“Estou certa que estamos longe de uma participação das mulheres nos órgãos de decisão”

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Qua, 10/03/2021 - 15:48


Como mulher de sucesso e influente na região, Aida Carvalho falou ao Jornal Nordeste das suas conquistas, das lutas das mulheres e das potencialidades da região. Tem 47 anos e nasceu em Barcelos, mas cresceu em Viana do Castelo. Metade da sua vida foi passada entre Lisboa e a região, em Mirandela, enquanto professora e investigadora do IPB. É agora presidente da Fundação Côa Parque

Foi professora, investigadora… Alguma vez conseguiu imaginar que iria alcançar o que já alcançou?

Quando vamos construindo uma carreira, vamos construindo passo a passo, portanto não temos um objectivo muito específico, vamos aproveitando as oportunidades e na verdade não tinha teto. À medida que as oportunidades iam surgindo, eu ia naturalmente aproveitando.

A família tem um papel importante para conseguir concretizar estes sonhos?

Eu acho que a família é a base de tudo. A família é o nosso suporte familiar, o nosso maior porto de abrigo e, por isso, quando abraçamos um projecto com esta natureza (direcção da Fundação Côa Parque), os primeiro que têm que estar de acordo com a nossa tomada de decisão é a família, porque na verdade serão sempre eles os mais prejudicados pelas ausências. A família tem que estar de acordo com toda estratégia e tomada de decisão e, no meu caso, sou uma privilegiada, porque tenho uma excelente retaguarda familiar. Eu tenho três filhos e tenho um marido que apoia incondicionalmente todas as minhas opções.

O sucesso assusta-a? Sente pressão da sociedade por ser mulher?

Não. Eu tenho o privilégio de ter uma boa capacidade de análise e esta questão da pressão, confesso que não a sinto e não percebo exactamente do que falam. Eu consigo gerir muito bem estas emoções, porque nós temos na nossa família o nosso maior porto de abrigo, portanto sabemos que temos aquela retaguarda e que temos que ser íntegros e, portanto, parece-me que se tivermos base seguras conseguimos conciliar perfeitamente a vida pessoal com a profissional.

Qual é a sua maior motivação para querer sempre mais?

Eu sou uma apaixonada por aquilo que faço. Se me perguntar se coloco a meta seguinte, não, eu estou por inteiro e por uma paixão enorme na actual função e depois naturalmente o reconhecimento e o mérito aparece. Confesso que sou uma apaixonada pela minha profissão. Eu fui guia intérprete do Parque Ecológico do Vale do Côa, na altura da sua criação, estive cinco anos na função de guia e fui profundamente feliz. Depois fui para o Instituto Politécnico de Bragança, através de um concurso, e durante 20 anos vesti a camisola do IPB e também fui profundamente feliz. Agora surgiu o convite para integrar o Conselho Directivo da Fundação Côa Parque e também estou certa que serei profundamente feliz a exercer essas funções.

E como é que se vê à frente da Fundação Côa Parque?

Assumi as funções há uma semana, portanto estou numa fase de leitura de dossiers e sinto-me muito confortável. Tenho noção que herdei um legado muito importante do meu antecessor, que fez um trabalho importantíssimos de cooperação com as redes nacionais e internacionais e, portanto, eu darei continuidade a esse legado. Irei, naturalmente, porque a sociedade é dinâmica e surgirão novas oportunidades, irei deixar o meu cunho pessoal, potenciar todo o território e estou muito feliz a ocupar este cargo.

Há estudos que mostram que as mulheres investem mais na formação académica para conseguirem chegar a uma posição ocupada por um homem. Na área da investigação também sentiu isso?

É verdade que de facto que estudos apontam que há aqui alguns desafios às mulheres. Na verdade eu nunca senti essa discriminação na questão da investigação. Os concursos, as equipas ou os projectos regem-se por critérios transparentes, nomeadamente através da análise curricular e de acordo do número de artigos publicados, e esta questão é muito objectiva. Os critérios são conhecidos e independentemente do género o resultado do concurso ou do projecto é justamente o somatório desses critérios.

Por exemplo, a nível académico… à frente das Universidades e Politécnicos estão sempre homens, vê-se muito poucas mulheres. Esse é um dos exemplos?

Exactamente. Aliás, nós sabemos que apenas 13% das mulheres ocupam cargos de chefia nas instituições de ensino superior em Portugal. Mas quero deixar aqui a nota que em relação à Fundação Côa Parque nós temos uma situação particular. O corpo directivo é constituído por quatro membros, sendo que três são mulheres e um é homem e nomeadamente quem preside é uma mulher. Toda a fundação, no conjunto alargado de colaboradores, nós temos 23 mulheres e 14 homens, portanto damos um sinal claro à sociedade que é possível através do contributo das mulheres projectar uma instituição.

Mas as mulheres ainda têm que fazer um trabalho para conseguirem chegar onde querem chegar? Apesar de não ser como há uns anos atrás, nem sequer há comparação, ainda há aqui uma luta?

