Mulheres dos nossos dias

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Qua, 10/03/2021 - 15:55


Quatro mulheres, das nossas terras, ou que as escolheram para viver, relatam a doce aventura de não baixar os braços, independentemente dos rótulos, das dificuldades e dos preconceitos

Celebrou-se, na passada segunda-feira, o Dia Internacional da Mulher. Anualmente, no dia 8 de Março, a celebração acontece em dezenas de países. Uma data que as Nações Unidas instituíram em 1975, como um assinalar de direitos femininos. Bem, ser-se mulher, está claro, que noutros tempos, era um sem fim de obrigações e limitações. Ao longo do tempo, várias ideias mudaram. Se estamos longe ou até muito perto do que é tido por desejável, no que toca a igualdades, isso depende de quem interpreta a questão, do ponto geográfico em que nos encontramos e do que cada uma vive, passa e sente para ser mulher.

A menina dança

Luísa Correia tem 31 anos. Nasceu em Mirandela e estudou Psicologia, em Coimbra. Depois da formação académica, por força do destino, rumou a Lisboa para estagiar, mas, na verdade, antes de lá chegar, era já a cidade que tinha escolhido para um dia viver. Conhecem a típica pergunta “a menina dança?”. Bem, a Luísa não precisa que lha façam. Ela dança mesmo. Dança, acima de tudo, por paixão. Quando chegou à capital, em jeito de explorar a cidade, encontrou o Lisbon Tattoo Rock Fest, um evento que juntava alguns gostos que tinha e tem: tatuagens e piercings. Deslumbrada com a moda alternativa, Luísa decidiu participar num concurso do festival, em que tinha que se vestir de pin up, e as saias rodadas que tanto caracterizam estas mulheres não lhe faltavam no armário. Ganhou o concurso que como prémio lhe valeu a primeira tatuagem, entre as várias com que agora já conta. Cada vez mais fascinada por tempos e estilos já vividos, a partir daí, a jovem não conseguiu parar de querer saber mais e foi nessas demandas pelo saber que encontrou o burlesco. Também conhecida como Louise L'Amour, a jovem mirandelense está em Lisboa a quebrar rótulos e ideias pré- -feitas que há com esta arte. Não nos podemos esquecer que o burlesco, que junta vários elementos de paródia, sátira e caricatura, é um verdadeiro espectáculo de variedades, que normalmente acontecia em cabarés, voltando para a comédia erótica e strip tease. Contudo, com a banalização da prostituição, finda a ditadura de Salazar, os espaços em que estes shows aconteciam começaram a servir também para os prazeres nocturnos e as coisas acabaram por se confundir. “Ainda há um caminho de educação do público que tem que se fazer. Temos uma grande tradição de cabaré mas as pessoas esqueceram-se do que isto é”, explicou Luísa, que acredita que “no fundo este preconceito tem a ver com ignorância”. A bailarina começou por actuar apenas num espaço, no Cais do Sodré, mas foi ganhando terreno e conquistando palcos. Bastou começar que as propostas logo vieram. Veja-se que, antes mesmo da pandemia nos rebentar nas mãos, apenas 20% do que fazia era por Portugal. Agora, vale-lhe uma associação, a Grande Cabaré Lisboa, que ajudou a fundar, há quatro anos. “Queríamos produzir os nossos próprios espectáculos e ajudar os artistas da área, mas fazer em nome individual era complicado”, vincou a artista sobre esta associação, através da qual muitos espectáculos têm sido marcados pelo país, já que não convém sair dele, por força das circunstâncias. Por agora, Luísa sonha trazer de novo o cabaré ao mainstream, retirando-o da “cave” e colocando-o nos teatros e restaurantes, onde seja apreciado pelo que é, sem estigmas. Uma vida carregada de aceitação, onde o preconceito não cabe nem ocupa espaço. “É isto que me dá muito gozo. Estou a mudar mentalidades e é muito bom, motiva-me a fazer mais”, assinalou, lembrando que, ainda assim, “é difícil” ser artista em Portugal. “É muito complicado mas vou sempre conjugando com outras coisas, tudo relacionado com o burlesco, entre aulas, workshops e até mesmo concepção de figurinos”, terminou.

Vida sobre rodas

Dos palcos é tempo de ir até aos camiões, onde Carla Rodrigues passa a maior parte do tempo. Com 34 anos, natural de Negreda, no concelho de Vinhais, é uma das poucas camionistas, a tempo inteiro, que há na Espanha, onde decidiu trabalhar, desde muito tenra idade. Carla Rodrigues trabalhou vários anos num restaurante, mas não queria passar muito mais tempo por ali e foi assim que mudou de vida até porque sempre sonhou com camiões. “Há cinco anos decidi ir a Portugal tirar a carta de pesados para começar a trabalhar. Com 29 anos subi ao camião e nunca mais baixei”, contou a emigrante, que com 19 anos deixou o país, procurando uma vida mais desafogada. Mas preconceito, existe ou não? Carla, que hoje em dia tem uma empresa de transporte de veículos, juntamente com o marido, admite que nada disto a perturba. “Quando tirei a carta era a única mulher que lá andava”, relembra, dizendo que, por vezes, existem olhares, mas que no trabalho é tratada da mesma forma que os homens. Habituada a vir visitar os familiares duas vezes por ano, Carla costuma fazer várias viagens de trabalho com o marido e, a partir de Espanha, passa por diversos países, nomeadamente Portugal, França, Bélgica, Hungria, Áustria, República Checa e Roménia. “Gosto muito do que faço mas é complicado porque às vezes é preciso ficar fora alguns fins-de-semana”, explicou, assegurando que tem o companheiro presente, na maioria da vezes, mas lembrando que o primeiro ano internacional o fez sozinha e nem por isso sonhou desistir uma vez que fosse. E se o marido está “contente” e “tranquilo” a preocupação também não há-de vir de fora. “Olham para mim com admiração, mas ainda somos poucas”, assinalou.

