Trás-os-Montes e Alto Douro em rota de divergência regional. Combate ao despovoamento é uma prioridade

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Nas últimas três décadas os fundos da União Europeia contribuíram para a construção de um Portugal mais moderno e atrativo em todas as áreas, fundos que continuam a ser imprescindíveis para apoiar o crescimento da economia e do emprego que se quer qualificado, justamente remunerado e com melhores condições sociais. Portugal tem que assegurar uma rota estável e duradoura de convergência do PIB per capita com a média da União Europeia, concretizar a nível interno objetivos de convergência e de coesão, superar desigualdades sociais e territoriais, alterar a trajetória centralista que asfixia o todo nacional.  

Definir prioridades de investimento que incluam as ajudas da União Europeia para o período de 2021 a 2027 é um exercício que tem que garantir resultados positivos para o país no seu todo, assegurando um maior crescimento das regiões mais pobres. Apesar dos grandes desafios internos como, a tendência demográfica negativa, o elevado grau de endividamento público e privado, a baixa produtividade, conjugados com algumas dificuldades e incertezas no seio da União Europeia e com grandes tendências de escala global como, as alterações climáticas, o crescimento e urbanização da população a nível mundial, as limitações de recursos do planeta para enfrentar esta tendência, tal não significa resignação, sim a obrigação de um pensamento mais estratégico e de longo prazo, para um futuro melhor que beneficie todos os cidadãos.

No presente, lidamos com a memória das realizações passadas, com os desafios do futuro, construímos hoje o futuro que nos compete, devendo fazê-lo sem hipotecar decisões de gerações que nos sucedem, lidando de forma inteligente com os desafios por um futuro melhor, de maior justiça e equidade, de liberdade e de respeito pelas diversas formas de vida no planeta, assumindo formas de estar mais modestas e sustentáveis, amigas do ambiente, em particular nos países desenvolvidos, resposta da humanidade ao principal desafio que enfrenta, o das alterações climáticas.

Na preparação de decisões para a nova arquitetura de operacionalização dos fundos da União Europeia para o período de 2021 a 2027, tendo por referencial as prioridades políticas da União Europeia e de forma objetiva as especificidades do Estado-Membro e das suas regiões e sub-regiões, temos de saber onde e como estamos, referenciar o que tem sido bem feito, o que pretendemos melhorar ou fazer de novo, onde queremos chegar e que caminho percorrer.

 

PIB per capita p.p.p. de

Portugal face à UE28

 

Os fundos da União Europeia devem ajudar Portugal a convergir a nível europeu, a reduzir desigualdades sociais e territoriais, não deixando ninguém para trás, pessoas e territórios, a promover políticas de maior equidade social, mais inclusivas, para isso deve ser feita uma maior aposta na regionalização dos fundos e da sua gestão, na proximidade e no reforço das políticas territoriais integradas, contrariando a tendência de centralização que não tem respondido positivamente a esse desafio, o que se evidencia num breve retrato sobre a evolução do PIB per capita no país e nas regiões.

O PIB per capita em Portugal no período de 1995 a 2000 subiu 4 pontos percentuais face à média da União Europeia (valor 100). No ano de 2000 estava a 83,5 pontos percentuais da média e no ano de 2017 estava a 76,6 pontos ou seja, em rota de divergência, enquanto alguns países menos desenvolvidos de leste, com taxas de crescimento económico mais elevadas registaram um percurso de convergência. Portugal no ano de 2017 ocupava a 19.ª posição, resultado do crescimento distinto das sete regiões NUT III em que se organiza e que não tem sido o suficiente para assegurar a convergência necessária inter-regiões e para o crescimento global da economia do país. 

De entre as sete regiões do país, no ano de 2017, só a Área Metropolitana de Lisboa com 131 pontos e o Algarve com 108,3 pontos estão acima da média nacional, as restantes cinco regiões tem evoluído pouco, mantendo-se a Região Norte como a de mais baixo rendimento per capita, com variação de 80,3 pontos percentuais no ano de 2000, para 84,6 pontos no ano de 2017, o que corresponde ao crescimento médio anual de 0,25 pontos percentuais, valor residual que se torna mais insignificante face ao menor contributo da Área Metropolitana de Lisboa para o calculo da média.

