O Virgílio

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A miserável exibição do Benfica na meia parte do campeonato entregou o título de campeão aos portistas e, a arca da memória atirou cá para fora, de imediato a lembrança de um baptizado ocorrido na aldeia dos prodígios – Lagarelhos -, onde o menino recebeu o nome de Virgílio porque o padrinho assanhado adepto do clube cujo animal no emblema não existe assim o determinou. O menino nos dias de hoje vive na cada vez menos povoada localidade dos três deputados em simultâneo dela originários, o Amândio Gomes, o Armando Vara e o Armando Fernandes que na opinião do meu progenitor nada fizeram relativamente ao pequenino burgo acarinhado pelos jesuítas, cujo padroeiro é o chaveiro do Céu o senhor São Pedro venerado, pelo menos, no dia 29 de Junho em plena época das cerejas e das ginjas que no meu tempo de meninos eram empregues no tornar mais rutilante e colorida a imagem de Santo Estevão também integrado na procissão, escorado nos ombros dos garotos. Ora, o padrinho do Virgílio era o Senhor José dos Santos negociante de produtos rústicos – batatas, castanhas e cereais -, sendo o avô do Virgílio «delegado» e acendrado amigo do senhor de voz cantante, de faces risonhas, olhos brilhantes e cabelo ondeado ao modo dos galãs do cinema, especialmente Tyrone Poyer e Errol Flynn. O agente chamava-se João Martins, por alcunha Janaz, não sei se corruptela de Joanaz) era primo direito da minha bisavó Júlia Martins, por esse vínculo e de vizinhança fomos convidados a participar na entronização como filho de Deus do menino e o negociante mais a filha (penso não errar) apadrinharam-no. Segundo a minha avó Delfina o Senhor José dos Santos catrapiscou uma bonita rapariga de Rio de Fornos, ela acolheu os gorjeios, casando de seguida. Recordo-a fugazmente no decurso das bailações pós prandiais no dia da festa do Santo registado em forma de imagem segurando as chaves, barba cinzenta e toga azul. Assim o rememoro. A senhora fazia- -se acompanhar pela irmã e a filha a quem a família do Sr. João chamava menina Helena. Na altura, uma mocinha ser tratada debaixo dessa forma, vestida de frou-frous de organza, calçada com sapatos de verniz, a irromper na festa, contemplando-a de longe enquadrada na família, reverenciada pelos anfitriões provocou- -me impressão tão profunda que passados uns sessenta anos ainda perdura. Nos meus cálculos teria nove anos, as aldeias primavam pelas fontes de chafurdo, pelos caminhos lodaçais no Inverno e montes de pó no Estio, imperando o espanto ante o visto e observado até a luz do dia o permitir, comentado à noite no aconchego do lar enquanto os tições não esmoreciam. Terei trocado meia dúzia de palavras com o senhor Santos em fugidio encontro na faceira de Lagarelhos, porém ouvi a testemunhas que reavivarem vários episódios facetos da noite vinhaense nos quais ele foi actor principal, num tempo de luz eléctrica nas ruas a fenecer à meia-noite, daí os homens serem pardos tal como os gatos, ora, o fervoroso andrade (assim se tratavam os portistas) possuía o condão de não os deixar extravasar mantendo-os confinados às regras do bom viver com todos a fim de gastar os dias conforme lhe apeteceu. O defesa do FCP inspirou o nome do cidadão de Lagarelhos, outro recebeu o patronímico de Eusébio em virtude do pai nado e criado no lugar de lagares de vinho fruto de boas uvas de vinhas bem expostas ao sol. O apaixonado lampião morreu há anos, os lagares pereceram em consequência da dizimação das cepas atacadas pelas pragas tal como agora o vírus ceifa vidas a esmo. Esperançado na finitude da pandemia atrevo- -me a escrever sobre um passado recente porque ao contrário do que os amoladores de tudo quanto não é com eles é possível registar factos anódinos, porém no tocante a História representativos do quotidiano das comunidades. A Escola dos Anais ensina-o. Uma pergunta zombeteira: os Professores na preparação das aulas de história, filosofia e ciências sociais recordam os mandamentos da Escola dos Annales?

Armando Fernandes