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Um mês de liberdade para recomeçar

Ter, 11/05/2021 - 11:38


As origens de Bragança, enquanto região, talvez se possam atribuir ao século X ou XI, mas não se sabe, ao certo, há quanto tempo o território é ocupado por gente.

E no que toca a gente, século atrás ou à frente, a verdade é que temos vindo a povoá-lo e a vivê-lo e, como muitos dizem, a saber abrir as portas para receber os que querem cá vir, seja para ficar, seja apenas para visitar. Foi para este público que nos quer conhecer, a nós e ao território, que a Câmara Municipal de Bragança se voltou agora. “Liberdade para Recomeçar” é o nome do projecto que trouxe quatro famílias ao concelho e que por cá vão viver, em teletrabalho, com tudo pago, até ao fim do mês. Estas pessoas, a residir em Rio de Onor, Montesinho, Santa Comba de Rossas e na própria cidade, foram seleccionadas entre 1879 candidaturas. O projecto piloto é inédito e pretende transformar os visitantes em verdadeiros brigantinos, dando-lhes a conhecer a calma dos nossos dias, a beleza do nosso património natural, a riqueza das gentes, as tradições, os saberes e costumes, a cultura... e, assim, seduzi-los para que voltem e espalhem a “palavra”.

Em Rio de Onor cada dia se descobre algo novo e maravilhoso

É em Rio de Onor, uma das freguesias mais peculiares do concelho, muito devido ao comunitarismo que sempre a caracterizou, que Hugo Alves Caroça, de 44 anos, e Chiara Pussetti, de 48, se instalaram, com duas filhas. Chiara, antropóloga, professora e investigadora no Instituto de Ciências Sociais na Universidade de Lisboa, foi a responsável pela vinda para Bragança. “Estava a preparar um trabalho para a faculdade, sobre a redefinição de projectos de vida, em direcção a um novo bem-estar, nos futuros pós pandémicos e os meus alunos indicaram- -me este concurso”, explicou a antropóloga. E a verdade é que o companheiro não podia mesmo ter concordado mais. “Achei muito interessante podermos trabalhar instalados numa aldeia e ter acesso a coisas que não são normais no sítio onde vivemos, como ir almoçar ao lado de casa, junto ao rio, ter quedas de água perto de nós, cruzar-nos com vários animais quando vamos passear... é um cenário muito diferente daquilo a que estamos habituados e o acesso à qualidade de vida é bastante marcante”, assinalou Hugo, produtor audiovisual. O casal, que já tinha ouvido falar de Bragança e da gastronomia, algo que também diz valorizar muito, nunca por cá tinha estado. “Apesar de estarmos cá há pouco tempo, cada dia descobrimos uma coisa nova maravilhosa. Estamos surpreendidos pelo factor genuíno de quem vive nesta aldeia, que tem tanto para contar, desde as coisas mais simples às histórias mais antigas”, vincou Hugo, assumindo que já estiveram mais longe de assentar arraiais num lugar como Rio de Onor. “Esta experiência vai-nos fazer aproximar de algo que já estávamos a falar, a possibilidade de sair do centro urbano e encontrar um sítio nosso, onde há qualidade de vida, contacto com as pessoas e com a terra”, esclareceu. Fascinada com a possibilidade de mudar de vida, Chiara também assume que um dos objectivos durante a permanência nestas terras é repensar os projectos de vida, reorganizando prioridades. “Espero ter uma experiência reflexiva sobre os temas que estudo e o que significa sair, de forma consciente, de um ambiente urbano, contactando mais de perto com a natureza, com uma alimentação biológica e mais sustentável e com relações humanas e sociais mais próximas e de maior qualidade”, assinalou a antropóloga, cuja única relação que, até agora tinha com Rio de Onor, era através de estudos etnográficos que tanto a maravilhavam. O mesmo foco também tem o companheiro de Chiara. Hugo prevê sair “enriquecido” da experiência, repensando a qualidade de vida e o acesso a coisas vitais. O casal já passou por Varge e já visitou a cidade. Também pretendem passar por Mirandela e pela Sanabria, assim como descobrir quedas de água. Ainda assim, nestes primeiros dias, têm passado mais tempo a “cultivar” as relações humanas já que, segundo Chiara, “este é um dos pontos mais fascinantes entre qualquer encontro”. Aplaudindo a iniciativa da câmara, que “é de salutar”, pois foi “muito inteligente” e com uma “visão bastante progressiva”, o casal assume, com toda a certeza, que voltará a estas terras.