 

PIB per capita das NUT III face a Portugal (PT=100)

 

Ainda assim, a diferença entre a Área Metropolitana de Lisboa e a Região Norte é de 46,4 pontos, uma diferença incompreensível, apesar de a Região Norte representar face ao país uma realidade muito relevante de: 31% da população; 23% da área; 29% do PIB; 41% das exportações, tendo no período entre 2012 e 2017 contribuído com 54,2% para o crescimento das exportações; ter uma forte expressão no Sistema Cientifico, Tecnológico e de Interface.

A desigualdade regional que se observa no país tem retrato similar na região do Norte, a mais pobre de Portugal e uma das mais pobres de entre as 274 regiões europeias. A diferença que encontramos entre as regiões do país ao nível do PIB per capita repete-se entre as sub-regiões NUT III do Norte, apesar de uma ligeira convergência, resultado da diminuição de 9,4 pontos da Área Metropolitana do Porto e do crescimento das sete regiões NUT III correspondentes às Comunidades Intermunicipais, crescimento que em territórios com economia mais forte como o AVE e o Cávado ocorre essencialmente via crescimento real da atividade económica, o mesmo não ocorrendo no Interior, onde parte muito significativa do crescimento do PIB per capita é feito à custa da perda de população, um contributo que reflete uma realidade negativa, sendo de cerca de 50% e mais, no Douro, no Alto Tâmega e em Terras de Trás-os-Montes. A NUT III Tâmega e Sousa continua a ter o menor rendimento per capita, cresceu 6,3 pontos entre o ano de 2000 a 2017, está a 73,9 da média regional, valor que convertido para a média da União Europeia é de 47,89 pontos percentuais, tendo esta NUT III atividade industrial significativa e população mais jovem, o que lhe deverá assegurar poder continuar a trajetória de convergência regional.

No Norte podemos identificar duas grandes realidades que estão a marcar a sua evolução, a faixa litoral norte onde se concentra a atividade industrial, os serviços, os centros de conhecimento e de inovação, a economia e a população. Por outro, a faixa interior norte, território com predominância de atividades agrícolas e florestais, de elevado valor natural e patrimonial, reconhecido pelas áreas classificadas, algumas reconhecidas pela UNESCO, teve nas acessibilidades um dos principais problemas, agora praticamente resolvido, tem vindo a consolidar o Ensino Superior e Centros de Investigação e de Interface, está a sofrer com o despovoamento, o envelhecimento populacional e o abandono rural.

 

PIB per capita das NUT III face ao Norte

 

No período pós crise, as NUT III da região norte estão a recuperar, em rota de convergência regional, sendo exceção as NUT III de Terras de Trás-os-Montes que no ano de 2011 estava na 2.ª posição abaixo da Área Metropolitana do Porto, passando para a 5.ª posição no ano de 2017, também o Douro e do Alto Tâmega estão em rota de divergência. Estas três NUT III correspondem a 58,71% do território da região norte, estão em rota de divergência com a média da região, com taxas de crescimento económico baixas, próximas de zero ou negativas. Esta tendência não surpreende se considerarmos a situação de isolamento e de abandono de décadas a que o Interior Norte foi votado, tendo como consequência a emigração intensa ao longo das últimas décadas, hoje traduzida pela situação dramática de despovoamento que já atinge todos os concelhos, com todas as consequências negativas que isso representa, nos serviços, na presença do estado no território, em particular naquilo que é decisivo, na fragilização da economia, na redução do emprego e na baixa produtividade. 

Impõem-se algumas medidas de rotura na política nacional visando reverter aquilo que mais acentua a fratura que divide o país em dois. Os fundos para a coesão atribuídos pela União Europeia a Portugal são essenciais para ajudar em algumas das medidas, designadamente no combate ao despovoamento do Interior, importa por isso, que se façam algumas mudanças na perspetiva do próximo Quadro Financeiro Plurianual, mas também na atual fase de operacionalização do Portugal 2020 pós reprogramação, analisando e tirando conclusões da forma como tem estado a ser feita a territorialização dos fundos da União Europeia, em concreto no apoio às empresas, no sentido de se fazerem alguns ajustamentos ainda possíveis.

A Região Norte absorve 40,1% dos fundos já aprovados no Portugal 2020, capta 42% dos incentivos aprovados no apoio às empresas, distribuídos 6% pelo território de baixa densidade; 33% pelos territórios fora da baixa densidade e 3% em projetos multiregião ou não aplicável. Os territórios de baixa densidade da Região Norte incluem 53 concelho e algumas freguesias de 8 concelhos. Representam 79% da área da Região (16 833 Km2) e 21,6% da população (794 797 habitantes). Ou seja, cerca de 85% do incentivo às empresas concentra-se nos territórios fora da baixa densidade que representa 21,0% do território.

