“O que pode salvar a língua mirandesa é o compromisso político das autoridades nacionais e locais”

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Ter, 28/02/2023 - 10:31


A língua mirandesa pode desaparecer dentro de 20 anos. É a conclusão do estudo “Persente i feturo de la lhéngua mirandesa”, feito pela Universidade de Vigo, em Espanha, com o apoio da Associação da Língua Mirandesa. Começou em 2020 e foram entrevistadas 315 pessoas de Miranda do Douro. Xosé-Henrique Costas, responsável pela investigação, falou ao Jornal Nordeste sobre as principais conclusões e apresentou soluções para a salvação da língua

Qual é que foi a principal conclusão deste estudo, que pelo percebi não foi de todo feliz?

Não pode ser feliz quando os dados do estudo dizem que o Mirandês pode desaparecer nos próximos 20 ou 30 anos. Pode acontecer por duas coisas, porque há uma queda brutal do uso da língua. Entre as gerações maiores o uso da língua está por volta dos 70 ou 80% e na geração dos mais novos está nos 2%. Há 1 ou 2% de falantes com menos de 18 anos. Assim a língua não tem um futuro garantido, o seu desaparecimento é imediato.

Isso quer dizer que os jovens não estão a usar a língua…

Não estão a utilizá-la, mas não é culpa dos jovens. Não vamos colocar a carga toda na mochila dos jovens. Eles simplesmente vêem que a língua não é útil, porque as circunstâncias políticas, administrativas, não valorizam a língua, não se vê a língua como um tesouro, não só patrimonial, mas também económico. Eu, como professor da Universidade de Vigo, vou frequentemente a Miranda do Douro, porque tem uma língua especial, diferente. Não vou a Mogadouro, Vinhais ou a Vila Real, até posso passar, mas o que me chama atenção em Miranda é a paisagem linguística, as placas das ruas, quero escutar a língua, quero aprender coisas dela, quero ver coincidências com a minha, seja por ser linguístico, seja por ser curioso. É um valor económico importante, porque eu compro música mirandesa, pela qualidade, mas porque me chama à atenção que uma comunidade tão pequena tenha uma produção tão excelente. Eu digo sempre, “Ars Vivendi Ars Moriendi” de Amadeu Ferreira, pseudónimo Francisco Niebro, é possivelmente um dos melhores livros de poemas que se fizeram na Península Ibérica no último século. Agora o turismo de sol e praia já não é um turismo que chama à atenção, o que deixa valor acrescentando é o turismo cultural e Miranda do Douro tem um potencial muito muito grande. Portugal não sabe valorizar essa riqueza.

Para salvar a língua mirandesa é preciso tomar já medidas?

Urgentemente. Portugal assinou o ano passado a Carta Europeia para as Línguas Regionais ou Minoritárias, mas não acaba de rectificar essa assinatura. Enquanto isso terá que elaborar uma Lei do Mirandês, que o Mirandês não seja só uma matéria opcional nas escolas, mas que nas escolas se possa dar várias matérias em língua mirandesa. Que o Mirandês sirva para criar vagas públicas, vagas de trabalho, que seja preferência o conhecimento da língua para todo o tipo de trabalhos. Que se veja que o Governo português valoriza o conhecimento e o uso do Mirandês, e potenciar com campanhas de sensibilização, isso é algo que não se está a fazer. Por exemplo, Espanha e Portugal estão há 30 anos a potenciar a recuperação do Lince Ibérico, que estava a ponto de desaparecer e hoje já há para lá de mil e muitos exemplares. Em 30 anos, salvou-se o Lince Ibérico. Investiram-se 70 milhões de euros. Por isso, Portugal está obrigado a salvar o Mirandês. Não por Miranda, não por Portugal, mas pela humanidade.

O que é que levou as pessoas a deixarem de usar o Mirandês?

Isso é um processo histórico em que o Mirandês sempre foi estereotipado como língua dos camponeses, como língua dos pastores. O português era o falar fidalgo, era o falar das pessoas que foram escolarizadas e ricas e então havia essa distribuição social e toda a gente quer melhorar socialmente e uma das maneiras era abandonar a língua, abandonar tudo aquilo que relacione com o passado de pobreza ou com um passado de não modernidade. Havia essa dicotomia, Português língua da modernidade, Mirandês língua do atraso. Em algumas povoações essa dicotomia não se conseguiu superar. Depois a introdução que se fez do Mirandês nas escolas foi um placebo, porque uma ou duas horas da semana para aprender uma língua menorizada não é nada, tem que ser pelo menos metade da adolescência na língua. Se se quer salvar a língua há que se comprometer a sério e o compromisso a sério tem que ser do aluno, dos pais do aluno, da classe política sobretudo, que é quem tem que tomar medidas e aprovar os orçamentos necessários. O que pode salvar a língua mirandesa é o compromisso político das autoridades nacionais, regionais e locais.

A língua mirandesa nem sequer tem manuais…

Depois de 20 anos de docência não tem manuais para o ensino e isso é um índice claro da precariedade em que foi ministrado o ensino do mirandês durante este tempo. Nem tem vagas para professores ou os professores que dão Mirandês não são especialistas em Mirandês, são professores que sabem falar, mas não receberam a formação específica para serem professores de Mirandês. Não há cursos para administrativas, para médicos, para juízes, para pessoal que vai trabalhar em Miranda. Que ninguém tenha que dizer em Miranda ‘falem em Português porque eu não percebo Mirandês’. Que ninguém se veja obrigado a que mudar de língua, porque uma pessoa de fora que trabalha ali não entende. Porque, às vezes, as pessoas de fora que trabalham ali funcionam como agentes de ‘desmanderização’, de retirada da língua, porque dizem que não percebem e toda a gente passa a falar em português. Isso são campanhas de pedagogia social, nas escolas, nas associações. Há muito trabalho por fazer, se não a coisa vai-se.

Falou da Lei do Mirandês. O que isso significa?

Todas as línguas minoritárias que queiram sobreviver têm que ter uma lei de protecção. Na Galiza, por exemplo, temos a Lei da Normalização Linguística do Galego desde 1983. Na Catalunha têm a sua, os Bascos têm a sua, inclusive os asturianos têm uma lei de uso e protecção do Asturiano. Isto é algo que devia ser obrigatório com a assinatura da Carta Europeia. Portugal na Carta Europeia compromete- -se a uma série de desafios, compromete-se na escola, no mundo da justiça, no mundo da administração, no mundo do comércio, da indústria, etc, para que o Mirandês não seja discriminado. Portugal tem que fazer uma lei, porque o despacho ministerial de 1999 não vale, é um despacho que é muito difuso. Não especifica quantas horas, quantas matérias, é uma coisa muito difuso, por isso há que dizer que apesar de as pessoas dizerem que o Mirandês é oficial, não é, porque se fosse não estaríamos como estamos agora. O Mirandês está unicamente reconhecido oficialmente.

Quando iniciou este estudo?

Iniciamos em Março de 2020. Entrevistamos 315 pessoas de Miranda do Douro, aproximadamente 5% da população mirandesa. As conclusões mais importantes são, primeiro, o Mirandês corre o risco gravíssimo de desaparecer, segundo, as pessoas querem o Mirandês, as atitudes das pessoas são muito positivas para a oficializar, mais de 90% está de acordo que a língua esteja em absolutamente tudo.

Jornalista: 
Ângela Pais