Gentileza das gentes de Rossas fascina novos moradores

Mia Freitas, de 30 anos, e Frederick Flade, de 36, são os novos moradores de Santa Comba de Rossas. Vindos de Lisboa, ela produtora criativa e ele designer e fotógrafo, chegaram a Bragança no primeiro dia deste mês de Maio. “Vi um storie no instagram do jornal Público, publicitando esta iniciativa. Passado uma hora e pouco já tinha enviado a minha candidatura”, começou por contar Mia, assinalando que o imediato arregaçar de mangas para preencher o formulário se baseou na ideia de trabalhar a partir de sítios diferentes, já que se traduz num “estímulo” para criar. O desafio, apresentando- -se como uma forma de “viajar” e de “sair da rotina”, mostrou-se ainda mais empolgante uma vez que a produtora já ouvira “falar muito bem” de Bragança e “queria conhecer”. “Também temos uma revista digital, que lançámos em Fevereiro, e achámos que era uma óptima oportunidade de explorar a área e incluir artigos sobre Bragança”, rematou, vincando que ao saber-se aceite “nem queria acreditar”. Segundo Mia, o casal, carregado de expectativas, tem trabalhado o mais que pode durante a noite para aproveitar o dia, conhecendo esta realidade tão diferente da capital do país, conhecendo gente, conectando-se com a natureza, vivendo hábitos e rotinas novas. “Estou a adorar conhecer as pessoas”, disse ainda a produtora criativa, dizendo que a ideia é também “acalmar um pouco”, saindo da lufa lufa do meio urbano, onde o som dos pássaros é abafado pelo dos carros. Por agora, Mia e Frederick têm-se dedicado a conhecer o “Portugal muito tradicional” que aqui se vive. Assinalando que se devia arranjar forma de trazer pessoas mais novas para aqui, para se preservar as tradições e histórias, a produtora diz-se seduzida pelo facto de sair à rua e as pessoas acenarem, reconhecerem-nos e falarem amistosamente. “É fascinante e é pena que mais pessoas não venham explorar e preservar”, explicou. Dizendo que o que mais os preocupou foi a possibilidade de a internet e a rede de telefone poder ter algumas falhas, o que não se veio a verificar, Mia assegura estar a “adorar” a experiência. “Vamos voltar porque isto é espectacular. Já temos muitos amigos que estão a ficar curiosos e querem cá vir. Isto é um paraíso no nosso país”, terminou a nova moradora de Santa Comba de Rossas, aldeia que dista cerca de 19 quilómetros da cidade.

Uma casa com vista para o Fervença

Ivo Neto, de 33 anos, jornalista no Público, e Rita Vilaça, de 31 anos, responsável pelos conteúdos criativos de uma empresa, vivem no Porto e aterraram na própria cidade. Estão a viver junto ao Fervença, por cima do passadiço que corre aquela zona do rio. O casal nunca esteve em Bragança e a responsabilidade de cá ter vindo parar é de Ivo, que os inscreveu. Teve conhecimento do concurso através do jornal onde trabalha, candidatou-se para “fugir” um pouco da rotina e porque já não andava de mochila às costas há muito tempo. Claro que a companheira, que só soube já tinham sido seleccionados, não disse que não. “Fiquei um bocadinho surpresa mas depois a minha reacção foi ‘bora lá então’. Ia ser uma mudança grande, embora seja só um mês, mas sabia que ia ser uma aventura”, explicou Rita. Fascinado com o “sitio deslumbrante” e “muito calmo”, a única coisa que o jornalista lamenta é que não haja mais tempo para calçar as sapatilhas e anda por aí a explorar. “Às vezes levantamo- -nos muito cedo para ter mais tempo para conhecer”, vincou Ivo, que, até agora, de tudo gostou, só “a amplitude térmica é que é menos agradável”, comparando o calor das tardes solarengas com o frio que tem feito à noite e em que faz falta vestir um casaco ainda bem jeitoso. Com planos bem traçados para o fins-de-semana, de forma a não sair de cá sem levar um pouco de nós, Rita afirma que todos os “momentos livres” são para viver o concelho. “Quando saímos do Porto já tínhamos definido umas espécie de roteiro. Queremos conhecer o Parque Natural de Montesinho, a Sanabria e Rio de Onor. Quanto ao centro da cidade, queremos conhecer alguns museus e pontos de interesse, assim como restaurantes aconselhados por amigos e conhecidos”, explicou a copywritter. Segundo Ivo, ficar por aqui ou escolher um sítio com esta calmaria para viver podia ser uma possibilidade mas, para já, estão “um bocadinho presos ao emprego”. Neste caso, além de jornalista, Ivo também dá aulas mas não diz que não a nada. “A qualidade de vida é diferente mas ainda somos, infelizmente, um país muito centralista e, em termos de oportunidades de emprego, Lisboa e Porto continuam a ser os polos mais atrativos”, explicou. A jovem companheira de Ivo tem a mesma ideia: Bragança, porquê não? Esperando não levar muitos quilos a mais, já que “a comida é incrível”, Rita diz-se positivamente surpreendida e fascinada por aqui, nesta calma idílica, conseguir, na mesma, trabalhar

Jornalista: 
Carina Alves