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O Vale do Tua pariu um sapo

A conhecida expressão “a montanha pariu um rato” é muito velha. Tanto que é atribuída ao filósofo romano Horácio, que a terá utilizado há mais de dois mil anos, com o intuito de manifestar a sua frustração com algo que gerou grandes expectativas, mas acabou por redundar numa insignificância, para não dizer num fracasso.

Não deixa de ser significativo, por isso, que a dita expressão seja muito usada em Portugal, hoje em dia mais do que nunca. Ainda assim, no caso particular dos transmontanos, não há razões de queixa, pois, lamentavelmente, quem os governa grandes expectativas sequer lhes têm criado, não lhes dando, por isso, razões para se sentirem frustrados.

Tirando, e poucos mais exemplos se poderão encontrar, o magno projeto que dá pelo nome de Plano de Mobilidade do Tua, que, apreciado em várias vertentes, a montante e a jusante das águas e das ideias, ganha, de facto, dimensão impactante.

Ora, é aqui que a porca torce o rabo. Acontece que, decorridos 16 anos desde a sua criação em 2009 e consumados gastos de 16 milhões de euros, há mais que razão e humor, absurdo ou sarcástico, como se queira, para se poder dizer, não que “a montanha pariu um rato”, mas que o Vale do Tua pariu um sapo anafado, que tranquilamente abobora nas margens da plácida albufeira.

Uma notícia recente sobre esta matéria causou, contudo, relativo impacto nas ditas redes sociais, Facebook em particular, ainda assim muito longe, quanto a mim, do que deveria merecer por parte do grande público, sobretudo daqueles a quem diretamente diz respeito: os transmontanos em geral e os nordestinos em particular.

Transmontanos que, nos próximos atos eleitorais, irão ou não irão votar, como sempre o fazem, mais com o coração do que com a razão, ainda que as opções que se lhes oferecem, por força da democracia que têm, pouco ou nada mudem. Sendo desejável, em qualquer caso, que a região não continue esquecida, adiadas e mal representada nas instâncias mais altas do poder político central e local.

Resumidamente, e sem entrar em detalhes, diz a notícia, que teve origem no jornal Público online e foi repassada por diversos outros meios, que o Ministério Público, através da sua delegação de Mirandela, abriu um inquérito crime para investigar o incumprimento da concessão pública de exploração da Linha do Tua.

Finalmente, é caso para se exclamar! Isto se o finalmente não significar que o caso vai morrer definitivamente, ante a patente lentidão da Justiça.

É que, convém lembrar, quando o Plano de Mobilidade do Tua nasceu, em 2009, como contrapartida à construção, pela EDP, da barragem de Foz do Tua, que submergiu um troço de 23 quilómetros de via-férrea, muita boa gente esfregou as mãos de contente, pensando que toda a região transmontana em geral, os municípios ribeirinhos do Tua em particular e Mirandela em especial, tinham sido agraciados com uma fortíssima alavanca de desenvolvimento.

Puro engano. Dezasseis anos decorridos, tudo continua na mesma ou pior, com parte significativa do mítico Vale submerso, equipamentos valiosos em acelerada degradação, as populações a chuparem nos dedos e os autarcas a bailar, felizes e contentes, entre as suas terrinhas e a capital deste reino de democrática fantasia.

Acresce que os dados de recenseamento eleitoral mais recentes expressam uma aflitiva dinâmica de ermamento. De ermamento que não de desertificação, note-se bem, porque, neste caso, não podemos queixar-nos das alterações climáticas, já que a Natureza está mais pujante do que nunca. Mas de algo que é bem pior: a incompetência e o desleixo dos governantes, com destaque e acrescidas responsabilidades para os autarcas.

Tanto assim é, ou foi, que o polémico barramento avançou sem demoras nem contratempos e já está a render, por certo, lucros chorudos aos investidores. As contrapartidas, pelo que agora se vê, é que não terão passado de uma gigantesca frustração, para não dizer de um logro vistoso. Pudera! É que os donos da EDP, entre os quais pontifica a empresa estatal China Three Gorges Corporation, não brincam em serviço.

Lamentavelmente, não pode deixar de se dizer, este plano é mais um que traduz a falência total, não da democracia, mas do regime político vigente, que, deformado pela hegemonia partidária, continua a gerar maus governantes, a desprezar os cidadãos e a esbanjar o erário público, persistindo no ermamento e no subdesenvolvimento do interior.

Torna-se imperioso, por tudo isto, que a Agência de Desenvolvimento Regional do Vale do Tua (ADRVT), igualmente criada em 2011 como contrapartida pela construção da barragem do Tua e a quem a responsabilidade da execução deste plano foi atribuída, venha a público dizer de sua justiça, sobretudo no contexto da próxima campanha eleitoral e antes mesmo do Ministério Público se pronunciar

Henrique Pedro