Possível exploração de volfrâmio e estanho em Calabor gera preocupação entre portugueses e espanhóis

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Ter, 25/08/2020 - 10:19


Em Calabor, Pedralba de la Pradería, Espanha, poderá ser iniciada uma exploração de volfrâmio e estanho a céu aberto.

As minas de Valtreixal ficarão a cerca de 5 Km da fronteira com Portugal, mais concretamente do concelho de Bragança, e estão situadas na Rede Natura 2000. Até sexta-feira esteve em consulta pública, em Portugal, o impacto ambiental que poderá causar esta exploração e várias entidades já emitiram parecer negativo. A câmara de Bragança também emitiu o seu parecer e considerou que o projecto deve ser “revisto”, mas também as avaliações dos impactos ambientais que podem vir a ser causados pela exploração mineira. Segundo o presidente do município, não foram tidos em conta “os reais efeitos da redução de caudais nas linhas de água transfronteiriças” e os impactos e transporte de sedimentos no rio Pepim, situado na Aveleda. “Não há qualquer referência a potenciais impactos associados a qualquer contaminação que aconteça numa situação de derrame nesta linha de água. Este poderá ser até o problema mais grave e terá que ser acautelado”, sublinhou Hernâni Dias, acrescentando que, desta forma, não podiam “concordar com esta situação” e, por isso, o município reprovou o projecto. O autarca salientou ainda que esta contestação poderá ser enviada para as entidades competentes nacionais, com o objectivo de alertar para os problemas que poderão ser causados no concelho. Estima-se que a fauna e flora do Parque Natural de Montesinho, que ocupa parte significativa do concelho de Bragança, poderão ser as mais afectadas. Nesta área protegida está a aldeia da Aveleda e o rio Pepim, que há anos sofre de assoreamento, devido ao colapso das escombreiras das minas do Portelo, desactivadas nos anos 90. “Volvidos quase trinta anos e ainda estamos a sentir os efeitos no território, nomeadamente no rio, portanto estamos completamente em desacordo e consideramos que o projecto é extremamente negativo para este território”, afirmou o presidente da união de freguesias da Aveleda e Rio de Onor. Mário Gomes defendeu ainda que este não será o único curso de água afectado, mas também o rio Igrejas, em Varge. A união de freguesias emitiu um comunicado onde é possível ler-se ainda que “o estudo é omisso quanto ao impacto visual, nas áreas adjacentes, como por exemplo Serra de Montesinho, Alta e Baixa Lombada, áreas muito próximas do local de exploração” e que “o impacto visual irá provocar graves prejuízos na economia local, ao nível do turismo de natureza, actividade em franco desenvolvimento”. Rio de Onor, uma aldeia transfronteiriça do concelho de Bragança, também poderá vir a sofrer com a exploração. A Associação RIONOR, composta por membros do lado espanhol e português, manifestou-se contra o projecto, uma vez que entende que o investimento gera “poucos empregos” e traz “poucos benefícios” para a região. “Este empreendimento com certeza é contra o ambiente, mas também vai impedir empreendimentos turísticos, vai contaminar os solos e prejudicar a agricultura, vai promover o êxodo rural e os materiais tóxicos, que vão ficar expostos às intempéries, vão ser levados para as águas e vão contaminar os rios e as fontes”, referiu Francisco Alves, presidente da RIONOR, salientando que este projecto é um “atentado à dignidade de viver nestes territórios”. Em comunicado, a associação destacou ainda que a possível exploração “está situada numa zona de elevado valor ecológico, incluída na sua totalidade na Rede Natura 2000, zona protegida por Directivas Europeias, e é incompatível com a filosofia da Reserva da Biosfera Planalto Ibérico onde se localiza este território”. Depois destes pareceres negativos, as entidades esperam ser ouvidas. “As administrações têm de ouvir e respeitar as comunidades que estão à volta e poderão ser afectadas pelo empreendimento”, disse Francisco Alves.

