Partidos políticos ou associações de malfeitores?

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Todos os portugueses que se prezam continuam a ter razões de peso e de sobra para se indignarem e picarem os maus governantes como quem pica mulas, não devendo limitar-se a dar um ar de sua graça apenas quando são convidados a votar. Só desta forma as coisas poderão mudar para melhor.

Que fique bem claro, porém e desde já, para que não haja lugar a más interpretações: conheço muitos distintos cidadãos e cidadãs e sou amigo preferencial de alguns, que militam em partidos políticos e desempenham cargos públicos com irrepreensível dignidade. E muitos mais haverá do que aqueles que eu conheço e de quem sou amigo. Esta não é a questão, portanto.

O problema reside no regime político que propicia tão graves desmandos e bafeja tantos artistas da corrupção porque confere aos partidos políticos o privilégio de serem apenas eles a governar. Donde resulta que a Democracia Liberal, ou Representativa, tal qual a conhecemos, todos os dias é maltratada pelos próprios partidos que açambarcam, estrangulam e viciam a função política, estando no poder ou na oposição.

Oposição que emudece, por regra, em matérias sensíveis como as que dizem respeito ao escandaloso descaminho do erário público por parte de caciques partidários e seus compinchas. Os partidos não se fiscalizam uns aos outros e antes tacitamente se congraçam e fazem valer como domínios imunes à Justiça.

Esta partidocracia opressiva é a verdadeira causa da imparável hemorragia financeira e moral do Estado, que agrava as desigualdades e abre caminho ao populismo subversivo e à ditadura, porque os partidos políticos trazem no ventre a tentação totalitária, o germe da corrupção e todos os apetites malignos que levam a democracia à ruína.

Partidos políticos que frequentemente dividem dramaticamente a Nação, entram em guerras intestinas, condicionam a Justiça, afugentam os cidadãos, manipulam a vontade dos eleitores, acoitam verdadeiros gangues no seu seio, privilegiam interesses privados em detrimento do interesse público, se alimentam do peculato dos organismos públicos que tutelam, provocam o endividamento incontrolado do Estado e vivem do nepotismo, do clientelismo e do tráfico de influências. E, o que não é menos grave, são incapazes de se unir em torno de projectos nacionais.

 É a vox populi, que assim fala!

É verdade que sem partidos políticos, por mais insignificantes que fossem, não haveria democracia verdadeiramente livre e representativa, o mesmo se dizendo de sindicatos ou de associações culturais, citados apenas como exemplos. Mas também é verdade que, quando como na situação vigente, apenas aos partidos é conferida a prerrogativa de governar, a democracia se transfigura na fraude monumental que se sabe. O mesmo aconteceria se, continuando com os exemplos, apenas os sindicatos pudessem eleger deputados à Assembleia da República.

Não basta, portanto, perante a gravíssima crise moral que o regime politico português atravessa, que uns tantos machuchos partidários (que só não sabem o que não querem), porque sentem o poder absoluto a fugir-lhes da mão em reflexo de casos perdidos na opinião pública, ou porque esgotaram todas as hipóteses de condicionar a Justiça, venham agora, tarde e a más horas, chorar lágrimas de crocodilo e proclamar-se envergonhados. Como também não tem sentido que a oposição, que desde a primeira hora guardou silêncio, só agora, na oportunidade, dê ares de indignação.

Gente desta categoria não sente vergonha, nem entende a dignidade, da mesma forma que o vulgar cidadão, pelo que terá outras inconfessas razões para tão estranho comportamento. Não é de espantar que também corra na opinião pública a ideia de que dinheiros manuseados na operação Marquês poderão ter beneficiado directamente o partido Socialista e que outros partidos, noutras circunstâncias, terão usufruído de dinheiros da mesma espécie. Estará agora a Justiça empenhada em investigar estas hipóteses por amor à democracia? Oxalá que assim seja.

A verdade é que a tudo continuar como está, os casos de corrupção vão continuar a acontecer, encobertos ou às escâncaras. Forçoso é, por isso, que os muitos militantes escorreitos dos actuais partidos se predisponham a refundar o Regime e a Reformar o Estado, abdicando do seu hegemonismo e, entre outras medidas fundamentais, abram o poder a instituições cívicas menos permeáveis à corrupção, designadamente às candidaturas independentes também à Assembleia da República e em pé de igualdade com as candidaturas partidárias.

Há mais e melhor democracia para lá dos partidos. E melhores governantes, também! De que têm medo os cabos partidários?

Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.

Henrique Pedro