A velha casa

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De memória revejo a Velha casa (o ora esquecido escritor José Régio escreveu o livro a Velha Casa e acréscimos) herança materna, bicentenária, a qual não visito desde os primórdios da pandemia, cuidada prestimosamente pela Cândida minha parente em duplo (eu e o marido somos primos em segundo grau, a casa do avô exibe a riscante data 1908 numa pedra da outrora palheira e/ ou cabanal) e, sempre atenta na observação das fissuras e sinais de velhice pois também as casas nascem, crescem e morrem. Ora, as casas acompanham a calvície e mantas canosas dispersas nas cabeças dos donos por assim ser, e é, Portugal desde o litoral ao interior a par da arquitectura com laivos ou acentuados símbolos significantes da traça original pululam toda a sorte de volumetrias, colorações, ademanes e bizarras «esculturas nas casas e jardins no Continente e Ilhas adjacentes. É um fartote/ orgia de gostos na maioria de duvidoso gosto. E, no entanto as casas encerram histórias, segredos, dramas, amores desvairados, dependências atrozes, pecados mortais, doenças e entorses de toda a casta e géneros. Nem só Régio escreveu sobre as Casas vetustas, façam o favor de lerem entre muitas outras as obras-primas A Ilustre Casa de Ramires, a Casa Grande de Romarigães, a Casa de Bernarda Alba e ouvia a distinta Amália a cantar a casa da Mariquinhas das tabuinhas tão comuns a ripas com as latas existentes nos dias de agora, das armas guiadas de longe de modo a erradicar bairros inteiros de casas/ caixotes das grandes e médias cidades, escapando (às vezes) as Velhas casas das aldeias de todas as partes do Planeta. A casa de Lagarelhos aquando das obras de restauro das cicatrizes sem ofensa da fachada trouxe à vista desarmada o cano enferrujado de uma espingarda escondida no falso apressadamente construído para esconder o meu avô dado o seu primo Manuel Buíça ter sido o autor do assassinato do rei Dom Carlos. O meu avô nada sofreu, porém o ferrete do apelido perseguiu-o várias vezes, lépido que nem coelho a retouçar no vergel do quintal o meu progenitor expurgou o Buiça do nome da minha Mãe, do mesmo modo ao registar- -me poupou trabalho à mulher do Senhor Frederico Monteiro (correspondente da quase totalidade dos jornais de Lisboa e Porto) funcionária do Registo Civil. O desvelado servidor da imprensa Sr. Monteiro bem merecia placa a assinalar o seu labor em prol do jornalismo local, prazenteiramente, aqui fica a sugestão. Pois, seria imperdoável não assinalar a brigantina e emblemática Casa do Arco cujo passeio fronteiro sapateei, longe de ter visto a Sapateira Prodigiosa, mas na esperança de ver guapas encerradas no casarão a partir da hora de recolhimento. A pandemia está a caminhar para a endemia, mantendo o elmo e a viseira penso em volver à Velha casa, por um ou dois dias (o tempo continua a escassear-me, terei uma eternidade à minha espera para repousar quando for desta para pior) a fim de perscrutar o horizonte até à Serra de Nogueira recreando o oráculo de Delfos no desejo de obter resposta para a causa da continuidade e crescente aumento da banalidade do mal debaixo de todos os ângulos, prismas e pontos de vista. PS. Não utilizei – cima da mesa – dada se terem esgotado as mesas!

Armando Fernandes