Ter, 22/07/2025 - 10:33
Durante décadas, as populações do Interior foram habituadas a esperar sempre menos do que os outros. Menos serviços, menos oportunidades, menos visibilidade. Mas agora, como revela a reportagem que faz manchete nesta edição, estamos a assistir a um fenómeno particularmente cruel: o afastamento do próprio dinheiro. Não só no sentido metafórico, pela ausência de investimento, mas de forma literal, porque levantar dinheiro, em papel, está a tornar-se um ato de resistência. Mais de 85% das freguesias do distrito de Bragança não têm qualquer caixa automática ou agência bancária. São números que envergonham qualquer estratégia de coesão territorial. Que revelam uma política de desresponsabilização sucessiva por parte do Estado e uma lógica implacável do sistema bancário, centrado exclusivamente na rentabilidade.
No fundo, este é mais um retrato de um país a duas velocidades e em que o Interior parece já nem contar para o velocímetro. Em breve estaremos nas autárquicas e penso que este também deveria ser um tema a colocar em cima da mesa. Pensem nisso quando os candidatos saírem à rua a auscultar as populações e falem!
As consequências são mais do que incómodas. São, muitas vezes, um obstáculo à dignidade. Os testemunhos desta reportagem revelam como o quotidiano de muitos se tornou mais penoso: percorrer dezenas de quilómetros para levantar dinheiro, depender de vizinhos ou de transportes municipais, ficar refém de comissões por operações simples. Quando nem os pagamentos em cafés ou mercearias podem ser feitos por multibanco, o problema não é tecnológico, é estrutural.
É certo que se apontam alternativas. O MBWay, os débitos diretos, as transferências. Mas basta olhar para o perfil demográfico da região para perceber que essas “soluções” são, para muitos, apenas mais um entrave. Uma população envelhecida, com baixos níveis de literacia digital, está a ser empurrada para um sistema que não compreende, não domina e, muitas vezes, não quer adotar. E não é aceitável que, no século XXI, aceder ao seu próprio dinheiro dependa de um smartphone, de um código ou da boa vontade de um familiar.
A digitalização pode ser um caminho, mas não pode ser o único. E muito menos pode servir de desculpa para o desmantelamento da rede física de serviços. O encerramento sucessivo de agências bancárias, disfarçado de “reestruturação”, deixa um rasto de isolamento e desamparo. Os bancos, que tanto lucram com os clientes, deviam ser obrigados a garantir um mínimo de presença territorial. Não se pode exigir fidelidade a instituições que abandonam os seus clientes ao primeiro sinal de deserto.
Neste contexto, a resposta do poder local, embora louvável, é manifestamente insuficiente. Transportes gratuitos, protocolos com os CTT ou tentativas de instalar caixas automáticas em freguesias com mais população são paliativos que não resolvem o problema de fundo: a exclusão financeira e digital de uma parte significativa do território nacional.
A ausência de multibancos é apenas a face visível de uma ausência maior: a de um país que prometeu estar mais próximo de todos, mas que continua a virar as costas ao Interior. Quando até o acesso ao dinheiro deixa de ser garantido, o que sobra? O silêncio. A distância. E a sensação, cada vez mais forte, de que por cá só se vive de promessas que nunca chegam.
Cátia Barreira, Diretora de Informação