Comunista dos quatro costados

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Qua, 17/08/2005 - 15:13


Nasceu em 1953 na freguesia de Terrugem, concelho de Elvas, mas há 30 anos que rumou a Trás-os-Montes e Alto Douro. É militante do PCP desde 29 de Abril de 1974, integrando o Comité Central a partir de 1995.

É coordenador da Direcção da Organização Regional de Bragança do PCP, tendo sido eleito para a Assembleia Municipal de Bragança, pela CDU, nos mandatos de 1997-2001 e 2001-2005.

Jornal NORDESTE (JN) – O que faz um alentejano em Bragança?
José Brinquete (JB) – A identidade de um cidadão é moldada pelo sítio onde nasceu e eu tenho muito orgulho do sítio onde nasci. Agora, se um individuo sai e passa por outros locais, a sua identidade também é formada por outros lugares e pessoas.
Costumo dizer que somos da terra onde vivemos e o meu destino levou-me a viver em Trás-os-Montes e Alto Douro nos últimos 30 anos, pelo que sou, também, desta região.
Os meus filhos foram aqui criados, foi aqui que fizeram a escola e é no local onde vivo que intervenho socialmente, culturalmente e politicamente. É pelo local onde vivo que luto, porque sou daqueles que acreditam que o Homem, se intervir, pode transformar o mundo, e para melhor.

JN – Como era viver no Alentejo antes do 25 de Abril?
JB – Eu só vivi no Alentejo até aos 14 anos. Depois fui para Lisboa, onde vivi até aos 21 anos. Com essa idade fui para o Alto Douro, mais propriamente para a Régua, Lamego e S. João da Pesqueira. Há 12 anos vim para Bragança e aqui estou.
Tenho excelentes recordações do Alentejo, onde tenho os meus pais e uma família de nove irmãos e muitos sobrinhos. Gosto imenso do Alentejo e das minhas raízes.

JN – É filho de operários agrícolas. Como viveu todas as lutas dos trabalhadores alentejanos pelos seus direitos?
JB – Desde que adquiri consciência política e social, mesmo antes de ser militante do PCP, que acreditei que os trabalhadores são um contributo fundamental na construção do Mundo. Felizmente, as sociedades têm progredido nesse sentido.
Saramago, na obra “Levantados do Chão” retrata bem a realidade do Alentejo até ao 25 de Abril. É um romance baseado em três gerações de operários agrícolas alentejanos, que começam no início do século XX e terminam no dia da Revolução de Abril. Provavelmente é necessário fazer um desafio a José Saramago, ou a outro escritor qualquer, para fazer um “Levantados do Chão”, mas a seguir ao 25 de Abril.
Aconselho todas as pessoas a lerem este romance, porque se ainda não o lerem estão a perder uma das grandes obras da literatura portuguesa.

JN – Entre 1971 e 1972 foi subchefe de Redacção do jornal Boa União. Que periódico é esse?
JB – É um jornal duma colectividade de Alfama, o bairro de Lisboa onde eu morava. Com 18 anos fui convidado a pertencer a duas secções dessa colectividade: a biblioteca, onde se ensinava esperanto (uma língua universalista que, na altura, era proibida pela PIDE) e a redacção do jornal da colectividade. No primeiro ano colaborei na elaboração do jornal e no segundo ano fui, de facto, subchefe e chefe de redacção, o que me proporcionou uma experiência bastante interessante para a idade.
Era um jornal que reflectia os problemas de um grande bairro que é Alfama. Em 1972 travámos uma grande luta para que um edifício da Companhia das Águas, que estava a cair aos bocados, fosse transformado em espaço público. Era um edifício nobre que, depois do 25 de Abril, chegou a ser centro de Trabalho do PCP e alberga, há cerca de 8 anos, o Museu do fado. Hoje é com grande gosto que constato que, 30 anos depois de ter participado na luta pela preservação desse edifício, a Câmara de Lisboa decidiu implantar ali o Museu do Fado, que vale a pena visitar.

JN – Onde estava no 25 de Abril de 1974?
JB – Estava no Grupo Nº 1 das Escolas da Marinha, em Vila Franca de Xira. De madrugada fui acordado por Capitães de Abril, que eu conhecia e eram meus amigos, que me convidaram a participar. Aderi de imediato ao Movimento das Forças Armadas (MFA) e fui dos militares que, nessa mesma madrugada, ocuparam a Escola da PIDE-DGS, em Benfica. Depois disso pertenci à Assembleia do MFA na Marinha e à Assembleia do MFA nos três ramos das Forças Armadas. Aí tive grandes responsabilidades, entre as quais a direcção do jornal “O Rumo”, que foi publicado durante um ano. Também fui realizador e produtor do programa de rádio “A Voz da Armada”, que tinha emissão nacional, através das antenas do antigo Rádio Clube Português.

JN – O PCP perdeu o seu líder histórico. Conheceu de perto Álvaro Cunhal?
JB – O Dr. Álvaro Cunhal, além de ser meu camarada, era também meu amigo. Travei com ele algumas lutas e, umas das últimas vezes que ele esteve em público, foi no Instituto Politécnico de Bragança, a apresentar o “A Arte, o Artista e a Sociedade”.
Foi a esta rádio que ele deu uma grande entrevista, uma coisa verdadeiramente histórica que deve ser bem guardada.
O Dr. Álvaro Cunhal participou no programa “O Canto do Espelho”, que Valentina Paiva, também já falecida, fazia nesta rádio. Era uma coisa intimista e ele aceitou responder a questões do foro pessoal, como as namoradas que teve e os melhores professores, entre outras coisas.
O que fica de Álvaro Cunhal é a imagem de um grande dirigente político nacional e mundial. É um homem que deixa vasta obra, que a direcção nacional do PCP está em condições de publicar na sua totalidade. É a melhor homenagem que lhe podemos prestar, porque o que vale no homem é a sua obra.

JN – É membro da Assembleia Municipal de Bragança desde 1997. Qual é o peso deste órgão na vida autárquica?
JB – As Assembleias Municipais já tiveram mais poderes do que têm hoje. Em 1982 e 1991, o PS e o PSD reformaram a Lei Autárquica e presidencializaram as Câmaras. Hoje, o presidente da Câmara é o homem que manda em tudo. Os vereadores são uma espécie de paus mandados, a não ser que haja presidentes - e ainda há alguns, felizmente – que atribuam pelouros e deleguem competências, efectivamente. Se não for assim, os vereadores só fazem o que o presidente da Câmara manda.
As Assembleias Municipais são uma tribuna muito importante, mas estão muito longe daquilo que eram logo a seguir ao 25 de Abril, quando podiam fazer propostas de alteração ao Plano de Actividades e Orçamento das Câmaras Municipais. Hoje, as Assembleias só votam contra ou a favor as propostas da Câmara.
No que toca à CDU, temos aproveitado para apresentar diversas propostas na Assembleia Municipal de Bragança, que têm sido aprovadas por maioria ou unanimidade.

Entrevista de Marcolino Cepeda, Rui Mouta e Mara Cepeda