Se fizermos essa análise para o Programa Regional do Norte, envolvendo a totalidade dos Eixos e Prioridades de Investimento, constatamos que com o investimento público se consegue assegurar maior equidade territorial beneficiando a baixa densidade e que, apesar de no sistema de incentivos se terem lançado avisos e dotações especificas para a baixa densidade, isso não chega para o que é necessário fazer. Ponderado o Investimento público e o investimento privado a distribuição é de 35% na baixa densidade e de 65% fora da baixa densidade, se for considerado só o investimento público, a baixa densidade é contemplada com 42% e fora da baixa densidade com 58%.

Constata-se pois, que o essencial do problema está no apoio ao investimento privado, está na falta de medidas especificas públicas de apoio à atividade económica e ao emprego nos territórios economicamente mais débeis, no apoio às empresas aí instaladas, também na falta de apoios específicos diferenciados para captação de investimento para esses territórios e em parte na falta de investimento público em infraestruturas necessário a coesão e à competitividade, não incluídas na versão atual do Plano Nacional de Investimentos 2030.

A este respeito refere-se a título de exemplo, investimentos no setor dos transportes e mobilidade como: a finalização de ligações fronteiriças como o IP2 e o IC5 para desencravar o Nordeste Transmontano; vias estruturantes como o IC 26 e o IC35, para desencravar concelhos no Douro e Tâmega e Sousa; expansão da rede ferroviária para o Interior Norte e ligação à rede espanhola; investimentos na rede secundária aeroportuária regional, nomeadamente Bragança e Vila Real; investimentos para enfrentar os efeitos de secas extremas que afetam a agricultura, contemplando um plano de pequenas barragens e de regadios eficazmente estruturados para servir a viabilidade e sustentabilidade das explorações agrícolas e florestais.

Em síntese, cada Sub-Região NUT III deveria à partida poder contratualizar um envelope financeiro indicativo, negociado ao nível da Região (incluído verbas do PO Regional e dos Programas Temáticos), para execução de projetos estruturantes para a economia, para o conhecimento, a qualificação dos recursos humanos, os serviços de proximidade, com metas bem definidas, especificas e alinhadas pelas prioridades regionais e sub-regionais. 

No que respeita às ajudas comunitárias, são necessárias medidas de alteração da programação dos fundos, adotando orientações de apoio ao investimento público e privado, em particular no âmbito do sistema de incentivos às empresas, coordenadas com políticas nacionais que apostem no Interior, na captação e apoio ao investimento privado e no emprego jovem e qualificado. Assumir querer mudar é apostar no futuro do país, reduzir assimetrias, concretizar de forma mais inteligente as ajudas da União Europeia para a coesão territorial, para a convergência inter-regional e com a média da União Europeia.

No âmbito do sistema de incentivos às empresas, para o Interior deveria a título indicativo ser atribuído pelo menos um terço da totalidade dos apoios previstos. O apoio não reembolsável deveria ser aumentado em pelo menos 20%, face ao regime geral, para as empresas com atividade no Interior, existentes, a criar ou a captar, estruturado em dois patamares, um 1.º dirigido à inovação e à competitividade, em regime aberto e mais competitivo e um 2.º nível de acesso mais simplificado, de apoio ao micro empreendedorismo e às pequenas empresas em concursos dirigidos às empresas de territórios específicos, abrangendo todos os projetos alinhados com a estratégia de cada uma das NUT III, puxando pelo potencial de recursos de cada um dos territórios, alguns tão pobres, mas tão vastos, tão ricos e diversos, com recursos únicos, para além serem a interface com Espanha, o nosso principal parceiro económico.

Concordar em teoria ser necessário inverter o ciclo intenso de despovoamento do Interior e de abandono do território não chega, é preciso agir com políticas coerentes e de longo prazo. Assumir querer mudar é apostar no futuro do país, reduzir assimetrias, concretizar de forma mais inteligente as ajudas da União Europeia dirigidas à competitividade e à coesão do território, beneficiando o todo nacional.

Se até ao momento o Estado centralista não nos tem conduzido por esse caminho, é tempo de arriscar a criação das Regiões Administrativas, para com legitimidade política assumirem a Estratégia Regional e o seu Plano de Ação, assim como a responsabilidade pelos resultados que serão escrutinados pelos cidadãos em eleições diretas.

Jorge Nunes