Arco do triunfo

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Ter, 12/07/2016 - 09:53


Há um em Paris, mas os 23 magníficos não passaram lá. Os romanos construíam-nos, há mais de dois mil anos, para assinalar grandes feitos dos seus pretores, um pouco por toda a bacia do mare nostrum, como chamavam ao Mediterrâneo.
Um momento de glória portuguesa teve lugar na cidade luz, agora a viver dias de cinzas de que, todos esperamos, renascerá para continuar a cumprir o seu papel insubstituível na cultura nos últimos três séculos.
O triunfo memorável, que lançou o nosso país num frenesim de festa, depois de um mês quase sem pio, foi a vitória, no europeu de futebol, da equipa portuguesa, conduzida por um pragmático cheio de fé, Fernando Santos e liderada pelo grande Cristiano Ronaldo.
Os novíssimos heróis constituem um grupo que é expressão feliz do desígnio secular deste país, identificado numa obra quase esquecida, mas fundamental, de Jaime Cortesão, médico, soldado e historiador, com o título “O humanismo universalista dos portugueses”.
A selecção reflecte o percurso português mundo fora, desde o século XV, construindo impérios, justificando razias, escravizando, mas também integrando, mestiçando activamente, abrindo os tempos de culturas crioulas que têm dado, autenticamente, novos mundos ao mundo.
O triunfo no jogo foi muito importante. Mas, talvez ainda mais importante será o contributo para essa utopia que é a construção de uma humanidade plena de matizes à flor da pele, fonte de esperança até ao fim dos tempos.
Não é uma novidade, nem um aggiornamento do país. Pelo meio do século passado víramos Vicente, Santana, Matateu, Coluna, Eusébio, Hilário, entre outros, a passear a sua classe e dedicação pelos relvados da Europa e do mundo ao serviço de Portugal. Houve o tempo de Jordão e depois de Shéu, Abel Xavier, Costinha, Deco. Hoje celebramos Nani, Renato, João Mário, Éder, William, Danilo, Eliseu, Bruno Alves, Pepe, expressões da nossa vocação mulata, assim como Nélson Évora, Naide Gomes e agora Patrícia Mamona, que chegou ao ouro no europeu de atletismo.
Têm raízes em Cabo Verde, na Guiné, em São Tomé, em Angola, no Brasil, margens desse Atlântico, nosso horizonte salgado, que nos conduziu às doçuras no Índico e Pacífico adentro, celebradas pelo Luís Vaz, o Camões, aventureiro, amante e talvez herói, que todos os anos honramos.
Num arco do triunfo que a selecção merecia, os painéis narrativos deveriam guardar um lugar especial para as auroras em Timor, a ilha do Sol nascente, onde a festa por Portugal nos enche de uma perturbadora felicidade, depois da epopeia na viragem do milénio, quando aquele povo rezava em português, enquanto o seu sangue corria pelas ruas.
Para além da conquista do campeonato europeu de futebol, o país, a caminho dos novecentos anos, pode, com razão, fazer a festa da fraternidade, capaz de nos livrar de diabólicos assomos do primitivismo tribal que ameaça estragar-nos os dias do presente.
Esta nossa terra, nas traseiras do jardim, também pode, como a selecção, beneficiar da construção de um país mais cosmopolita, aberto à integração dos nossos irmãos na língua e na cultura, assim como de todos os outros. O número de estudantes do universo crioulo e africano no IPB é um verdadeiro raio de Sol, no Inverno demográfico que vivemos.
Que os deuses nos ajudem a triunfar, também com eles, na conquista do futuro.

Por Teófilo Vaz