O fim do mundo

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Assim de repente, contei cinco. Vinham a subir umas escadas de cimento quando os comecei a ver. Acho que estavam a sair de um parque de estacionamento subterrâneo. À frente vinha uma mulher loira. Calças de lycra pretas. Um top justo, algures entre o rosa e o vermelho. Por cima, um casaco fino largueirão exactamente da mesma cor, descaído casualmente, a condizer com toda a indumentária, no ombro direito. As sapatilhas de corrida deram mais jeito do que o previsto, uma vez que estavam a tentar escapar de uma invasão de extraterrestres. Uma das mulheres do grupo foi apanhada, entretanto, por entre gritos e correrias. Era uma espécie de polvo, mas biónico, que emitia sons que faziam lembrar morsas. Mas também ela estava impecavelmente vestida. Calças de ganga e um blusão de cabedal castanho. O resto não vi muito bem, porque rapidamente foi sugada pelo ser biónico de outro mundo. Nunca entendi muito bem esta fixação dos aliens em matar os terráqueos. A não ser no Marte Ataca!, porque aí é claro que os marcianos têm só um sentido de humor retorcido (talvez não fosse a melhor altura para vos lembrar disto, mas agora já está). Voltando ao que vos estava a contar, os restantes safaram-se. Entraram, por uma unha negra, num prédio. Foram para um apartamento. E lá deu para ver que a loiraça tinha o cabelo imaculado, mesmo tudo indicando que estava a fazer a sua corrida matinal antes, e a maquilhagem incrivelmente no sítio. Isto, sim, era um anúncio para vender cosméticos - aqueles que sobrevivem, até, ao apocalipse. Acho que o final do filme não é muito feliz. Mas também essa não é a questão. A questão verdadeira é: estamos prontos para saber o que vestir, quando chegar o fim do mundo? A sério. Quando tivermos que fugir, levar só o indispensável (que é esse belo couro e pouco mais). Saberemos nós estar à altura de todas as películas que vimos, onde toda a gente aparece com aquele look casual-chic-super-confortável-para-lutar-pela-vida? Ou, mesmo que não seja, rapidamente se converte. Rasga aqui, corta ali, atira fora os sapatos de festa de salto agulha e calça umas botas da tropa arrancadas a um cadáver, que calha ser o nosso número. E faz envergonhar muitos designers ou costureiras mais habilidosas. Mais do que saber que é preciso assaltar uma farmácia, para roubar antibióticos, ou que a água que fica no autoclismo é boa para beber, é importante pensar na indumentária. É melhor levar um casaquinho para a noite, mesmo se for Agosto? As nossas mães diriam que sim. Cabedal é sempre bom, dá um ar de durão, mais uns óculos de sol marotos. Mas, se for Verão, é capaz de fazer transpirar. E a moça desse filme que vi não se safou nada bem, mesmo com a coberta janota. E, se o fim do mundo demorar muito a passar, como vamos fazer com depilações, unhas ou raízes descobertas? Ou barbas e cabelos à náufrago? E onde vamos arranjar espaço para a maquilhagem, cremes e produtos de higiene no meio da mochila ridícula onde só já há latas de comida de gato, frascos de feijão manteiga e meia dúzia de antibióticos fora de prazo? Sabem? Acho que não estou preparada, ainda, para o fim do mundo. Mas, se tiver mesmo que ser, pelo menos que não me apanhe com o pijama enfiado.

Tânia Rei