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Do Abade de Medrões ou do Deputado

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O abade de Medrões, Inocêncio António de Miranda foi um constitucionalista destemido e polémico, natural de Paçó de Outeiro, Rio Frio. Um transmontano que antes preferia quebrar do que torcer. Seminarista brilhante, licenciado por Salamanca, foi professor de gramática latina em Algoso, tendo subido ao presbitério em 1794. Paroquiou as freguesias de São Pedro de Sarracenos e Grijó de Vale Benfeito. O seu espírito combativo leva-o a envolver-se numa acesa polémica, por ter sido preterido injustamente num concurso para a paróquia de Quiraz. Desgostoso vai para a corte de Lisboa onde logo dá nas vistas pela sua inteligência, tendo sido escolhido para preceptor do marquês de Fronteira. Dada a sua notabilidade na corte foi-lhe atribuída, por volta do ano de 1812, a paróquia de Medrões, em Santa Marta de Penaguião por ser considerada muito rica e generosa para com os seus abades. Aí paroquiou até ao ano em que regressa a Lisboa como deputado às cortes constituintes de 1821. Deixou a sua marca inconfundível na feitura da 1.ª Constituição. Foi um combatente determinado contra o absolutismo régio. Os seus discursos eram contagiantes em defesa das virtudes políticas da constituição, em oposição às arbitrariedades e despotismos régios. De novo se instala a polémica entre as suas ideias liberais constitucionalistas e os absolutistas que nunca lhe perdoaram a publicação, em 1822, do livro: “Cidadão Lusitano”. Este livro esgotou em apenas oito dias. O padre maçon convivia com outros ilustres maçons do seu tempo o que lhe valeu a perseguição da igreja. O seu livro de conteúdo liberal defendia a abolição do celibato eclesial, contrário aos “sentimentos da natureza”, bem como a abolição de alguns dias santos e romarias que originavam “estragos de bolsas, ruína de famílias, corrupção de costumes, bulhas, desordens, ferimentos e mortes”. Com a queda do constitucionalismo em prol do absolutismo régio, e fazendo jus à fama de obra maldita, o cardeal D. Carlos da Cunha amaldiçoou com excomunhão a leitura do “Cidadão Lusitano”, que entrou para o índex dos livros proibidos, por decreto papal no ano de 1826. Foi uma vida dedicada à reforma da igreja. Envolvido nas politiquices do clero e da corte, gastou-se em polémicas, em publicações infindas. Faleceu em Grijó de Vale Benfeito em 29 de maio de 1836.

Vem isto a propósito da caricatura saloia que muitas vezes se faz dum certo deputado transmontano que a única intervenção que teve foi para pedir a outro deputado o favor de encostar a janela.

Não passa duma caricatura, ou duma exceção, pois logo nas cortes constituintes de 1821 os deputados transmontanos foram escolhidos com rigor, tendo em conta a boa preparação intelectual, o bom discurso argumentativo e o prestígio pessoal, como é o caso do nosso conterrâneo abade de Medrões e de muitos lentes universitários naturais de Trás-os-Montes. Não sei se atualmente será assim.

O deputado é o primeiro representante do povo nos meandros do poder instalado em Lisboa que fica tão longe de Trás-os-Montes. Por isso, o deputado tem que estar preparado para ser reconhecido entre os seus pares como uma mais-valia no governo do País e em particular na defesa dos interesses da região. Tem que ser combativo, ter ideias e impor-se pela argúcia intelectual e pela novidade do discurso. Tem que ser o melhor entre os melhores.

Em breve os partidos políticos apresentarão os seus candidatos a deputados pelos diferentes círculos eleitorais. Ser deputado não é um emprego, nem é um lugar de carreira, é uma missão. A mais nobre. E já que os cidadãos, numa primeira instância, não são chamados a escolher democraticamente os seus deputados, confiando essa tarefa às forças partidárias, que sejam escolhidos os melhores, pois só assim se defendem os legítimos interesses dos cidadãos, só assim se respeita a democracia e os ideais de Abril que em boa hora devolveu a voz e o poder à vontade soberana do Povo.

Fernando Calado