O capital não tem pátria e a corrupção não tem partido

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Tudo que de relevante acontece no Brasil é acompanhado em Portugal como se de uma telenovela se tratasse. E não é só porque os meios de comunicação social internacionais, e os portugueses em especial, lhe dão particular importância mas também por um visível fenómeno de afectividade histórica.
Para lá de que o Brasil continua a ser o maior país onde se fala a universal língua de Camões, ainda que desgraçadamente adulterada, e também porque as relações familiares ancestrais entre portugueses e brasileiros continuam a ter forte peso social e económico. E político, naturalmente.
Não é de estranhar, portanto, que os monumentais casos de corrupção que ocorrem no Brasil tenham especial relevância para os portugueses, até porque o Regime reinante em Portugal também se encontra atolado em escândalos que parecem não ter fim.
A prisão de Lula da Silva como corolário de um demorado processo judicial conduzido por alargado número de investigadores e tratado por vários tribunais qualificados, representa um sério aviso, mais um, para todos aqueles que se julgam acima da lei ou se sentem protegidos pelo sistema. E também constitui uma lição exemplar para a classe política portuguesa que continua a menosprezar o papel da Justiça na democracia.
Não é preciso ser-se conhecedor de ciências políticas e jurídicas para justamente se compreender que o Regime político português está mais próximo das pseudodemocracias russa, chinesa e latino-americanas em que a corrupção e o nepotismo são lei, do que das verdadeiras democracias do mundo livre.
Em Portugal os processos judiciais que envolvem rufiões políticos e financeiros são quase sempre inconclusivos ou postergados indefinidamente, enquanto políticos e magistrados do topo da hierarquia fazem discursos eloquentes em actos solenes, por mero exercício intelectual ou evidente hipocrisia política, já que a reforma da Justiça continua a marcar passo e a moralização da vida pública não passa de letra morta. Em matéria de corrupção Portugal e Brasil são, sem dúvida, países irmãos.
O povo português, porém, já não vai em cantigas e sabe muito bem que o capital não tem pátria e a corrupção não tem partido. Por isso exige a todos os governantes indiscriminadamente que não se limitem a bem governar mas que igualmente o façam com honestidade. Santo que seja quando peca deixa de o ser.
Não é de admirar, portanto, que a opinião pública prevalecente em Portugal seja que, na democracia portuguesa, o crime político e a corrupção de Estado continuam impunes e a compensar. É de esperar, por tudo isso, que a actuação corajosa e pertinaz do juiz Sérgio Moro também se repercuta positivamente do lado de cá do Atlântico.
Sobretudo agora que já vai adiantado o processo Marquês, cujas semelhanças com o processo Lava Jato são mais do que evidentes, ainda que a opinião pública não esteja tão dividida em Portugal como no Brasil.
Cá como lá, é de lastimar que governantes destacados quando acossados pela Justiça lancem mão, em desespero de causa, de argumentos e artifícios políticos e populistas à falta de outros melhores. É o caso de Lula da Silva e do seu partido que pretenderam anular a Justiça com uma estrondosa golpada que não teve, até ver, o sucesso esperado mas que, tudo leva a crer, vai prosseguir.
Também o processo Marquês se prefigura como a verdadeira prova de fogo da Justiça portuguesa. Esperemos que em Portugal não haja lugar a golpadas políticas, públicas ou sub-reptícias, e que deixem a Justiça funcionar plenamente sem constrangimentos ideológicos e partidários.

Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.

Henrique Pedro