Crónica da aldeia a nordeste

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Quem regressa à aldeia regressa às rotinas e à nostalgia das memórias. Logo pela manhã é preciso dar de comer às galinhas, aos peixes do tanque, ir passear o cão pelos caminhos desertos cheios de silvas e amoras, alimentar os gatos que perderam os donos, pois também eles são criaturas de Deus, ir à horta, cultivar a terra. Depois vem a conversar com os vizinhos, interpretar os sinais, olhar para o descampado dos montes, onde este ano, não se adivinha chuva, nem nuvem passageira lá par os lados da Senhora da Serra. Dizem os mais velhos que Deus e o Poder os abandonou e alguns partidos já nem fazem listas autárquicas nas freguesias. As juntas de freguesia capitulam paulatinamente. De seguida, para mim que também sou um aldeão, chega a hora da escrita, uma rotina diária. E como vivo cercado de livros tenho horas certas para o estudo, para me preparar, investigar e aprender com os outros que pensaram primeiro, pois nunca se sabe quando teremos que dar o nosso contributo público para bem da república, da autarquia, ou da cidadania.
Na aldeia ainda se ouve o toque das Trindades e das Almas, de tantas almas, pois cada vez somos menos no quotidiano da aldeia onde com regularidade toca o sino a finados. O parque infantil está uma beleza mas faltam as crianças que outrora povoavam a aldeia e jogavam ao fito, ao pião, ao esconde-esconde pelos medeiros, espreitando a cereja, ou a uva madura que se anunciava na frescura das propriedades. Eram tempos de miséria e servidão. Felizmente nas nossas aldeias as pessoas, salvo raras exceções, vivem com dignidade e bem-estar.
Mas as nossas aldeias também se estão a globalizar fruto da televisão e da internet. Soube pelo Facebook que recentemente se realizou a reunião da última Assembleia Municipal de Bragança antes das próximas eleições autárquicas. Fiquei surpreendido com os textos de despedida dos mais experientes deputados municipais do PS, como é o caso, entre outros, de Bruno Veloso, Pedro Rego, Francisco Marcos que se despediam da Assembleia Municipal de Bragança depois de durante 12 anos terem dado o seu melhor em prol do concelho e das suas gentes. Recordei-me que um dia também eu me despedi da Assembleia Municipal satisfeito com o humílimo trabalho que fiz e com saudade dos debates com os deputados da oposição com os quais mantive sempre uma enorme cordialidade que suplantava o ardor do discurso e da defesa das ideias e ideais. Na política não vale tudo.
Mas depois, numa análise mais aturada verifiquei que a larga maioria dos deputados municipais do Partido Socialista poderiam também escrever cartas de despedida, pois não constam da lista de candidatos à próxima Assembleia Municipal de Bragança. Já tinha ficado surpreendido quando Vítor Prada e André Novo foram dispensados, embora tenham desempenhado com mestria e competência o lugar de vereadores. Também não deixa de ser surpreendente que o Dr. Sampaio da Veiga, por quem tenho um elevado respeito e admiração enquanto profissional e humanista seja candidato à presidência da Assembleia Municipal, pois que se saiba não tem tido grandes ligações à atividade municipalista, contudo, pesa em seu favor a reconhecida experiência e mérito na gestão hospitalar.
Por isso, aqui do canto da minha aldeia só posso suspeitar que o Presidente da Distrital Socialista e candidato à Câmara de Bragança, tem uma novíssima estratégia política e partidária, afastando alguns dos velhos militantes, os militantes da colagem dos cartazes pela noite dentro, os militantes que sempre serviram o partido nas bases, ou como dirigentes, os militantes que ainda hoje se emocionam à beira do abraço, quando encontram os seus camaradas e desta vez convida para o combate político outros militantes e independentes revigorados pelo descanso e bem informados pelo estudo, para obterem uma enorme vitória autárquica no concelho de Bragança. Na verdade o Partido Socialista não apresentou listas às juntas de freguesia num número significativo de aldeias. Mas aqui, também já ouvi comentar que os militantes dos partidos que apresentaram listas, sabendo que os seus candidatos aos órgãos autárquicos das freguesias serão sempre eleitos, descurem o ato de votar e isso pode favorecer outros partidos, o que convenhamos é mau de mais para a democracia.
Fico expectante, como um cientista em trabalho de campo para poder confirmar se a estratégia política dos novos dirigentes do Partido Socialista está certa, ou errada se se confirma, ou rejeita a hipótese e isso serão os eleitores que o irão dizer no próximo dia 1 de outubro.

Fernando Calado