Histórias de pobreza à beira da cidade

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Ter, 09/08/2005 - 15:45


Em pleno século XXI ainda há pessoas no concelho de Bragança que vivem abaixo do limiar da pobreza. As magras reformas não chegam para fazer face a todas as despesas e as condições de habitabilidade estão longe de ser aceitáveis.

Para tentar minimizar estes problemas, dois voluntários da delegação de Bragança da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) percorrem os trilhos do Mundo Rural e levam à população mais carenciada géneros alimentares, que são muito bem recebidos pelas famílias.
No passado sábado, a carrinha da CVP partiu de Bragança carregada de alimentos, para ir ao encontro daqueles que precisam da sua ajuda. O Jornal NORDESTE acompanhou esta viagem e encontrou verdadeiros testemunhos de pobreza.
Os voluntários responsáveis por esta missão foram Elsa Bornes e Milton Roque, que, depois de terem percorrido alguns quilómetros, fizeram a sua primeira paragem na Quinta de Vale de Prados.
Nesta aldeia, situada mesmo ao lado do IP4, mas bem longe dos avanços tecnológicos, encontrámos dois idosos. Este casal, que já não tem condições para trabalhar, vive numa habitação onde a casa de banho é, apenas, uma miragem. Como se isso não bastasse, ainda têm a seu cargo dois filhos, que são deficientes mentais e, por vezes, tornam-se agressivos com os pais.
Em Milhão, os traços da pobreza também são bem visíveis. Contudo, os “rostos” deste problema preferem permanecer no anonimato.
Quando a carrinha da CVP pára na aldeia, Ana, nome fictício, e os seus netos já se encontram à espera da ajuda da instituição.
Esta popular tem a tristeza bem estampada no rosto e conta que a ajuda levada por estes voluntários é preciosa. “Somos seis pessoas em casa, entre filhos e netos, e vivemos com uma reforma de 150 euros, que não chega para nada”, lamenta Ana.

Voluntários levam
uma palavra amiga

Para além da pobreza, os problemas sociais também estão alojados no seio de muitas destas famílias. Por isso, os voluntários da CVP, além de alimentos, procuram dar um pouco de atenção e carinho àqueles que mais precisam.
“Há muitas pessoas que vivem sozinhas e sentem-se mais à vontade para desabafar e falar das suas dificuldades, com pessoas que não pertencem ao meio do que com os vizinhos. Muitas vezes escondem a realidade em que vivem por vergonha”, salienta o voluntário e coordenador da Juventude da CVP, Milton Roque.
Apesar das dificuldades, esta instituição vai tentar pôr em prática um projecto com um grupo de jovens voluntários, para percorrerem as aldeias do concelho de Bragança e ouvirem os idosos. No futuro esses testemunhos podem ser transcritos para um livro, que retrate as memórias do Mundo Rural.
Na região da Lombada, mais propriamente na aldeia de S. Julião de Palácios, encontramos mais uma família carenciada. Nesta casa, os problemas agravaram-se desde a última vez que os voluntários passaram por aqui, pelo que um dos membros da família fala das suas preocupações.
José, também nome fictício, conta aos voluntários que a mulher está bastante doente, ao mesmo tempo que agradece os alimentos recebidos, que considera uma “ajuda muito boa”.
A par deste problema, José fala, ainda, das más condições da sua habitação. “A casa precisa de obras, uma parte do telhado já ameaça ruir, mas não há dinheiro…somos sete pessoas em casa, duas filhas estão a estudar, e vivemos com 150 euros de reforma”, sublinha.