Posição das forças partidárias

O Bloco de Esquerda de Bragança disse estar espantado com a “postura displicente” e o “silêncio” do governo português perante a exploração mineira a céu aberto. O partido defende que é evidente o impacto que este projecto terá na saúde das populações, nos rios da bacia hidrográfica do Douro e no Parque Natural de Montesinho, em relação à extinção de espécies protegidas de fauna e flora, aquilo que consideram ser um “atropelo à biodiversidade e aos seus ecossistemas”. “O governo português não pode ser conivente e permitir abusos junto à fronteira, dos quais resultam consequências gravosas para o ambiente e a população portuguesa”, lê-se num comunicado emitido pelo BE de Bragança, onde se exige uma tomada de posição do governo em defesa dos habitantes e destes territórios. Também o deputado João Gonçalves Pereira, do CDS, já questionou o ministro do Ambiente e da Acção Climática sobre as minas e quer saber se houve algum contacto entre os governos espanhol e português para negociações e análise do projecto e se o ministro irá garantir a preservação da fauna e flora do Parque de Montesinho e a saúde das populações fronteiriças.

Parecer negativo do lado espanhol

Contactado pelo Jornal Nordeste, o alcalde de Puebla de Sanabria, ayuntamiento a cerca de 18 km de Calabor, onde irá instalar-se a exploração, disse também não ter aprovado o projecto. O também senador em Madrid referiu que não foram tidas em conta as garantias ambientais e que a exploração pode afectar o turismo de natureza. “Não estamos contra a criação de postos de trabalho, obviamente que quanto mais melhor, mas podem não ser assim tantos”, referiu José Fernández Blanco. Segundo avançou o Jornal “La Opinión de Zamora”, este investimento poderá criar cerca de 600 postos de trabalho, 200 directos. “O projecto tem de passar por todas as auditorias ambientais com rigor. Sendo muito importante a criação de postos de trabalho, creio que é mais importante a herança, do ponto de vista ambiental e natural, que deixamos aos nosso filhos e netos”, afirmou o alcalde, acrescentando que foram o único ayuntamiento da comarca a reprovar o projecto. Até ao momento, não foi possível obter declarações do alcalde de Pedralba de la Pradería, onde ficarão localizadas as minas.

Toupeira da água e Lobo Ibérico dos mais afectados

Dada a proximidade do Parque Natural de Montesinho às minas de Valtreixal o investigador do Instituto Politécnico de Bragança, Amilcar Teixeira, vê esta exploração com “muita preocupação”. Trinta anos depois das minas do Portelo terem sido desactivadas, ainda há consequências desta exploração no Parque, nomeadamente no rio Pepim. “O que é certo é que passaram dez anos (desde o colapso das escombreiras das minas) e temos areias e aquilo que é um exemplo de uma exploração de umas minas com impactos muito negativos”, salientou Amilcar Teixeira, explicando que nas minas em Calabor a prospecção é idêntica. Os ecossistemas e a biosfera poderão vir a ser afectados, nomeadamente a toupeira de água e o lobo ibérico. “Na parte aquática temos um impacto sobre a toupeira de água, que é uma espécie ameaçada, mas também todas as restantes espécies piscícolas e todos os invertebrados. A perda de habitat vai ter, seguramente, impactos negativos ao nível da fauna aquática, mas não só”, explicou o investigador, avançando que a exploração, transporte de minerais e construção de estradas vai também pôr em causa o habitat do lobo ibérico, uma espécie única no território. Se a exploração avançar, é “inevitável” que estas e outras espécies sejam afectadas, por isso deve ser feita, por parte das autoridades espanholas e portuguesas, “uma grande vigilância relativamente a estes recursos para evitar uma degradação das áreas marginais e a perda de valores que são únicos”. Até agora ainda não foi possível chegar à fala com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, responsável pelo Parque Natural de Montesinho, nem saber qual foi o parecer emitido por esta entidade.

Jornalista: 
Ângela Pais