O caso da Fundação Côa Parque é um sinal positivo, mas eu estou certa que estamos longe de uma participação das mulheres nos órgãos de decisão. Eu penso que ainda há alguns estereótipos na sociedade que é importante diminuir e que as mulheres têm aqui um desafio enorme e que deverão dar o seu contributo positivo para esbater este preconceito. Aliás, eu acho que é muito importante para as mulheres criar uma rede networking que lhes sirva de suporta à ascensão, porque, na verdade, os homens têm esse privilégio. Eles naturalmente têm esta rede de networking que depois vão utilizando ao longo das várias fases da sua vida.

Mas já há espaço na sociedade para a mulher brilhar?

Eu penso que há muito espaço para as mulheres brilharem, porque nós estamos num mundo complexo na tomada de decisão e as decisões precisam de ser abrangentes, criativas, muito pro-activas e para isso precisamos de uma diversidade de perspectivas e termos os melhores em posições de decisão. Se os melhores forem as mulheres, então é altura de agarrar o momento e a oportunidade.

20 anos docente e investigadora no IPB, agora presidente da Fundação Côa Parque. Que bagagem é que lhe traz a vida profissional para a vida pessoal?

Eu diria que a minha vida pessoal e a minha vida profissional dão input uma à outra. Eu não sei se é a profissional que dá à pessoal ou se é a pessoal à profissional, porque na verdade gerir uma família com três filhos não é tarefa fácil. Em termos profissional, eu sempre tive o privilégio de trabalhar com grandes equipas e eu acho que a cooperação é talvez o sinal mais positivo desta minha bagagem enquanto docente/investigadora. A capacidade de criar pontes, ser facilitadores e trabalhar sempre em parceria e delegar, perceber que é importante delegar em quem confiamos, e isso conduz-nos ao sucesso, sem dúvida alguma. Sempre na perspectiva de que o sucesso individual é o sucesso colectivo e o sucesso colectivo é também o sucesso individual.

Deixou a investigação e o ensino de parte. Pretende no futuro voltar?

Claro que sim. Eu acho que quando nós optamos por uma carreira ligada ao ensino superior isso marca- -nos muito, molda-nos muito a maneira de ser e, portanto, eu estou consciente que isto tem um mandato, de 5 anos, e quando terminar eu irei voltar ao ensino e à investigação. Aliás, nestas funções irei manter uma colaboração com o IPB e também com o Centro de Investigação Inovação e Desenvolvimento em Turismo, porque é muito importante nós termos esta perspectiva das diferentes dimensões, até mesmo para a tomada de decisão enquanto membro do Conselho Directivo da Fundação Côa Parque. A fundação trabalha muito em articulação com as instituições de ensino superior e com os centros de investigação e terei todo o prazer em manter todas essas colaborações.

Então vai haver sempre uma ligação ao Instituto Politécnico de Bragança?

Exactamente, até porque a fundação é uma instituição ancora no território e que trabalhará com todos os agentes do território, nomeadamente o IPB, bem como outras instituições de ensino superior na região. A

Aida não é da região, mas foi aqui que fez grande parte da sua carreira. Já se sente filha da terra?

Naturalmente. Eu tenho mais de interior do que litoral. Eu sinto-me claramente da região do interior. Eu conheço muito bem esta região. Eu trabalhei e dediquei toda a minha investigação para este território, que conheço bem. Conheço as gentes locais, regionais e, portanto, sinto-me muito confortável nesta região.

E o que é que nos pode dizer sobre a região?

A região tem muitas potencialidades e muitas oportunidades. Nós precisamos de as agarrar. É óbvio que estamos a falar de um território com algumas desigualdades, é um território frágil do ponto de vista económico e social, mas quer do ponto de vista do património cultural quer do ponto de vista do património natural, tem muitas oportunidades e é nessa esfera de acção que acho que nos devemos posicionar. É potenciar todos os recursos naturais e culturais do território.

Mas considera que é difícil potenciar esses recursos?

Eu penso que nós antes da pandemia estávamos numa perspectiva muito optimista, até porque a actividade turística estava em franco desenvolvimento no território e isso iria ter consequências noutras áreas. Estávamos num processo de crescimento, mas com a pandemia toda a cadeia de turismo foi gravemente afectada. Eu estou certa que depois de vencermos esta pandemia toda a cadeia se vai reposicionar e mais do que isso, vai-se reforçar e, portanto, creio que nós, em breve, vamos ter um novo território. Até porque se percebeu, que os territórios de baixa densidade são um lugar perfeitamente possível para desenvolver toda esta actividade turística. Um exemplo é a Fundação Côa Parque que teve dos melhores desempenhos nos meses de Verão de 2020. Melhores desempenhos em termos de entradas que, por exemplo, alguns equipamentos culturais localizados no litoral. Isso é um sinal muito positivo de que estamos num bom caminho.

E há maneira de inverter a tendência das pessoas preferirem o litoral? A tranquilidade substitui algumas falhas ligadas, por exemplo, à saúde e ao ensino?

A segurança é um bem muito valioso. A tranquilidade, os espaços verdes, a liberdade, percebemos, com esta pandemia, que tem valores incomensuráveis e, portanto, eu penso que quando sairmos desta pandemia todo o território do interior será visto numa outra perspectiva.

Jornalista: 
Ângela Pais