Tatuadores limparam o pó às agulhas e já estão a gravar tinta na pele dos brigantinos

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Ter, 23/03/2021 - 10:39


Depois de dois meses de confinamento, desta vez, ao contrário do que aconteceu no ano passado, os tatuadores ficaram entre os ditos “sortudos” que já puderam regressar ao trabalho.

À semelhança dos cabeleireiros, barbeiros, esteticistas, manicures, entre outros, estes profissionais foram lembrados logo na primeira fase de desconfinamento, sendo que o Governo estabeleceu um plano dividido em quatro fases e com um período de 15 dias de intervalo entre cada, de forma a poder ir avaliando os impactos das medidas na evolução da pandemia. Em Maio de 2020, na altura, com as agulhas pousadas há mais de dois meses, os tatuadores queixavam-se de estarem esquecidos, tendo ficado para o fim, no que diz respeito àquele desconfinamento. Um pouco por todo o país, enquanto observavam os vários espaços e sectores que iam abrindo, os tatuadores manifestaram-se, dizendo estar a ser deixados de lado, sendo que, antes mesmo de se ouvir falar em Covid-19, já trabalhavam, por questão de higiene e segurança, com produtos e regras que agora se exigem. Desta vez, não foi preciso sair à rua com cartazes nem se ouviram os coros de protesto. Talvez os do ano passado ainda ecoem na memória do Governo e tenham servido para permitir que estes profissionais estejam já a gravar tinta na pele dos clientes.

De volta ao trabalho e às origens

Luís Gonçalves tem 33 anos. Corre-lhe nas veias o gosto pela tatuagem desde garoto. A tratar as artes por tu, do desenho à música, desde bem cedo, Luís estava em França no primeiro confinamento, onde também se viu, na altura obrigado a arrumar as agulhas, e voltou recentemente a Bragança, cidade de onde havia saído em busca de aventura e também pela sede de aprendizagem. Um mês antes de nos voltarem a mandar ficar em casa, ou seja, em Dezembro do ano passado, Luís Gonçalves juntou-se a Luís Trigo, que abriu a barbearia Bôman, e ali acreditou que tinha o espaço ideal para voltar a pegar nas máquinas e receber clientes. O que não esperava é que o mandassem encartar a trouxa poucos dias depois. “Além da confusão psicológica que me fez, é complicado não conseguir viver da minha arte”, justificou o tatuador, que para se entreter e ganhar dinheiro começou a pintar e a desenhar, vendendo quadros. De novo no activo, Luís Gonçalves, que quando começou a “meter na cabeça” que queria ser tatuador conseguiu ser aceite num estúdio na Suíça, abriu, em pouco tempo, um estúdio de tatuagens em Bragança. Corria o ano de 2014 quando se ergueu a Stamp Tattoo Shop. Como qualquer negócio que cresce e se expande, Luís acabou por abrir num espaço maior, que depois, por força de algumas circunstâncias, acabou por fechar. Já aí, nessa época, se juntou ao amigo Luís Trigo, noutra barbearia, mas como não tinha a totalidade das “condições” que ambicionava decidiu sair do país. Apesar de tudo, o amor à terra fê-lo voltar e por cá tenta fazer novamente vida. Quanto ao regressar ao trabalho, Luís assegura que as pessoas que ali têm ido nestes últimos dias vão “seguras e tranquilas”. “O que lhes faz mais diferença é terem que vir de máscara e não poderem trazer acompanhante pois é costume as pessoas fazerem-se acompanhar por amigos ou familiares”, explicou, garantindo que, “em termos de higiene, mais que isto só se se estiver dentro de uma cápsula”. Quanto ao trabalho, em termos de tatuagem, Luís Gonçalves considera que, numa cidade em que não há largas dezenas de amantes de um só estilo, “é preciso saber fazer um bocadinho de tudo”. Ser tatuador “é um sonho”, que “se não der em Bragança vai dar noutro lado qualquer”, e consegue, apesar de tudo, numa cidade pequena, viver-se dele.

Contas resolveram-se com economias mas “é bom voltar”

Em Bragança, Pedro Rodrigues também deixa arte na pele de quem o procura. Com 36 anos, é amante do desenho desde miúdo, tendo começado aos 23, num estúdio em Aveiro. A Vida Loca Tattop Shop, que abriu em 2011, e que serve de espaço de trabalho a outro tatuador, Filipe Leal, sobreviveu a uma segunda paragem. Situado num dos pontos mais privilegiados para observar a grandeza do castelo de Bragança, a porta do estúdio voltou a abrir-se para os apaixonados pela tinta e não foi preciso chamá-los para irem marcar ou remarcar tatuagens. “Reabrimos um bocadinho mais cedo, eu não estava a contar. Estamos na luta, felizmente sempre que reabrimos temos uma boa carga de clientes, com muitas saudades de fazer as suas tatuagens e piercings. É uma cidade pequena mas temos muitos entusiastas”, esclareceu o tatuador. Apesar de as contas não terem parado de chegar, com o estúdio encerrado, não permitindo fazer dinheiro nenhum, o segredo é ter um pé de meia para conseguir “superar” os encargos. “Felizmente vamos a um ritmo bom. Nada é como antes do primeiro confinamento porque ainda há pessoas que têm mesmo muito medo e não vêm, aguardam mais tempo”, vincou Pedro Rodrigues, que reforçou que, ainda assim, “há muitos destemidos”, mas “também há muitas pessoas que gostam de ver a própria desinfecção do espaço no momento”. E para o tatuador estes clientes “mais atentos” não são problema algum porque “é assim mesmo que deve ser”, contudo é preciso lembrar que “um estúdio profissional já anteriormente cumpria todos estes critérios”. Pedro Rodrigues, que, depois de ser aceite em Aveiro e antes de voltar a Bragança, andou por Lisboa, Itália e Alemanha, no meio disto tudo também lamenta que ainda haja muitos rótulos associados aos tatuadores e aos tatuados. “As coisas não mudaram. Se eu precisar de trabalho ninguém me vai dar porque tenho muitas tatuagens. Essa é uma realidade que muitos não querem saber mas eu quero porque sou uma pessoa normal como todas as outras e tenho os mesmos direitos”, assinalou Pedro Rodrigues, que ainda assim diz que se vai notando algum “esforço” no que toca à aceitação.

Jornalista: 
Carina Alves