Mulher dos martelos e dos mil ofícios

Marisa Rodrigues chegou à capital do nosso distrito em 2000 e por cá ficou. Veio por causa dos estudos, havia ingressado no Instituto Politécnico de Bragança. Formou-se em Engenharia Ambiental e trabalhou, durante 12 anos, no Centro de Ciência Viva. Embora o trabalho fosse “muito diverso”, as paixões antigas ditaram um novo caminho: a construção civil. “Desde pequena que gosto muito de trabalhos manuais e de ver como se fazem as coisas. O meu pai era carpinteiro e eu andava sempre atrás dele, com os martelos, as serras, as lixas e as tintas na mão. Aquilo sempre me chamou à atenção”, clarificou Marisa, que trabalha numa empresa de obras, reparações e instalações necessárias em imóveis. Natural de Vila Pouca de Aguiar, no distrito de Vila Real, Marisa Rodrigues é uma verdadeira “faz tudo”. “Vou ao cliente e vejo o que quer, em termos de remodelação. Depois, no escritório, desenho tudo em 3D, vejo o material que se pode usar, preparo a obra, com a equipa, e vou também para o terreno”, explicou, avançando que nada lhe mete medo, até porque mesmo antes de trabalhar onde trabalha já tinha remodelado o apartamento todo onde vive e ajudou o companheiro a reconstruir o espaço onde este quis pôr de pé, uma funerária. No que toca a falatórios ou olhares pouco meigos... pouco importa. “Acho que até trabalho melhor que um homem porque as mulheres tem sempre outro sentido. A força física é o que às vezes me falta, mas eu ponho sanitas, torneiras, placas de pladur, etc. Faço tudo e gosto muito de aprender coisas novas. Se não conseguir tudo bem, mas tento sempre”, assinalou, esclarecendo que a equipa com que trabalha, seis homens, a ajuda e apoia naquilo que é preciso. “Ajudamo-nos mutuamente. No começo tive medo, mas foi totalmente o contrario daquilo que eu pensava. A equipa é muito boa e quando tenho que dizer que as coisas não estão bem, eu digo”, frisou ainda. Hoje em dia já são várias as mulheres que trabalham em construção civil, que carregam sacos e baldes de cimento, que tratam os tijolos por tu, que são encarregadas de obra, engenheiras, arquitectas. Mas o caminho faz- -se caminhando e não é fácil. “Penso que isto varia por zonas porque há locais em que as mentalidades são outras”, terminou Marisa Rodrigues, uma verdadeira empreendedora que não diz não ao trabalho, tendo já criado uma marca de sofás e camas para gatos, a “Amora”, uma linha de vestidos para defuntas, já que os que o companheiro tem na funerária eram “sem gracinha nenhuma”, e que ainda dedica tempo à produção de sabonetes, velas e cosméticos.

De empregada a patroa

De facto, há determinadas profissões que exigem mais de uma mulher, sobretudo aquelas que a sociedade associa, mais facilmente, a trabalho de homem. Ainda assim, não é só por aqui que as barreiras das mulheres se ficam. Normalmente, as empreendedoras e que erguem negócios de sucesso também se vêem obrigadas a passar por algumas dificuldades, pois, nem sempre, surgem as vozes de força e os aplausos que assinalam o mérito, o esforço, a garra. Ana Costa nasceu em Angola mas veio para Portugal, ainda bem pequena, tinha dois anos de idade. Esta mulher é um dos verdadeiros exemplos de resiliência e de tornar reais as ideias com que se sonha. Com 48 anos, Ana Costa trabalha há mais de 30 na área, 15 como funcionária, numa empresa, e outros 15 como patroa. É a responsável pela Mimos Pizza, um restaurante bem conhecido por Bragança e um dos espaços mais forte em termos de distribuição de comida. “A marca foi criada por mim. Tive uma loja em Santa Maria da Feira, a ideia nasceu lá. Transformei uma antiga marca em Mimos Pizza e depois passei para Paredes. Logo a seguir abri em Bragança e depois em Viseu”, explicou Ana Costa, que a seu cargo, entre estes três últimos restaurantes, sendo que o primeiro já não existe, tem 50 empregados. Em Bragança, a Mimos Pizza faz parte do panorama da restauração há dez anos e é um verdadeiro sucesso. “Programamos isto para uma equipa de cinco pessoas e, hoje em dia, temos 20. No dia que abrimos fizemos uma fila de quase uma hora”, esclareceu Ana Costa, sobre este “negócio rentável, que sempre foi evoluindo”. A empreendedora, no que toca a preconceito, nunca sentiu olhares de discriminação. “Eu não tive nenhum tipo de problema nem nenhum obstáculo por ser mulher. As pessoas ficavam muito admiradas quando chegavam e perguntavam pelo patrão e eu dizia que não era patrão, era patroa!”, afirmou, dizendo lidar “muito bem” com tudo isto e que quem com ela se cruza a admira e apoia. Considerando existir cada vez menos preconceito, Ana admite que “as pessoas admiram ver as mulheres independentes com negócios sozinhas”. “Um senhor, avô de uma funcionária, com 80 anos, chegou a perguntar-me como é que eu era capaz, sendo mulher e não tendo marido, ter tanta força para isto”, terminou, deixando assente que nada se consegue sem se sonhar e ter força de vontade.

Jornalista: 
Carina Alves