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Rebusco

Ter, 18/10/2005 - 15:27


Escrevo esta crónica antes de conhecer os resultados das eleições autárquicas. Propositadamente o faço, a fim de não correr riscos de ser influenciado. Intitulo a crónica recorrendo a um termo – Rebusco – bem conhecido de muito boa gente nascida nas terras do Nordeste.

Ir ao rebusco tinha significados e intuitos diferentes no caso do acto de rebuscar ser realizado por adultos ou crianças. Passadas as colheitas, enquanto os fogos solares de Outono ainda queimavam como agora torram, mulheres e homens rebuscavam as sobras de frutos das árvores e dos produtos apanhados da terra. As pessoas pobres às quais nada lhe fazer era dado, procuravam no rebusco alimento capaz de enganar a fome ancestral, as crianças emprestavam ao mesmo acto uma dimensão lúdica e até escatológica que tinha principal estímulo nos frutos ressequidos e alguns deles, depois de passados por água nas poças sabiam que nem ginjas. Isso mesmo, passotas de cerejas e ginjas. Vem o rebusco a propósito, por causa das eleições autárquicas que dentro de breves horas terão o seu epílogo. Com efeito, muitos candidatos deram de si próprios, um perfil rebuscado a provar não passarem de impetecível rebusco, dada a má qualidade e estado de conservação no referente a ideias e projectos. Confiantes da devoção do povo, repetem até ao sufoco palavras estéreis e vazias de sentido, numa litania a esconder o desejo e a rapacidade pela cadeira do poder, uns para o manter, outros para o conseguir. As eleições autárquicas pela proximidade permite perceber quão verdadeiro é o aforismo:” ao fraco sempre suas paixões devoram”, levando-os a cometer erros crassos no medir de forças contra os fortes apoiados na inteligência, nos propósitos bem definidos e, nalguns casos em obra feita. Durante estes dias, falas tolas transformaram-se em nuvens secas a permitirem a continuação do queimar do verde que te quero verde. Também estive envolvido na campanha eleitoral, fui testemunha privilegiada do choque entre palavras iradas e palavras a justificarem serena reflexão. Assisti a debates salientes pelo tumulto das ondas de ruído, dos berros altissonantes, do grito de feira onde as bocarras se alargam na ânsia de vender mais qualquer coisa, impedindo-se assim a esperada análise dos programas em confronto. A maioria dos interpelados no chamado porta-a-porta manifestavam desgosto, diziam mal dos políticos sorriam recebiam a propaganda, os brindes e, muito poucos ousavam prometer o seu voto. Aquela gente, despertada ou alertada pela música da campanha já percebeu ser prudente não manifestar preferência por este e aquele. Nas pequenas e grandes aldeias, nas vilas e mesmo nas cidades as paredes têm ouvidos, nas ruas os ventos levam palavras, os “da política” têm maus fígados e são rancorosos, portanto o melhor é agradecer o boné, a caneta, a caixinha destinada aos comprimidos, o isqueiro, o avental e se for caso disso pespegar dois beijos na bochecha do aspirante ao trono. O beijado fica convicto de ter colocado na caixinha do voto mais um, os jornalistas enaltecem a capacidade de persuasão do candidato a beijoqueira tem o seu minuto de glória no telejornal. Os acólitos ao fim do dia estalejam palmadas nas costas de uns e outros, porquê: aquela rua, aquele bairro, aquela casa, aquele prédio estão no papo. Os mais experientes afastam as palmadas, lembram-se de campanhas anteriores, pedem prudência e paciência. Têm razão. Os resultados mostram quão enganados estavam os eufóricos por causa de terem levado meia-dúzia de beijos e terem pago uma rodada aos “brutos” aldeãos. Ao conferirem a derrota olham em volta, enquanto o principal, o chefe, o verdadeiramente derrotado tenta a todo o custo perceber quem o enganou e, porque não percebe, justifica o desaire, dizendo:” tivesse eu tido tempo de as preparar”. Ora, muitas vezes ele andou quatro anos a preparar as ditas cujas eleições. Não fez outra coisa e, por isso mesmo, os sapientes, perspicazes e falsos sonsos propiciaram-lhe uma valente queda. O vencedor agradece imenso tantas atenções – o voto – entenda-se, preparando-se para reinar mais quatro anos. Se tivéssemos a trabalho de quantificar o custo das promessas feitas nos 308 concelhos de Portugal chegávamos a uma cifra assombrosa. É melhor não o fazer. Importa mais, começar desde já a fiscalizar os novos eleitos de modo a nas próximas eleições votarmos convictamente, sem a sombra do coração e apenas porque assim o manda a razão. No mais, um beijo em troca de um avental, um lenço e umas luvas, nem é assim tão caro!