, cultural e histórico conjugando tudo com o seu enorme coração pastoral. Mediou o conflito, após a ocupação nazi, entre o Estado francês e a Igreja. Foi um profeta da dimensão específica de uma igreja ao lado do povo, tal como Francisco. Foi a sua intervenção que evitou o agravamento da crise dos mísseis de Cuba. Teve um pontificado curto, morrendo a 3 de junho de 1963. Foi beatificado por outro importante Papa, Wojtyla, João Paulo II, no ano 2000 e viria ser canonizado pelo Papa Francisco a 27 de abril de 2014. Dois meses antes de morrer, fez a Encíclica Pacem in Terris, uma bênção de serenidade e que nos dias de hoje se mantem bastante atual. Num dos trechos, diz “As relações entre os indivíduos, devem-se disciplinar não pelo recurso à força das armas, mas sim pela norma da reta razão, isto é, na base da verdade, da justiça e de uma ativa solidariedade”. Depois do que vivemos com Francisco durante o seu papado, pensaríamos que seria difícil alguém substituir o seu legado e a sua simplicidade, honestidade, candura, solidariedade, carinho e amizade pela juventude, mas talvez as vivências que Leão XIV teve até aos dias de hoje, pode bem servir de exemplo a um caminho paralelo ao de Francisco e próximo do de Roncalli. Vinte anos de permanência no Peru e a aquisição da nacionalidade peruana, apesar de nascido na América do Norte, dão-lhe essa experiência, segurança e proximidade do povo, entre o qual viveu e de quem foi amigo. Francisco confiava nele. A Igreja Católica necessita de uma viragem sustentada e de uma modernidade face às vicissitudes dos dias que hoje se vivem. A afirmação dos valores humanistas é mais do que nunca, uma necessidade premente para consciencializar as mentalidades mais controversas. A pacificação das belacidades que alguns teimam em manter, é urgente. O chamamento à realidade está nas mãos da igreja. Está agora nas mãos de Leão XIV. Uma tarefa enorme e tormentosa. Só será conseguida com a união de todas as igrejas e de todos os credos. Afinal, Deus é só um, chamem- -lhe o nome que chamarem. Leão XIV, agostiniano, tem em Leão XIII o mentor escolhido, o exemplo necessário para alicerçar a sua tarefa e cimentar o seu pensamento. Robert Francis Prevost é o 267.º Papa da Igreja Católica, mas é o primeiro norte-americano e o primeiro da Ordem de Santo Agostinho. Consigo traz ideais de comunidade, com base em estudos científicos, na continência e castidade e na autêntica pobreza. Santo Agostinho é o doutor da graça, o mestre da interioridade. Acredita-se que ele será um continuador entusiasta do processo sinodal que Francisco iniciou. Disse já que pretende “estender pontes, o encontro, a paz”. Aliás “Pontífice” significa fazedor de pontes e essa será, sem dúvida, a sua enorme tarefa no pontificado que agora começa. Depois de um franciscano devoto e muito bem aceite no mundo inteiro, resta saber se este agostiniano também o será. Resta-nos a esperança de que assim seja. O Mundo inteiro está de olhos fixos no novo representante de Pedro, o escolhido, confirmado pelo fumo branco saído da capela Sistina. Que seja o arquiteto das novas pontes.

Luís Ferreira