Venda das barragens pode não gerar impostos para a região

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Qua, 23/12/2020 - 11:21


Já foi concluído o processo de venda de barragens transmontanas da EDP ao consórcio encabeçado pela Engie, por um valor de 2,2 mil milhões de euros.

Esta parceria de três empresas desenvolverá a actividade sob a marca MOVHERA, recentemente criada. A conclusão da aquisição das hidroeléctricas que produzem 1,7 GW, foi anunciada quinta-feira pela empresa francesa e pela empresa de energia portuguesa. A venda ainda este ano era contestada pelo Movimento Cultural da Terra de Miranda e pelos autarcas dos 10 concelhos onde estão as barragens de Miranda, Picote, Bemposta, Baixo Sabor, Feiticeiro e Foz Tua. São três centrais de albufeira com bombagem, recém-inauguradas, e três centrais de fio de água, recentemente renovadas. Isto por receio de que as receitas fiscais relativas a esta transacção, nomeadamente os 110 milhões de euros do imposto de selo, não fiquem no território. O negócio poderá estar mesmo isento de pagamento de impostos, o que ainda não foi confirmado pelo governo. Se assim for o movimento lamenta que desta forma se frustrem as reivindicações deste movimento. Aníbal Fernandes, elemento desta organização, diz que não gostou de receber a notícia e fala num contrato opaco, fazendo críticas ao papel do governo e da EDP neste processo. “Estas negociações e contratos são de uma opacidade tenebrosa. É com muita tristeza que recebemos esta notícia. Acho que, no meio disto tudo, há duas entidades que não ficaram bem na fotografia: a EDP e o governo que não acautelou os interesses do Estado, mas sabemos que é prática usual neste tipo de transacções haver um planeamento fiscal que permite contornar as entrelinhas da lei”, evitando pagar impostos. O representante do movimento considera que se perdeu uma “ocasião de ouro” para promover efectivamente a coesão territorial, passando “das palavras as actos”, fazendo “um contrato exemplar” em relação a uma transacção “feita com os activos que se situam na região”, de forma a que contemplasse que os impostos municipais fossem pagos no território. O movimento promete não desistir e pediu uma audiência ao Presidente da República e aos grupos parlamentares para discutir a venda. Questionado sobre a possibilidade de isenção de impostos, o Ministério das Finanças diz que não se pronuncia sobre casos concretos, mas esclarece que “não atribui isenções ou não sujeição de imposto de selo”. Ainda assim refere, na resposta por escrito, que pode haver situações de “reestruturação empresarial” que operem “a alteração da titularidade de concessões do Estado” e que nestes casos não sejam tributadas. Se for este o caso da transmissão dos títulos de utilização de recursos hídricos destas seis barragens, a Autoridade Tributária e Aduaneira promete um “rigoroso acompanhamento inspectivo”.

Partidos questionam governo

Também o Partido Social Democrata e o Bloco de Esquerda têm dúvidas se serão ou não pagos os impostos devidos, querendo por isso ouvir o governo sobre a venda de seis barragens transmontanas e o cumprimento das obrigações fiscais. Os deputados social-democratas querem saber se vão ser cobradas as receitas fiscais da transacção, que devem ultrapassar os 110 milhões de euros. O líder da bancada parlamentar do PSD e deputado eleito pelo círculo de Bragança, Adão Silva, diz haver indicadores de “engenharia fiscal”, o que pode ter levado a que o negócio, concluído quinta-feira, não pague impostos no país e quer por isso ouvir o ministro do Ambiente. “São 110 milhões de euros que a EDP em condições normais deveria pagar ao Estado. Estamos preocupados porque aparentemente algo não bate certo, há valores que não estão e impostos que parece que não foram cobrados. Aparentemente há aqui um exercício de planeamento e engenharia fiscal, se assim for nós seremos incomplacentes”, afirmou. O partido tinha feito aprovar uma alteração ao Orçamento do Estado para 2021 para que fosse criado um fundo local com as receitas fiscais desta venda. Agora os deputados querem saber se os impostos foram sequer cobrados no país. “Perguntamos se os impostos que eram devidos foram cobrados, se especificamente o imposto de selo foi calculado ou não e cobrado. Vamos pedir a documentação que o Estado tem obrigação de fornecer, porque a questão foi intermediada pelo Estado, por se trata de um bem público: a água é nossa, é de todos, a terra é nossa, é de todos e especialmente dos transmontanos”, afirmou. Adão Silva admite chamar também ao parlamento responsáveis do ministério das Finanças e promete “não descansar” enquanto a questão não estiver esclarecida. Também o Bloco de Esquerda pediu a audição urgente de Matos Fernandes no Parlamento para que explique “se o Governo garantiu o cumprimento das obrigações fiscais” a propósito deste negócio. A Comunidade Intermunicipal Terras de Trás-os- -Montes que tinha pedido uma audiência ao primeiro- -ministro para discutir o negócio. “Não foi atendido, sabemos pelo gabinete do ministro do Ambiente que foi marcada, em Miranda do Douro, uma reunião” do grupo de trabalho criado pelo governo, adiantou Artur Nunes. O autarca espera nessa altura ter essa informação concreta, porque “surgem muitas dúvidas sobre o negócio e a questão dos impostos” e lamenta que durante um ano inteiro as autarquias tenham sido afastadas do processo. “Ficamos à espera durante um ano inteiro de informações concretas aos municípios afectatados, onde estão localizados os activos, mas fomos arredados praticamente de todo este processo. Queremos saber porque fomos arredados, qual o âmbito do negócio e em que é que os concelhos e os munícipes são prejudicados ou ajudados”, destaca Artur Nunes. A venda de seis barragens da EDP ao consórcio encabeçado pela Engie foi anunciada há um ano e, depois de receber o aval da Agência Portuguesa do Ambiente, foi concluído no passado dia 17.

Jornalista: 
Olga Telo Cordeiro