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As férias e o regresso ressonante

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O que nos resta das nossas férias? O que fica deste nosso verão? Não passemos de imediato ao início do ano letivo; reservemos algum tempo para dar uma olhada final ao que vivemos. O que vimos neste último mês? Notar-se-á, na maioria das vezes, que respondemos a esta pergunta mencionando somente o que fizemos – visitámos um castelo (Napoule, com uma história ímpar e fascinante …), um país, uma ilha grega, agroturismo, … E mesmo quando afirmamos “estar desconetados”, não passa duma pausa neste registo do fazer. É como se só tivéssemos a certeza de ter vivido nessa condição de estar ocupados. Isto só pode ser uma perversão do turismo. As férias deveriam, no entanto, ser, como indica a sua etimologia, um período deixado desocupado, “vago/vacante” (vacaciones, vacances). Deveríamos, por conseguinte, deixar tudo de lado, cessar toda e qualquer atividade. Conseguimos fazê-lo muito raramente ou por pouco tempo. O que poderia salvar-nos desta obsessão do “fazer”, seria colocar o projetor no “ver”, substituir a ocupação pela contemplação. Mas será que nós sabemos mesmo ver? Não se trata unicamente do sentido da visão, mas sim desta experiência total que consiste em abrir-se ao que é - a tudo o que não diz respeito ao nós, às nossas expectativas e às nossas ansiedades. Seremos realmente capazes de nos deixar seduzir pela beleza do mundo? Não aquela que está devidamente assinalada, comercializada e impressa em papel brilhante, mas aquela que nos surpreende numa curva qualquer, no detalhe duma paisagem, na singularidade dum momento, na atmosfera ou polifonia duma cidade… Aquela, improvisada e passageira, que nenhum guia consegue recensear. Essa beleza que releva da ordem do encontro; que escapa a qualquer programa. Não pode ser descoberta na agitação e no ruído do mundo; exige curiosidade, presença e atenção. Exige que estejamos atentos, vigilantes, capazes de deixar de lado todas as telas imaginárias, todas as trivialidades e adornos para acrescentar um pouco de peso, um pouco de cuidado à nossa presença. Ver, é dar mais importância a si mesmo e ao mundo. Ao tempo que nos é furtado. Não podemos ficar satisfeitos com um simples percurso - as 10 coisas para ver, as 5 coisas para fazer... “Ver” verdadeiramente é dar importância a tudo o que vivemos. Porém, na maioria das vezes, confundimos ver e olhar. As pessoas olham como se fosse para verificar algo, para validar o que fora planeado, para marcar como uma opção. Ver é algo completamente diferente: consiste em experimentar o que não podemos oferecer-nos, o que não pode ser feito, o que não pode ser listado. O filósofo Adorno fala dum “olhar sabático”, que teria rompido com a lógica do lucro e do rendimento, que já não trabalharia para obter o que veio procurar, mas que se deixaria transportar: O olhar que se absorve na contemplação duma beleza singular é um olhar sabático: que guarda algo da se- renidade do dia em que foi criado. Contudo, isso não é para permanecer em admiração, porque tal sentimento guarda algo do medo de passar ao lado e emerge desse gosto atual pela avaliação: a beleza tem de ser espetacular, deslumbrante. Tem de se conseguir algum tipo de retorno devido a um tal investimento. A pessoa extasiada é na verdade calculadora, esperando algo de forma gratuita, ou pelo menos, um retorno do seu investimento. Ver é, ao contrário, recusar-se a fazer violência ao mundo, convocando-o simplesmente a fim de nos surpreender. Esta visão sabática revela-se imediatamente ecológica, porque preservamos o que nos faz crescer, respeitamos o que reconhecemos como alteridade, algo que é insubstituível. As pessoas dirão que isso significa entrar em “ressonância” com aquilo que nos rodeia. Este conceito de sociologia que é descrito como uma corda que se põe a vibrar intensamente (Ressonância). Mas quando o mundo vem tocar-me com o seu esplendor imprevisível – esta cor, estas quatro notas no piano, esta pintura que eu não conhecia…-, preenche-me, habita-me e supera-me. Não estou em ressonância; entro na transcendência. Pois há mais do que os meus sentidos podem sentir, mais do que imaginado, mais do que desejado mesmo. Estou encantado, no sentido literal: descentralizado, como quando se diz a um aluno “presta atenção!”, é esquecer-se dele próprio, ficar emocionado e abalado. Isto vai além do prazer, porque não tive nada a ver com isso, e é por essa razão que se torna inesquecível. Não somente nos sentimos vibrar, como fomos movidos por algo maior que nós mesmos. Mudamos de estado de espírito, ganhamos em amplitude. É a experiência duma transcendência horizontal, que dilata o coração, que abre o horizonte. O advento da beleza, quando sabemos vê-la, mesmo modesta, mesmo não sendo maravilhosa, é sempre como um milagre que opera em nós: não foi planeado, talvez nem sequer possível, mas aconteceu, prendeu-nos. Recebi mais do que esperava e percebi que fazia parte integrante deste mundo: nem espetador que pede para se deslumbrar, nem turista que apenas passa, sou o depositário, o guardião, desta beleza frágil que o mundo tem para oferecer. Neste período de regresso às aulas, ao trabalho, esqueçamos o que fizemos, lembremos tão somente o que vimos. Deixemos o mundo falar, ele ainda tem tanto para nos ensinar.

Adriano Valadar