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“SER FILÓSOFO”

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Além dos alunos que iniciam o estudo da filosofia, ouve-se muitas vezes a expressão quando uma greve paralisa os transportes, quando o tempo nos surpreende ou quando a vida corre menos bem. Há os que se chateiam e discutem e os que se “mostram filósofos”, dizem também os comentadores de rádio e televisão.
Esta interferência mexe com os filósofos de profissão: a filosofia, apesar de tudo, é outra coisa, é Descartes, é Platão. É Kant! Não é uma moral superficial, do dia-a-dia, por favor! Tudo isto, é o fundo de comércio de práticas algo irritantes, um género de sofrologia. Porém, é Descartes mesmo que diz “preferir mudar os seus desejos à ordem do mundo”.
No fundo, se fosse isso mesmo, o papel da filosofia ? Uma sabedoria? O regresso ao sentido etimológico, o amor, filia, da sabedoria, sofia ? 
Os filósofos, em geral, nos seus textos e obras defendem esta ideia da filosofia, inspirada da antiguidade, essencialmente dos Estóicos: os filósofos da Antiguidade grega e romana não eram construtores de sistemas ou de conceitos. Para eles a filosofia, é o desejo de fazer pesar sobre o quotidiano e a vida as disposições de espírito descobertas através da análise e raciocínio científico ou filosófico.
Daí a tradição destes « exercícios espirituais », uma espécie de treino destinado a introduzir no quotidiano os princípios da doutrina. O sentido da palavra foi amplamente desviado pelo uso feito pelo jesuíta, Inácio de Loyola, que os orienta na direção exclusiva da salvação da alma. Contudo a tradição antiga tem um significado bem diferente não no sentido de salvar a alma mas sim de salvar a sua pele: sofrer menos aprendendo a modificar o olhar que nós consagramos aos acontecimentos da nossa vida. E isso vai bem mais além do mundo antigo, por exemplo com Goethe, “Não te esqueças de viver”.
Trata-se de desenvolver a nossa atenção em duas direções: a concentração e a atenção ao momento presente e o olhar do alto. De fugir ao medo do passado e à angústia do que está para acontecer. E de tomar a devida distância em relação aos acontecimentos para melhor os suportar.
Não é exatamente o que pretende pôr em prática conscientemente ou não o aluno que começa a filosofar, aquele que faz greve ou o que passeia solitário, que consegue mostrar-se “filósofo”?
Percebo perfeitamente a objeção. E sobretudo a objeção política. Mostrar-se filósofo face aos defeitos e vícios do mundo, não será finalmente aceitar que nada mude? Parar de se “indignar”, cessar de encontrar insuportável o estado do mundo? É uma verdadeira questão…
Era sem dúvida uma filosofia necessária antes das grandes possibilidades oferecidas pela ciência e a técnica. Recordemos no entanto que haverá sempre coisas que não podemos alterar: como por exemplo a passagem do tempo, a morte. Então, apesar de tudo, guardemos esta ideia da sabedoria quando ela nos diz: muda o teu olhar sobre as coisas se queres ser menos infeliz.

Adriano Valadar