Pobreza escondida
entre quatro paredes

A esposa lamenta, ainda, o facto de muitas vezes os filhos lhe pedirem mais leite e não o ter para lho dar. “O que nos vale é uma tia das meninas gostar delas e tentar ajudá-las como pode”, suspira.
Por isso, estão a pensar pedir ajuda à Segurança Social, para serem apoiados com uma pensão social, mas a informação sobre este procedimento é escassa e a família mostra-se revoltada com a situação.
Os problemas de pobreza não se ficam por aqui e a carrinha da CVP segue viagem rumo à aldeia de Gimonde, que, apesar de ficar a poucos quilómetros de Bragança, é aquela onde há mais famílias a receberem ajuda.
Aqui encontramos a D. Alice, igualmente nome fictício, e o marido, que não dispensam os cumprimentos de Elsa Bornes e Milton Roque.
Esta habitante de Gimonde tem 66 anos e vive a braços com graves problemas de saúde. “O que mais me aflige é o coração e o estômago”, suspira. O marido, 13 anos mais velho, também tem que partilhar o dia-a-dia com os medicamentos necessários para o alívio das dores do ‘ácido úrico’.
Este casal vive numa habitação emprestada, porque um dos filhos hipotecou-lhe a sua casa. Acresce que o valor da reforma é baixo e metade do dinheiro é gasto só em medicamentos.

Comprar o pão fiado

“Às vezes vamos comprando uma fruta, mas estamos sempre à espera que a Cruz Vermelha nos traga alguma mercearia, porque nós somos pobres”, enfatiza a D. Alice.
Mais à frente, a D. Ermelinda, também nome fictício, vive com o marido e sofre do mesmo problema. A reforma é pequena e grande parte do dinheiro é gasto em medicamentos.
“Muitas vezes chegamos ao fim do mês com as mãos limpas. Agora precisávamos de um tractor de lenha para nos aquecermos no Inverno, mas não temos dinheiro…Os filhos trabalham muito, mas precisam do dinheiro para governarem a casa deles”, afirma a D. Ermelinda, com a tristeza estampada no rosto.
Já a D. Maria teve que vender um pedaço de terra para compor a casa. Apesar de ter dois filhos, que já trabalham, acabam por não ajudar a mãe nas horas mais difíceis. As despesas são cada vez mais, já que agora a água é mais uma despesa com que tem de contar no final do mês.
“Precisava de uma bilha de gás e não tenho dinheiro para a comprar. Esta semana comprei uma saca de batatas e o dinheiro acabou, tive que ir buscar o pão fiado…”, lamenta esta popular.
Ainda em Gimonde encontramos a tia Maria que se mostrou indignada com o facto de ter sido assaltada. Esta idosa vive sozinha e costumava guardar o dinheiro da reforma em casa, mas os larápios não perderam tempo e levaram-lhe os únicos euros que tinha.
Por isso, os alimentos que recebeu da CVP vieram mesmo na hora certa para confortar esta transmontana a quem a sorte não sorriu.

Casas sem condições

O drama da pobreza foi, ainda, encontrado numa casa mais adiante, onde as condições de habitabilidade são difíceis de conceber em pleno século XXI. Nesta habitação, com apenas duas divisões, a água infiltra-se através do tecto e das paredes frágeis e o soalho já está a apodrecer.
Esta missão terminou na aldeia de Aveleda, onde os voluntários se deslocaram para apoiar uma jovem mãe solteira. Em casa estavam, apenas, os familiares que tentavam esconder a ajuda dos olhares dos vizinhos.
Contudo, o apoio desta instituição não fica por aqui. As aldeias de Alfaião, Terroso, Parada e Macedo do Mato também recebem a visita dos voluntários.
Em Alfaião, mais propriamente na Quinta dos Banhos, a pobreza e as más condições de habitabilidade também estão bem marcadas. Neste local isolado do resto da povoação, vive uma família composta por nove pessoas, que não sabe o que é a luz eléctrica e não tem saneamento básico, pelo que a ajuda da CVP é, apenas, uma “esmola”.
Dada a realidade encontrada no terreno, Milton Roque considera “inadmissível que haja pessoas a passar fome, num País onde só se fala em construir aeroportos”.
Esta instituição tenta apoiar os mais carenciados naquilo que pode e, além dos alimentos, ainda dá roupa e empresta cadeiras de rodas, canadianas e camas articuladas, aos mais necessitados.
Por detrás deste trabalho existe uma equipa que se esforça para que as ajudas cheguem a um maior número de pessoas. Neste momento, existem mais de 20 famílias, no concelho de Bragança, a receber auxílio da CVP.
No entanto, as dificuldades financeiras são a principal barreira desta instituição, que procura ajudar as pessoas com os donativos que chegam às suas instalações e aqueles que são obtidos nos peditórios, pelo que os voluntários apelam à solidariedade das pessoas.